Opinião
Relançamento e reforma da economia – (V)
Durante quanto tempo vai o BCE continuar a suportar a estabilidade dos mercados financeiros do euro, enquanto se enraízam desequilíbrios e linhas de fragmentação entre os diferentes grupos de economias, com implicações sociais e políticas crescentes?
1. Quando, num ano de pandemia, o comportamento das contas públicas é mais favorável do que a evolução prevista no “cenário orçamental”, é legítima uma dúvida: está a política orçamental e/ou a execução do Orçamento a subavaliar a gravidade da crise e a ser demasiado prudente, com o agravamento dos custos sociais e económicos ou, pelo contrário, está a ser calibrada na fronteira do possível, dada a natureza dos riscos – actuais e potenciais – com que a nossa economia se debate?
A resposta deve ser procurada à luz do risco que é crucial afastar: um agravamento do nível de endividamento que possa conduzir a uma crise de financiamento. Único risco que, a existir, poderia justificar uma retracção dos apoios à economia no contexto de um choque pandémico com a gravidade do actual.
Dado o nível de endividamento já atingido pela nossa economia, permaneço convencido de que um tal risco vai depender sempre – independentemente dos acréscimos de dívida necessários para responder à crise – do crescimento económico, da evolução do quadro europeu a emergir da pandemia e dos seus reflexos sobre a acção do BCE.
A verdade é que, para além do que é da nossa responsabilidade – e que passa pelo lançamento de um programa de modernização da economia, capaz de levar a ganhos de produtividade e a aumentos do potencial de crescimento que, a prazo, vão determinar a sustentabilidade da dívida –, o futuro pós-pandémico vai depender sobretudo da evolução do projecto europeu.
Durante quanto tempo vai o BCE continuar a suportar a estabilidade dos mercados financeiros do euro, enquanto se enraízam desequilíbrios e linhas de fragmentação entre os diferentes grupos de economias, com implicações sociais e políticas crescentes? Vai a Europa ajustar os princípios que têm enquadrado as políticas orçamentais, de modo a dar um impulso sustentado ao crescimento económico e a criar condições que permitam um ajustamento gradual e controlado da política monetária? Vai mover-se no sentido da consolidação da União Bancária – completando a sua plataforma institucional, regulamentar e operacional – e do desenvolvimento, a nível pan-europeu, de segmentos críticos do mercado de capitais, como é o caso de mercados especializados em dívida soberana e no financiamento de PME?
À luz deste quadro, o programa de apoios que a Comissão Europeia fez aprovar representa um impulso importante, mas com um peso marginal reduzido se avaliado em relação ao valor global dos orçamentos das economias que integram a Zona Euro. Não sendo seguramente um substituto da reforma da plataforma institucional e jurídico/regulamentar que tem enquadrado as políticas económicas da Europa do euro. Reforma necessária para responder, tanto aos bloqueamentos internos à Zona Euro, como aos desafios que estão a ser colocados pela travagem do movimento de globalização dos mercados mundiais, com efeitos que o choque pandémico veio intensificar.
2.Como sempre acontece quando se trata da evolução do projecto europeu, muitas das respostas devem ser procuradas na Alemanha que tem subordinado os “avanços” da integração europeia a uma defesa intransigente dos princípios que enformam o seu próprio modelo de desenvolvimento económico.
Em declarações recentes, Helge Braun, colaboradora próxima de Angela Merkel, defendeu a suspensão da regra constitucional que, na Alemanha, limita os deficits orçamentais – regra conhecida como “travão da dívida” – como via para financiar o esforço de modernização e reforma da economia. Embora esta posição continue a ter a oposição dos grupos mais conservadores da elite alemã – como é o caso do actual presidente do Bundesbank, também um antigo colaborador da chanceler alemã –, não deixa de reflectir um debate interno sobre o interesse em ajustar aos desafios actuais os princípios impostos pelas correntes de pensamento que têm dominado a política económica na Alemanha.
Trata-se de uma questão crítica, tanto para o futuro do projecto de integração da Europa, como para a própria evolução das economias periféricas menos competitivas e mais frágeis do euro, por razões que me proponho abordar em próximo artigo.