Opinião
Waze, praias e transporte público
Um "Waze" para o transporte público poderia ser promovido pelo Estado ou desenvolvido pela iniciativa privada. Neste último caso, poderia ser uma funcionalidade a adicionar a aplicações agregadoras de mobilidade já existentes, e que exploram o conceito de "Mobility as a Service" (MaaS).
O Governo anunciou que iria disponibilizar no site do APA (Agência Portuguesa do Ambiente) o estado da ocupação das praias, em tempo real, assim como criar uma app para o efeito, para que os portugueses pudessem escolher a praia onde ir, em função da sua ocupação e assim incentivar o profilático distanciamento social também nas praias.
Embora desconhecendo a metodologia para obtenção desta informação em tempo real, trata-se de mais um exemplo de criação de inteligência colectiva, destinada a beneficiar todos os utilizadores de um determinado serviço ou infraestrutura.
Os utilizadores da aplicação Waze conhecem bem os benefícios da inteligência colectiva. A partir do momento em que muitos utilizadores começaram a utilizar a aplicação, partilhando os seus trajectos de automóvel, em tempo real, a partir do smartphone, a aplicação consegue indicar os trajectos com menor tempo de deslocação, evitando congestionamentos.
Muitas pessoas, que antes do confinamento utilizavam o transporte público, passaram a utilizar o transporte individual, para evitar riscos de contágio, beneficiando também de menos tráfego nas estradas. Registando-se uma redução na procura do transporte público nesta fase inicial de desconfinamento, o que se observa são veículos lotados nas horas de ponta, muitas vezes com uma ocupação acima do que é desejável, e veículos com uma ocupação muito reduzida fora das horas de ponta. É assim crucial criar também uma inteligência colectiva semelhante no transporte público, para aplanar a ocupação dos seus veículos.
É muito importante a percepção da segurança na utilização do transporte público, espinha dorsal do sistema de mobilidade de qualquer metrópole, para evitar um nível de procura em que só é utilizador quem não tem alternativa. O conhecimento em tempo real do nível de ocupação dos veículos que prestam serviço de transporte público - sejam comboios, autocarros ou metro - na carreira ou linha desejada, permitindo que a utilização do transporte público seja ponderada, quando de outra forma não seria sequer equacionada, surge como uma vacina contra o indesejado definhar do transporte público. Se a ocupação for elevada, os utilizadores, com esta informação, prescindem do transporte público e recorrem ao transporte individual, contribuindo para a saúde pública em geral, mas se for reduzida ou abaixo da lotação de segurança, os utilizadores podem prescindir do transporte individual, contribuindo para a saúde do sistema de mobilidade.
Um "Waze" para o transporte público poderia ser promovido pelo Estado ou desenvolvido pela iniciativa privada. Neste último caso, poderia ser uma funcionalidade a adicionar a aplicações agregadoras de mobilidade já existentes, e que exploram o conceito de "Mobility as a Service" (MaaS). Uma aplicação agregadora de mobilidade sugere ao utilizador combinações de modos e serviços maximizando o binómio preço/conveniência valorizado pelo utilizador. Mas conhecendo em tempo real o nível de ocupação dos veículos, as aplicações poderão sugerir combinações que, para além do binómio preço/conveniência, minimizem o risco de contágio do utilizador, sugerindo por exemplo a utilização de carreiras bus com veículos pouco ocupados, ainda que tal possa exigir mais transbordos e um maior tempo de deslocação.
Tradicionalmente, os operadores de serviços de transportes públicos agiam de uma forma independente uns dos outros, e não colaborativamente. A recente introdução dos passes levou os operadores a darem um passo no sentido da colaboração, e a criação da inteligência colectiva, neste momento singular, elevaria o nível de colaboração a outro patamar, com benefício próprio e de todos os utilizadores.
Artigo em conformidade com o antigo Acordo Ortográfico
Especialista em transportes e mobilidade, Mestre em Transportes, Técnico Superior no Metropolitano de Lisboa