Opinião
Compete 2020: biberão socialista
Pronto, estou descansado: o Estado já nos ofereceu um novo programa operacional para a competitividade e internacionalização do país.
Neste quadro, há quem diga (sem se rir) que será fomentado o empreendedorismo. Não se apercebe da contradição dos termos. Juntar "Estado" e "empreendedorismo" numa mesma frase é bonito. Acrescentar "fomento" é poesia pura.
Os dirigentes das nossas empresas e associações estão com tal ânsia pelos subsídios, desculpem, "estímulos" à exportação que temo pelas consequências que esta arritmia possa trazer ao seu bem-estar. Não haverá, no entanto, grande risco para a saúde pública, pois esta volúpia estará confinada às 20 mil empresas exportadoras, de entre as 350 mil sociedades que existem em Portugal.
Eis o primeiro exemplo do vírus socialista que ataca almas bem-intencionadas: desvia-se dinheiro de todos os contribuintes para beneficiar apenas uma sua ínfima parte.
Adivinho que os restantes 330 mil empresários que trabalham apenas no mercado interno sentirão ser também seu direito serem "estimulados". Afinal não são menos do que os outros! Nesta corrida à "estimulação" importa é que o roubo ao contribuinte não beneficie apenas grupos de interesses específicos, mas que seja sublimado através da roubalheira generalizada. Os socialistas chamam a este processo "mutualização".
Mas na verdade quem defende incentivos à exportação só enxerga o imediato. Claramente visível é o subsídio concedido às empresas e o respectivo aumento de vendas. Menos nítida é a magnanimidade do nosso povo que ajuda o cliente estrangeiro a comprar mais barato. Escondida fica a "vaquinha" que todos os contribuintes fazem para pagar isto. Cada euro de subsídio representa um euro a menos na carteira de potenciais consumidores, portugueses ou estrangeiros.
A miopia ofusca também as distorções introduzidas entre exportadores "estimulados" e não incentivados. O legislador define critérios de selecção de quem ganha e quem perde. A sua omnisciência permite avaliar por antecipação quais as estratégias empresariais de sucesso ou de maior mérito relativo. Pasme-se: consegue ainda definir o que é empreendedorismo "de qualidade" e identificar as oportunidades de negócio que são "dinâmicas".
Todavia, uma acrescida procura internacional não é fonte sustentável de crescimento do país. Não é a procura que determina a oferta. Cresceremos se produzirmos mais. A procura só poderá ser satisfeita se precedida de produção. Esta potencia-se com investimento em bens de capital. A aquisição de maquinaria, ferramentas e equipamentos utilizados na produção de outros bens e serviços depende, por sua vez, da disponibilidade de poupanças diversas.
Ora, os ganhos de produtividade e inovação de que as empresas exportadoras poderiam beneficiar por estarem expostas a maior concorrência e a diferentes mercados são anulados pelos subsídios à exportação que oferecem conforto e convidam a um menor esforço de competitividade. Outro efeito pernicioso para a nossa economia que não é perceptível por quem nos pastoreia.
Entretanto, mesmo antes da atribuição de dinheiros, o programa operacional traz-nos o milagre da multiplicação de especialistas na preparação de candidaturas e elaboração de projectos. Leia-se: festim para "lobbyings", influências e troca de favores.
Curioso é também o Estado decidir apoiar as PME e não as grandes empresas. Deve ser algum complexo freudiano ou sentimento de culpa subconsciente dos nossos burocratas, já que não é inteligente a dimensão das empresas ser critério para atribuição de benesses.
Os gestores procuram tomar decisões com base na racionalidade económica. Não condeno por isso as empresas que se candidatam a subsídios para obter benefícios com menor esforço. O biberão Compete é que não deveria dar leite.
MBA. Especialista em Internacionalização