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Palavra contabilizada, palavra honrada

Um estudo realizado no ano passado pelo ISCTE-IUL, financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia, concluiu que, em média, os governos em Portugal dos últimos 20 anos cumpriram cerca de 60% das promessas que constavam nos respectivos programas eleitorais.

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Destacam-se, neste domínio, o primeiro governo Guterres, entre 1995 e 1999, com mais de 75% de promessas eleitorais cumpridas, o primeiro governo Sócrates (2005-2009) e o governo Passos Coelho (2011-2015) com mais de 50% de promessas cumpridas.

 

Sendo o actual Governo fruto de uma maioria parlamentar criada numa situação de compromisso muito peculiar, este exercício de aferição do cumprimento de medidas elencadas nos programas eleitorais não será muito relevante (admite-se que já será face ao compromisso assinado pelo PS, PC, PEV e BE), pelo que nos resta considerar em que medida é que as promessas que vão sendo feitas pública e formalmente pelo Governo são efectivamente cumpridas.

 

Apenas para enumerar algumas: licenciados pré-Bolonha já não vão ser mestres, Infarmed já não vai para o Porto, Estado já não fica com a maioria do capital no SIRESP, a linha da Cascais já não vai ser requalificada, o ISP já não baixa com base no preço do petróleo, os professores já não vão ter a sua progressão de carreira com base em todo o tempo de serviço prestado...

 

Parece, de facto, haver um fio condutor nesta forma de (já não) fazer políticas públicas, muito baseado num voluntarismo eleitoralista, num desejo desenfreado de manter as pessoas satisfeitas do "empurra com a barriga" que "logo se vê".

 

Ora, qualquer medida anunciada publicamente por qualquer membro do Governo cria legítimas expectativas nas populações, serve de motivo para planear novos objectivos das famílias e serve, sobretudo, para aquilatar a credibilidade que merece um Governo.

 

Um Governo que não cumpre o que diz é um Governo do qual nunca saberemos o que esperar.

 

Esta situação não decorre de qualquer questão de carácter – muito menos de honra –, mas sim do planeamento antecipado e da aferição dos custos das medidas. E esta aferição deve ser feita antes do anúncio de qualquer medida, recorrendo, sempre que possível, ao estudo prévio suportado em modelos rigorosos de simulação e avaliação do impacto económico-financeiro das medidas que se pretendem implementar.

 

O Governo, e em particular cada ministério, tem à sua disposição os Gabinetes de Estratégia e Planeamento cuja função, mais do que proceder ao acompanhamento e avaliação da execução das políticas, deveria ser a de prestar o apoio técnico à formulação de políticas para determinação, a montante, do impacto associado a cada medida.

 

 

 

Uma visão de "contabilista" pode, por vezes, parecer míope face a uma prática política feita de grandes opções e estratégias para o futuro. Mas uma perspectiva pragmática de abordagem no momento da tomada de decisão política reduz, substancialmente, o risco de defraudar as expectativas e o ruído criado e credibiliza a imagem dos políticos aos olhos das pessoas.

 

Só depois de se saber quanto custa, qual o benefício e quais as alternativas, se poderá tomar uma decisão segura e firme à luz da salvaguarda do interesse público.

 

Como nas palavras de Bismark, "a política é a arte do possível". Não há que enganar, primeiro que tudo é "fazer as contas".

 

Advogado

 

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