Opinião
O sofisma da reindustrialização
A miopia reinante lamenta a desindustrialização do país e a perda de emprego na indústria. A origem do mal são as importações e a deslocalização da produção para países de mão-de-obra barata.
Em nome do interesse nacional, Governo e Oposição advogam políticas públicas de fomento industrial e estímulo ao consumo patriótico. É popular a cavaqueira em torno de slogans "compre o que é nosso", "Portugal sou eu", "reindustrialização" e quejandos.
Não passam de sofismas!
No passado, também o número de trabalhadores no sector primário era muitíssimo mais elevado. Todavia, temos agora acesso a muito maior variedade de produtos agrícolas e a preços mais baixos. Podemos usufruir de bens e serviços que não existiriam se tantas pessoas estivessem alocadas à agricultura como outrora.
Hoje, igualmente alguns sectores industriais sofrem metamorfoses e reduzem trabalhadores. Mas, por maiores que sejam os dramas pessoais, esse ajustamento não nos deve impedir de beneficiar, enquanto sociedade, de um nível de vida superior. A perda de certos postos de trabalho é um efeito doloroso, mas necessário para maior eficiência, inovação e produtividade. Estas são fontes de crescimento e bem-estar futuro para a generalidade dos portugueses.
Quantos empregos se perderam devido à deslocalização da produção para países de mão-de-obra barata? Poucos. Muito menos do que aqueles que nos querem fazer crer. Os custos mais baixos do trabalho são um incentivo ao investimento, mas estão longe de ser o principal motivo para deslocalizar fábricas. Os investidores procuram talento, competências únicas, acesso a locais de produção próximos dos mercados, leis claras e previsíveis, impostos baixos, boas infra-estruturas. Daí que o grosso do IDE se faça entre países desenvolvidos.
Os produtos "nacionais" já não existem. A fragmentação geográfica das cadeias de produção e o comércio internacional tornaram sem sentido maniqueísmos do "nosso" versus "deles". Para produzir vinho português, por exemplo, utiliza-se maquinaria italiana, técnicos formados em França, produtos químicos holandeses, camiões de transporte alemães, tractores americanos, computadores assemblados na China, "software" irlandês, embalagens suecas, e se calhar os donos das quintas são estrangeiros.
Portugal importa frigoríficos, óculos e máquinas de injecção de plástico. Será que o cidadão comum preferiria mesmo suportar todo o custo de criar ou desenvolver a produção nacional destes bens? Quem o faria? O Estado por decreto? Como defenderíamos o período de aprendizagem da indústria? Com tarifas às importações?
As famílias estariam dispostas a este imposto adicional e a pagar um preço mais elevado para conservarem a comida e corrigirem a visão dos seus filhos? Os fabricantes de produtos plásticos tornar-se-iam mais competitivos se, em vez de pagarem 100 por uma máquina, tivessem de pagar 150 pelo orgulho de ter um equipamento português?
Estamos condenados a viver do turismo e dos serviços? Se isso acontecesse seria pela simples razão de ser mais barato comprar bens manufacturados ao exterior em troca da prestação de serviços ao estrangeiro. Não viria daí mal ao mundo, mas não precisaremos de ficar sem indústria pois, se for uma actividade lucrativa, haverá sempre gente disposta em investir no sector.
O interesse nacional não deve ser o dos fabricantes nacionais nem das empresas, mas sim dos indivíduos, cidadãos, consumidores e contribuintes.
MBA. Especialista em Internacionalização
telmo.azevedo.fernandes@gmail.com
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