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[638.] "Pode parar de imaginar"

Com a deriva do orçamento promocional das empresas para o marketing duvidoso das redes sociais, em que compram "likes", com a incapacidade dos publicitários em inventar novos géneros para a internet, parece ter-se perdido a coragem de inovar na publicidade clássica. Os novos anúncios parecem velhos.

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Insiste-se nos "conhecidos" e "celebridades" para chamar a atenção. Actores, modelos de passerelle, humoristas, apresentadores de televisão, desportistas: eis o suco da barbatana de dezenas de anúncios de todos os tipos de empresas e marcas. A substituição de Ricardo Araújo Pereira por Cristiano Ronaldo nas campanhas da Altice em Portugal, com um contrato multinacional do futebolista, foi notícia por toda a imprensa, sugerindo que devemos dar a máxima importância à mudança da estrela nas operações de promoção de uma empresa. As notícias sobre o assunto parecem ter mais destaque do que os próprios anúncios e operam esta maravilha dos nossos tempos pós-modernos: as notícias promovem a promoção da empresa, neste caso, curiosamente, uma empresa, a Altice, que parece mais interessada em cortar custos, nomeadamente nos seus serviços em que usa conteúdos de empresas… que agora promovem a sua promoção das suas promoções publicitárias com Ronaldo.

 

Um anúncio dum modelo de relógios Mont Blanc apresenta-se assim: "Heritage Chronométrie e Hugh Jackman, Edição Limitada exclusiva para Portugal." A marca contratar o actor e mostrá-lo nos reclames é o que se espera. Mas chamar a uma "Edição Limitada" de um relógio o nome do aparelho e o nome do actor? Que sentido faz? Quem compra um relógio associado a um actor só porque ele assinou um contrato para ganhar dinheiro vendendo a imagem à marca? É um exemplo em que se leva demasiado longe a mensagem da mensagem, como se ela pudesse tudo qualquer que seja o referente, a coisa real que se pretende vender.

 

A infantilização dos conteúdos, que é uma promessa dos meios de massas há mais de um século, atinge mesmo os reclames de produtos que implicam um investimento grande. Num reclame do aluguer de Toyota Yaris e Auris, o "poder de mudar" é representado visualmente por um indivíduo a rapar a cabeça no barbeiro. Pergunto a mim mesmo se algum observador porá ao mesmo nível o "poder de mudar" do visual capilar e do meio de obtenção dum automóvel. Pensa ele: "É verdade! Como é que eu nunca tinha pensado nisto? Rapei a cabeça há dois meses e agora posso passar da compra ao aluguer do carro novo." Pensa ela: "É exactamente assim! Pintei as madeixas na semana passada… vou já alugar um Toyota! Sinto-me cheia do poder de mudar!"

 

A falta de imaginação revela-se freudianamente num anúncio do Peugeot 2008: "Imagine uma oferta irrecusável pelo seu carro antigo. Pode parar de imaginar." Pedem-me para eu imaginar e de imediato me convidam a parar de imaginar. Do slogan do Maio de 68 "A imaginação ao poder" passámos ao slogan "Poder parar de imaginar". Foi isso, exactamente, o que fizeram os publicitários: pararam de imaginar.

 

Ao menos que parassem de imaginar com piada, com um toque surpreendente, com o velho poder da publicidade clássica. O vinho Bridão voltou ao antigamente, ousando o politicamente incorrecto no que almas sensíveis do século XXI poderão ver a "exploração do corpo da mulher pela publicidade". Em vez de "poder parar de imaginar", os publicitários foram ao cardápio da publicidade antiga e trouxeram "o poder do corpo de um vinho". Estão lá duas garrafas de tinto, mas todo o lado esquerdo é ilustrado com uma fotografia do torso de uma mulher só de cuequinha. O corpo da mulher assemelha-se às curvas da garrafa. "Intenso, poderoso e sedutor", é esse o "poder do corpo" que se vê e, por analogia, o do vinho. Tudo "déjà vu", mas o anúncio, se não inova, renova. 

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