Opinião
Os bancos e a economia - (II)
A crise financeira que atingiu de forma transversal toda a economia não explica a situação actual dada a natureza e a dimensão de alguns dos problemas. A resposta deve ser procurada na actuação da gestão à luz do quadro regulatório e prudencial prevalecente.
1. No artigo anterior referi que antes de avaliar o modo como os nossos bancos estão a exercer as suas funções de intermediação financeira - financiamento da economia e transmissão dos impulsos da política monetária decididos pelo BCE - havia que ter presentes duas situações particulares: o grupo Montepio e o Novo Banco. Instituições que - embora por razões distintas - continuam a debater-se com problemas de grande complexidade.
No caso do grupo Montepio, a análise e a compreensão da situação actual - e, em particular, as suas implicações financeiro/patrimoniais, sociais e mesmo políticas - passa por responder a uma dúvida: o que explica a acumulação, por parte de um grupo de base mutualista e ao longo de quase uma década, de desequilíbrios financeiros que colocam em causa os interesses de muitos milhares de associados/aforradores? Encontrar a resposta é identificar os problemas financeiros, de enquadramento jurídico/regulamentar e mesmo de reorganização que o grupo Montepio defronta. A crise financeira que atingiu de forma transversal toda a economia não explica a situação actual dada a natureza e a dimensão de alguns dos problemas. A resposta deve ser procurada na actuação da gestão à luz do quadro regulatório e prudencial prevalecente.
Ao emitir massivamente produtos de captação de poupança, a Associação Mutualista passou a desenvolver uma "actividade híbrida" que lhe permitiu acumular dívida no seu balanço. Trata-se de instrumentos financeiros com risco - para os aforradores - emitidos com um enquadramento jurídico/regulamentar e estatutário próprio de uma actividade mutualista. Sem restrições aparentes de capital, o balanço global da Associação podia crescer sem limites, enquanto as poupanças dos associados/aforradores respondiam directamente pelo passivo.
Para além disso, durante um longo período a gestão da Caixa Económica foi comum à da Associação Mutualista, apesar da visibilidade crescente dos riscos que decorriam dos conflitos de interesse entre as duas áreas. Quando finalmente foi forçada a separação, já a recomposição dos capitais da Caixa Económica vinha a ser assegurada através da mobilização directa dos recursos provenientes da colocação - junto dos associados/aforradores - de instrumentos chamados "modalidades de poupança", emitidos pela Associação.
Por seu lado, a gestão comum procurou lançar um ambicioso e arriscado movimento de expansão da actividade bancária, "alavancado" pelas poupanças dos associados que iam sendo atraídas por produtos colocados sobretudo através da rede da Caixa Económica. A referida "ambiguidade regulatória" permitiu à gestão desenvolver um potente modelo de "negócio circular", em torno da Associação Mutualista e da Caixa Económica - indiferente à acumulação excessiva de risco estranho à missão central de uma instituição mutualista.
2. Embora tenha sido entretanto aprovado um novo enquadramento jurídico para a actividade da Associação, a verdade é que a "ambiguidade regulamentar" só vai desaparecer no final do período de transição, permanecendo muitos dos factores de risco que referi. Para além disso, é crucial ajustar o "modelo de negócio" do grupo Montepio ao regime jurídico, regulamentar e prudencial que hoje enquadra a actividade financeira. Passar de uma situação em que a gestão era comum - entre a área bancária e a Associação - para outra em que a separação é estendida à própria actividade comercial, significaria - significará (?) - "reconfigurar" todo o grupo e reinventar o seu modelo de negócio, com implicações e custos imprevisíveis mas seguramente de grande complexidade (a continuar).
Economista
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