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[764.] Farmácias Portuguesas; e um pedido aos marqueteiros nacionais

Um recente anúncio de imprensa visa promover a imagem institucional das farmácias portuguesas. O texto diz que "em cada farmácia há um conjunto de farmacêuticos preparados, próximos e prontos a ajudar quem deles precisa".

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E, acrescenta, agora em linguagem mais publicitária, isto é, naquele limbo entre o verdadeiro e o falso: "Sempre a pensar na sua saúde, no seu bem-estar, na sua vida." Sempre? Naturalmente, é uma frase que não se pode desmentir, mas que também não se pode confirmar. Faz parte da bula publicitária.

 

Mais interessante que o texto generalista é a imagem que ocupa todo o espaço. Num quarto de dormir, à noite, um casal dorme. À direita, um miúdo pequeno vai subindo para a cama. Assim, a imagem estabelece uma narrativa, e uma que os observadores com filhos conhecem bem, a circunstância dos filhos pequenos que sobem para a cama.

 

Porque sobe este miúdo para a cama dos pais? Teve um pesadelo? Acordou, sentiu-se só? Não sabemos. Se calhar está doente e precisa de ajuda. Os publicitários acrescentaram à foto a mesma tonalidade verde do reclame luminoso na fachada das farmácias. Aliás, esse suporte luminoso com o símbolo de farmácia é o primeiro elemento de leitura da imagem, como se a farmácia estivesse, em espírito, dentro daquela casa e daquele quarto. Deste modo, a narrativa mostrada admite a hipótese de que, a seguir ao momento mostrado, lá vai um dos pais à farmácia com um casaco por cima do pijama. O slogan diz "É para a família. É para a vida.", como quem diz é para sempre, palavra que, como vimos, está no texto em baixo. Sendo os medicamentos totalmente individuais, a ligação familiar pretende aqui sublinhar uma relação de proximidade na farmácia local cuja concretização as lojas tipo "farmácias" em hipermercados não conseguem ou até rejeitam.

 

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E agora um tema completamente diferente. Aconteceu-me novamente esta semana: contactei uma grande empresa portuguesa pedindo que me enviassem anúncios da sua marca que andam por aí no espaço público - e senti que do outro lado soaram campainhas de medo.

 

Perguntam-me de lá: mas é para quê? Eu esclareço. Sou crítico de publicidade há quase duas décadas. Gostava de ver porque passei de carro pelos mupis e não consegui observá-los como deve ser. Mas é mesmo para isso? Etc. Sob uma aparente disponibilidade, está o medo, o medo de saber que um crítico de publicidade pretende ver os seus anúncios e - horror total - talvez escrever sobre eles! Será que "vai dizer mal?" Ele se calhar "vai dizer mal"! E nós estamos para aqui a colaborar, enviando-lhe os anúncios?!

 

Nesta atitude medíocre esconde-se o ódio visceral à crítica, a falta de abertura de espírito e, no fundo, o medo e o ódio à liberdade crítica. Porque a crítica, sendo fundamentada e bem-intencionada, serve todos os envolvidos: primeiro, o leitor em abstracto, segundo, os leitores concretos e, terceiro, os criticados e o sector de actividade em que se integram.

 

Em Portugal, como noutros países, a palavra crítica, no uso comum ou vernáculo, está associada a "dizer mal", quando a crítica é a expressão de uma análise e, portanto, deve ser neutra na intenção; no que realmente diz, tanto pode ser positiva como negativa, ou ambas, se o objecto criticado tiver aspectos que o crítico considera positivos e outros que considera negativos.

 

Aos marqueteiros que esta semana levantaram dificuldades para me fazer chegar por email uns anúncios que, oh, valha-nos deus!, estiveram espalhados pelas ruas do país, e a todos os outros, eu digo-vos: não tenham medo da crítica; não tenham medo da liberdade.

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