Opinião
A herança envenenada de Draghi - (II)
A decisão de avançar para uma União Bancária foi tomada como uma resposta de emergência, num contexto de crise aguda que ameaçava o euro e a plataforma institucional e jurídico/regulamentar que o sustentava.
1. Os bancos e os mercados bancários formam a espinha dorsal dos sistemas financeiros que têm vindo a suportar o desenvolvimento do capitalismo europeu. Entre o final da II Grande Guerra - 1945 - e a crise financeira de 2007/2008, os bancos europeus prosperaram e construíram uma reputação sólida, enquanto financiavam um desenvolvimento económico, social e político sem precedentes. A globalização e a integração dos mercados financeiros - aceleradas pela liberalização dos movimentos de capitais e pelo lançamento do euro - vieram alterar profundamente o funcionamento dos mercados bancários, induzindo ondas de crédito - de dívida - que, por sua vez, estiveram na origem de desequilíbrios insustentáveis.
O modelo de intermediação financeira que durante mais de seis décadas financiou o crescimento das economias europeias transformou-se num dos bloqueamentos centrais com que a Europa do euro se debate. Com balanços enfraquecidos por erros próprios e recessões prolongadas, os bancos têm sido forçados a recuar, a redimensionar as suas operações e a recentrar o seu modelo de negócios, como resposta a múltiplas pressões: um quadro regulamentar e prudencial mais agressivo; uma política monetária que alterou as condições de funcionamento dos mercados financeiros; mudanças tecnológicas com um impacto estrutural crescente sobre segmentos cada vez mais alargados dos mercados financeiros.
2. Esta evolução levanta algumas interrogações, em relação ao caminho que os mercados financeiros do euro estão a percorrer. Qual o papel reservado para os mercados de capitais? Questão que ganha acuidade à luz do Brexit. Estão a ser desenvolvidos instrumentos financeiros - alternativos ao crédito bancário tradicional - capazes de apoiar a inovação e o investimento, cruciais para a modernização e o crescimento do tecido produtivo? Estão a emergir, na zona do euro, sistemas financeiros mais sólidos, com mercados mais resistentes a novos choques sistémicos e a novas crises?
As respostas vão depender de um complexo conjunto de factores: a orientação pós-Draghi da acção do BCE; a evolução da União Bancária; as transformações que as mudanças tecnológicas vão impor na intermediação financeira e, em particular, nos mercados bancários.
É neste contexto que assume uma importância central o futuro da União Bancária, na medida em que este vai condicionar o movimento de reorganização dos mercados financeiros da zona do euro. Na verdade, as questões que estão a bloquear a progressão da União Bancária reflectem as contradições e os conflitos políticos que estão a ameaçar o movimento global de integração da Europa. Para o compreender há que responder a três questões: porque foi lançada a União Bancária e para quê? Porque é que a sua construção permanece por concluir? Por fim, quais as implicações - os riscos - da situação actual, em particular para as economias devedoras mais frágeis?
A decisão de avançar para uma União Bancária foi tomada como uma resposta de emergência, num contexto de crise aguda que ameaçava o euro e a plataforma institucional e jurídico/regulamentar que o sustentava. Não se tratou por isso de um passo reflectido e deliberado com a intenção de mover a União Monetária para um patamar superior de integração financeira. Pelo contrário, foi dado sem que estivesse assegurado um consenso político mínimo sobre um dos elementos centrais de uma União Bancária - a implantação de mecanismos de mutualização e partilha de responsabilidades a nível da União. As implicações - tanto económicas e financeiras, como políticas - são vastas, condicionam a acção do BCE e o próprio futuro da Europa do euro (a continuar outro dia).
Economista