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17 de Junho de 2019 às 18:51

A economia e o euro - (III)

Moscovici não esclarece como é que no quadro comunitário actual os dois objectivos - redução da dívida e aumento do investimento público - podem ser prosseguidos em simultâneo.

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1. Dois responsáveis europeus que exercem funções "chave" no desenho e na execução das políticas económicas da Europa do euro acabam de proferir declarações surpreendentes. Como ambos se aproximam do final dos seus mandatos, estas assumem uma importância acrescida e reflectem o nível de incoerência e de desarticulação a que chegaram as políticas europeias no pós-crise financeira. Ao avaliar a evolução recente da nossa economia, o comissário europeu Pierre Moscovici, depois de elogiar os esforços de consolidação orçamental, deixou - a jeito de testamento - várias recomendações: Portugal, recomendou o Comissário, deve aumentar o investimento público em áreas que vão desde o caminho de ferro e os portos, até à educação e à formação profissional. Como a pressão orçamental deve ser mantida e a dívida pública permanece muito elevada, Moscovici não esclarece como é que no quadro comunitário actual os dois objectivos - redução da dívida e aumento do investimento público - podem ser prosseguidos em simultâneo. A não ser que o Comissário - com ambições políticas conhecidas - tenha escolhido o momento em que se vai embora para deixar uma crítica às opções recentes da nossa política orçamental e sobretudo aos seus riscos a prazo. O que, a ser assim, não deixaria de soar como uma autocrítica tardia ao quadro de políticas em que as economias mais frágeis e alavancadas do euro são forçadas a mover-se.

 

Mario Draghi, por sua vez, veio afirmar - nas vésperas da escolha do seu sucessor - que, se necessário, o BCE permanece pronto para retomar a política de QE (*) - e, surpreendentemente, para reduzir ainda mais as suas taxas de juro de intervenção. Acrescentou ainda - na linha do que tem, sem sucesso, repetido desde a crise - que a eficácia destas medidas dependeria da sua articulação com adequadas políticas orçamentais. Declarações que reflectem uma vez mais a coragem política e o sentido de oportunidade do ainda presidente do BCE. Em poucas palavras, Mario Draghi chama a atenção para os riscos com que a Europa do euro continua a debater-se e para as limitações da Política Monetária, num contexto em que as políticas orçamentais das economias excedentárias - toleradas pela Comissão - teimam em não fazer a sua parte. Ao mesmo tempo que procura balizar a margem de manobra do seu sucessor, ao assegurar aos mercados que o BCE permanecerá fiel ao "whatever it takes" (**) com que, no período mais agudo da crise, estabilizou os mercados e provavelmente salvou o euro.

 

2. É neste quadro europeu que se vão colocar, ao Governo que vier a emergir das eleições legislativas de Outubro, questões de importância central para a economia portuguesa: como reorientar as políticas públicas, de modo a ultrapassar as limitações do actual modelo de crescimento da nossa economia? Em particular, como e onde actuar para melhorar os níveis de produtividade tanto global como sectorial? Até onde pode ir um esforço do investimento público a dirigir áreas estratégicas, como é o caso das referidas por Moscovici e que nalguns casos têm vindo a enfrentar dificuldades crescentes de subfinanciamento? Qual o papel que neste esforço deve caber aos sectores privados, dadas as restrições orçamentais, o nível a que chegou a "punção fiscal" sobre o rendimento e sobretudo o nível de endividamento público? Como criar um ambiente favorável a um movimento de modernização do nosso tecido produtivo e como mobilizar para tal esforço ao instrumentos e os recursos disponíveis? Em particular, qual o papel que deve caber ao grupo financeiro público no lançamento de um programa dirigido à diversificação dos instrumentos e das fontes de financiamento do investimento e da inovação (questões a abordar outro dia).

 

(*) - QE: "Quantitative Easing"

 

(**) - "O que for necessário"

 

Economista

 

Artigo em conformidade com o antigo Acordo Ortográfico

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