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01 de Julho de 2014 às 18:57

O feitiço exportador

Mas riqueza não é um jogo de soma nula nem nos alimentamos a notas de 50€, mas sim de produtos reais. Se a riqueza viesse da acumulação de dinheiro, então mais valia banir as importações. Teríamos um superavit comercial fantástico, todavia seríamos absolutamente pobres.

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No século XVIII Adam Smith dizia: "Não há nada mais absurdo do que a doutrina sobre a balança comercial". Hoje, importa reafirma-lo.

 

O registo contabilístico do comércio internacional distorce a percepção que as pessoas têm da poupança e do investimento, valorizando de forma diferente estas variáveis consoante a sua origem geográfica, esquecendo-se que estes agregados resultam do conjunto de decisões de pessoas concretas e não de entidades abstractas.

 

As dinâmicas do comércio internacional entendem-se apenas se analisarmos em simultâneo a balança corrente, a balança de capital e a balança financeira. Então perceber-se-á que os desiquilíbrios da balança corrente não têm nada que ver com o facto de o país ser mais ou menos competitivo e que a solução para um nível de endividamento externo sustentável não virá do valor das exportações ser superior ao das importações.

 

A contrapartida de um défice comercial será alienarmos mais activos ao resto do mundo do que aqueles que adquirimos. Podemos vender ao exterior acções, obrigações, empresas, imóveis e terrenos.

 

Estes activos detidos por estrangeiros permitem financiar mais investimento do que aquele que seria possível apenas através das poupanças domésticas. O défice da balança corrente é pois uma outra forma de dizer que o investimento doméstico excede as poupanças internas.

 

Muitas vezes produz-se e troca-se bens não com a intenção de consumo imediato, mas para aumentar o seu usufruto futuro. Assim, o capital não usado para consumo no período em análise e que "sai" do país para, por exemplo, comprar acções de uma empresa estrangeira é contabilizado a débito na balança de capital, mas esta transacção não é perniciosa. O comércio tem também motivações de investimento e este é em si mesmo uma fonte de procura.

 

Por outro lado, o déficit comercial apenas se converte em dívida externa se e quando os estrangeiros nos emprestam dinheiro que pouparam. Claro que as dívidas terão de ser pagas nos timings e condições definidas. Em algum momento futuro as empresas terão de usar receitas ou capital para pagar o que devem.

 

Mas o endividamento só é problema se for utilizado em actividades não produtivas. A nacionalidade dos credores é irrelevante. Infelizmente a nossa dívida externa deve-se em grande medida ao facto de o Estado pedir lá fora dinheiro emprestado para financiar políticas sem suficiente valor sustentável para a sociedade.

 

Mas independentemente do uso e montante dos fundos emprestados, quanto mais gente estiver disposta a nos conceder crédito, melhor. Isso significa taxas de juro mais baixas e um  menor encargo fiscal para os futuros contribuintes pagarem a dívida externa.

 

A balança corrente resulta fundamentalmente da mobilidade internacional de capital e das diferenças entre investimento e poupanças domésticas, sendo a determinante destas de natureza macroeconómica.

 

Para reduzir o déficit comercial há que empreender medidas que equilibrem a poupança doméstica e o investimento. O Estado deverá diminuir o seu âmbito de actuação e restringir o endividamento. Exportar mais do que importar é irrelevante pois não é o sector privado que absorve sofregamente as nossas poupanças. Precisamos é de ter superavits orçamentais e libertar meios para as empresas e os contribuintes usarem o capital disponível na criação de riqueza através das suas próprias escolhas, de forma autónoma e livre.

 

Mas as ideias mercantilistas imperam entre nós. É dominante a ladainha de que para sermos mais ricos temos de vender mais ao exterior do que comprar, acumulando dinheiro.

 

Mas riqueza não é um jogo de soma nula nem nos alimentamos a notas de 50€, mas sim de produtos reais. Se a riqueza viesse da acumulação de dinheiro, então mais valia banir as importações. Teríamos um superavit comercial fantástico, todavia seríamos absolutamente pobres.

 

MBA. Especialista em Internacionalização

telmo.azevedo.fernandes@gmail.com

 

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