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[765.] O "tweet" de António Costa: publicidade política

O primeiro-ministro divulgou uma mensagem por "tweet" com 44 palavras e três fotografias que se pode caracterizar como propaganda, ou publicidade política.

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António Costa optou pelo "tweet" para uma comunicação política pela mesma razão que Donald Trump: simulam usar este meio enquanto rede social, mas fazem dele um vulgar meio de propagação de mensagens de um para muitos, como qualquer media há séculos; e aparentam estar em contacto directo com a população, por não haver intermediação jornalística. Dizem e mostram o que querem. O primeiro-ministro, ausente do espaço mediático há dias, isto é, dos locais que a sua agenda cria ou disponibiliza aos media para as perguntas em situações de passagem (normalmente à entrada ou saída de edifícios), optou por evitar a acusação - que já corria nas redes digitais - de estar "desaparecido em combate" e optou por simular disponibilidade para os jornalistas através de um "tweet".

 

A mensagem apresentou-se, à partida, como resultando de má consciência de Costa perante o falhanço da Protecção Civil e do Governo no incêndio de Monchique. Não só Costa deixou de "ter agenda" para a sua habitual pregação aos microfones de jornalistas, como continuou sem a ter, preferindo o "tweet" para se dizer "em contacto permanente", com as autoridades do combate aos fogos. Foi, aliás, criticado, por dizer estar em contacto permanente com uma "AGIF", entidade que, criada no papel, ainda não existe na prática. Esta mentira na mensagem acentuou o seu carácter de propaganda, mas foi nas fotos que ele se confirmou. Costa não divulgou uma, mas três fotos simulando "trabalho" relacionado com os incêndios. Para provar que as fotos eram actuais, numa delas vê-se num ecrã de TV uma jornalista da TVI falando em Monchique do incêndio em curso. Costa está de pé, pois a propaganda não poderia mostrá-lo sentado a ver TV. Em pé, está "em trabalho", dum lado para o outro. Enquanto olha preocupado para a TV, tem na mão um telemóvel, como se em multitasking. Está de corpo inteiro na imagem, vestido de calças claras e camisa clara, entre o formal e o informal. A roupa sugere que poderia estar de férias, mas, afinal, veio ao seu gabinete tratar dos incêndios. A camisa sem gravata e as mangas meio arregaçadas acentuam essa mensagem. Numa segunda foto, está sentado à secretária, olhando para um ecrã de computador, de novo com o telemóvel como instrumento de trabalho, desta vez ao ouvido. O telemóvel é diferente do da outra foto, que é vermelho.

 

A terceira foto do "tweet" de propaganda foi a mais criticada e gozada nas redes digitais. Em plano médio, eis Costa de perfil, com o mesmo telemóvel cinzento à frente da cara. Está "a trabalhar": enquanto fala aponta para o ecrã de PC que, convenientemente, é visível ao observador da foto, com um mapa da ANPC de zona de fogos. A foto visa mostrar o gesto físico do primeiro-ministro: o seu braço está direito, paralelo às linhas superior e inferior da foto, e o indicador toca o ecrã do PC. O indicador apontando é um gesto usado há milhares de anos para chamar a atenção do observador e, em muitos casos, servir de indício de poder. Apontando para o ecrã, Costa simula estar a exercer poder sobre a Protecção Civil e, por inferência, sobre o próprio incêndio.

 

As três fotos estragaram o efeito que a mensagem escrita de Costa (à parte a mentira da AGIF) poderia causar. Seria expectável que o chefe do Governo comunicasse "qualquer coisa" sobre incêndios, o que quer que fosse. Deitou tudo a perder ao acrescentar fotos estudadas, usando processos de retórica da imagem já identificados por milhões como propaganda visual (recordo, por exemplo, que Fernando Medina, numa espécie de "publirreportagem" na revista do Expresso, já usou o telemóvel como elemento de propaganda visual, associando-o a muito "trabalho" e "atenção" às pessoas e tarefas). A foto do dedo indicador de Costa foi usada em inúmeras fotomontagens, substituindo-se o mapa do ecrã, por exemplo, por sites de férias, mas também transformando a foto num anúncio da Hermès, ao identificar-se o relógio de pulso com um modelo dessa marca custando cerca de 1.300 euros. O custo político da propaganda neste caso é certamente superior ao eventual valor do relógio de pulso de António Costa.

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