Opinião
O "legado" de Schäuble - (CV)
No contexto político que emergiu das eleições alemãs, as "soluções" de Schäuble surgem como uma resposta às propostas do Presidente de França e do presidente da Comissão.
1. Como presente de despedida, o ministro alemão da Economia e Finanças deixou aos colegas do Eurogrupo as suas ideias para o futuro da Europa do euro. No essencial, correspondem a aplicar às dívidas soberanas dos países do euro o mesmo princípio que enformou o mecanismo de resolução dos bancos, no contexto da União Bancária. Numa situação de crise de financiamento - como a que nos afectou em 2011 -, uma ajuda por parte do Mecanismo Europeu de apoio teria de passar obrigatoriamente por um processo de reestruturação da dívida soberana que imporia perdas aos investidores. O que no caso grego foi uma decisão pontual de emergência passaria a ser institucionalizado e automático, numa réplica do mecanismo de resolução. No momento da partida, o "grande arquitecto" dos programas de austeridade procura condicionar os que propõem um salto qualitativo do movimento de integração financeira. A compreensão do alcance das propostas de Schäuble passa por ter presente, tanto a situação política alemã, como a realidade actual da Europa do euro. Na verdade, se tirarmos a promessa de Mario Draghi - "whatever it takes"(*) - e as suas injecções maciças de liquidez, o euro permanece vulnerável a novas crises: com uma União Bancária incompleta e desequilibrada; com um Mecanismo de Estabilidade que só intervém se houver unanimidade; com regras fiscais de grande complexidade que impõem políticas procíclicas - de austeridade - mesmo em períodos de recessão profunda. Além da acção perversa de uma poderosa elite de eurocratas que tem vindo a colocar o quadro institucional e regulamentar da União Bancária ao serviço de um processo acelerado de concentração do mercado bancário do euro. A este respeito os planos do BCE para estender aos créditos improdutivos nos balanços dos bancos - cerca de 900 biliões de euros - novas regras sobre colaterais e garantias, se aprovados, não serão mais do que um novo passo neste caminho. Em particular, os bancos sistémicos das economias que - como a nossa - estão a sair de processos de ajustamento e de recessões, seriam obrigados a esforços adicionais de capitalização com nova e inevitável travagem da sua oferta de crédito.
2. No contexto político que emergiu das eleições alemãs, as "soluções" de Schäuble surgem como uma resposta às propostas do Presidente de França e do presidente da Comissão. Juncker defende a transformação do Mecanismo Europeu de Estabilização (MEE) num Fundo Monetário Europeu (FME) e Macron propõe a designação de um ministro das Finanças Europeu (MFE). Enquanto o FME dotaria a Europa com um mecanismo de estabilização macroeconómica, o MFE passaria a centralizar - no quadro do Eurogrupo -, e em articulação com o BCE e FME, a resposta da Europa do euro às situações de crise. Permaneço convencido de que uma recusa alemã a este caminho - crucial à consolidação (à sobrevivência!) do euro - decorre da questão central de que a Alemanha se recusa a enfrentar: o nível excessivo de endividamento das economias mais frágeis. As implicações para nós são potencialmente muito complexas e de risco - o que fica para próximo artigo.
(*) "Whatever it takes": "o que for necessário"
Economista