Opinião
Estará a ser alvo de assédio?
O prolongar da crise tem provocado alterações nas relações laborais, incluindo o incentivo à adopção de alguns comportamentos indesejáveis.
O prolongar da crise e a contínua implementação de cortes e outras medidas restritivas para fazer face ao agravamento da dívida soberana, têm inegavelmente vindo a provocar diversificadas alterações nas relações laborais, incentivando, inclusivamente, a adopção de alguns comportamentos indesejáveis por parte dos diferentes intervenientes.
Neste âmbito e tendo presente que alguns trabalhadores têm vindo a ser alvo de assédio por parte dos respectivos empregadores, nomeadamente, com o intuito de reduzir a força de trabalho mediante a incitação desses trabalhadores a saírem da organização voluntariamente ou em condições menos favoráveis1, torna-se fulcral reflectir sobre tais situações por forma a permitir a sua correcta identificação e prova, bem como tentar evitar-se a sua verificação.
Legalmente considera-se assédio "o comportamento indesejado, nomeadamente o baseado em factor de discriminação, praticado aquando do acesso ao emprego ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objectivo ou o efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afectar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador"2 .
O assédio pode ser moral ou sexual, materializando-se o primeiro em (i) assédio moral discriminatório "em que o comportamento indesejado e com efeitos hostis se baseia em qualquer factor discriminatório que não o sexo (discriminatory harassement)"; e/ou (ii) assédio moral não discriminatório "quando o comportamento indesejado não se baseia em nenhum factor discriminatório, mas pelo seu carácter continuado e insidioso, tem os mesmos efeitos hostis, almejando, em última análise, afastar o trabalhador da empresa (mobbing)"3.
Quanto ao assédio sexual este é legalmente definido como "o comportamento indesejado de carácter sexual, sob forma verbal, não verbal ou física, com o objectivo ou o efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afectar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador"4.
Atender a tais definições é imprescindível, pois em caso de assédio baseado em qualquer factor discriminatório, incumbirá ao empregador provar que a diferença de tratamento não assenta em tal factor. Contrariamente, tratando-se de um assédio não discriminatório é sobre o trabalhador que incumbe o dever de concretamente provar o alegado comportamento de assédio5.
Acresce que para que exista assédio é fundamental a verificação comprovada de uma conduta persecutória e intencional do empregador.
Assim, embora possam existir comportamentos que aparentemente figurem uma situação de assédio, a verdade é que num olhar mais atento e à luz das referidas definições poderá ser forçoso concluir-se pela ausência de qualquer assédio.
A título meramente exemplificativo refira-se que a alteração unilateral pelo empregador da situação profissional de um trabalhador, esvaziando o seu âmbito funcional e atribuindo-lhe funções inerentes a uma categoria profissional inferior à que detinha, sem motivo justificativo é, por si só, insuficiente para se concluir que estamos perante uma situação de mobbing, na medida em que compete ao trabalhador provar as específicas condutas persecutórias que aponta ao seu empregador e respectiva intencionalidade6.
De facto, é necessário casuisticamente traçar a fronteira entre o assédio e um simples conflito laboral antes que seja dado início a qualquer litígio judicial.
1. Júlio Manuel Vieira Gomes explica que o assédio se tem convertido "em meio para contornar as proibições de despedimento sem justa causa, transformando-se num mecanismo mais expedito e económico da empresa para se desembaraçar de trabalhadores" (Cfr. Direito do Trabalho, Volume 1, Relações Individuais de Trabalho, Coimbra Editora, 2007, pág. 431 a 433).
2. Cfr. Artigo 29.º, n.º 1, do Código do Trabalho (Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro.
3. Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 7 de Março de 2013, com o número de processo 236/11.9TTCTB.C2, disponível em www.dgsi.pt.
4. Cfr. Artigo 29.º, n.º 2, do Código do Trabalho (Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro.
5. Cfr. Acórdão do Tribunal do Supremo Tribunal de Justiça, datado 21 de Abril de 2010, com o número de processo 1030/06.4TTPRT.S1, disponível em www.dgsi.pt
6. Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado 13 de Abril de 2011, com o número de processo 71/09.4TTVFX.L1-4, disponível em www.dgsi.pt
2. Para que exista assédio, é fundamental a verificação comprovada de uma conduta persecutória e intencional do empregador;
3. O ónus da prova varia consoante se trate de assédio baseado num factor discriminatório ou não;
4. É necessário distinguir o assédio de um simples conflito laboral.
*Associada da Teixeira de Freitas, Rodrigues e Associados
claudia.torres@tfra.pt
** Sociólogo
rjm.tome@gmail.com