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Tendências da mobilidade no pós-confinamento

O risco de contágio tem sido um factor dissuasor da utilização do transporte público, invertendo totalmente a tendência que se instalou após a subsidiação dos passes sociais por parte do Estado.

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Na mobilidade, a nova realidade em que vivemos em Portugal veio acentuar ou inverter tendências que já verificavam antes da covid-19, ou mesmo criar novas tendências.

 

Talvez a nova tendência mais significativa seja a não mobilidade, como consequência directa do teletrabalho, que eliminou um número significativo de deslocações pendulares nas metrópoles e atenuou os picos de tráfego nas horas de ponta.

 

A redução de tráfego que se verifica nos centros urbanos das metrópoles está a acentuar a tendência que se verifica um pouco por toda a Europa: a reconversão de espaço rodoviário para espaços canais destinados a modos activos e suaves, e para usos de fruição pedonal, e de criação de zonas de emissão reduzida ou zero. Contudo, é bem possível que essa mesma redução de tráfego venha a diminuir a pressão pública e institucional para a electrificação da mobilidade, criando um balão de oxigénio temporal para o desenvolvimento de motores de combustão mais limpos, por um lado, e para o investimento na introdução da solução hidrogénio no mercado de forma a diminuir a ampla diferença de quota que a separa da solução eléctrica, por outro.

 

O risco de contágio tem sido um factor dissuasor da utilização do transporte público, invertendo totalmente a tendência que se instalou após a subsidiação dos passes sociais por parte do Estado. Uma parte significativa dos utilizadores de transporte público passou a utilizar o transporte individual, beneficiando também estes de um menor nível de tráfego que se regista. Não é exagero afirmar que o transporte público luta pela manutenção do seu papel, tal como o conhecemos: os primeiros dados do pós-confinamento apontam para uma redução muito expressiva na procura, por exemplo a redução de vendas no Metropolitano de Lisboa em Maio foi superior a 80%.

 

Uma aposta clara na tecnologia no passado, com integração e coordenação dos diversos modos, teria sido hoje útil para proporcionar a melhor resposta neste contexto, em que se deve evitar ocupações excessivas nos veículos e oferecer confiança aos utilizadores. A obtenção em tempo real, através de uma app, de dados anonimizados das deslocações e das futuras intenções de deslocações dos utilizadores no espaço/tempo, permitiria aferir a ocupação actual e prevista dos veículos em cada momento. A partir da indicação por parte dos utilizadores da origem/destino, hora, e de outros parâmetros de conveniência, a app permitiria ao sistema de transportes públicos a indicação/sugestão de itinerários customizados com as combinações de modos que maximizam a utilização da capacidade instalada do sistema de transporte público no seu todo sem permitir lotações excessivas. A cenoura para uma elevada utilização da app, a qual permitiria o funcionamento do conceito, seria a inclusão da bilhética com descontos relativamente aos preços de bilhetes e passes fora da app. E a propósito da bilhética, é de referir outra tendência acentuada pela covid-19, que é a adopção de sistemas contactless, por razões óbvias.

 

Uma nota final para a tendência no transporte de mercadorias associado ao comércio online, claramente acentuado pelo contexto covid-19. Existe um desafio de capacidade de transporte e de logística para responder ao boom gerado, como se nota pelos maiores prazos de entrega e pior serviço comparativamente ao que sucedia antes do confinamento.

 

A lição deve ser aprendida: o investimento na tecnologia, permitindo aumentar a capacidade de gestão da mobilidade para melhor responder a cenários desafiantes, é absolutamente primordial.

 

Especialista em transportes e mobilidade, Mestre em Transportes, Técnico Superior no Metropolitano de Lisboa  

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