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Plano de recuperação: persistir nos erros

Talvez , no nosso caso, não fosse necessário um aparato à francesa, mas era, seguramente, necessária uma forte dose de bom senso, simplicidade e a humildade de ouvir opiniões diferenciadas que pudessem alertar para os erros do passado.

Foi divulgado que, no passado dia 9, o Conselho de Ministros apreciou o plano de recuperação elaborado pelo Prof. António Costa Silva, tarefa para a qual fora nomeado em 2 de Junho, há, portanto, cinco semanas.

Não se pode dizer que o país foi muito exigente em tempo e recursos concedidos para a elaboração do plano. Por confronto: para tarefa idêntica, os franceses nomearam, no fim de Maio, uma comissão composta por 26 especialistas, maioritariamente não franceses – dos quais oito americanos, oito europeus não franceses e três nobelizados – com um prazo de sete meses para concluir a tarefa.

Talvez , no nosso caso, não fosse necessário um aparato à francesa, mas era, seguramente, necessária uma forte dose de bom senso, simplicidade e a humildade de ouvir opiniões diferenciadas que pudessem alertar para os erros do passado.

O que está em causa é imenso e exigia mais ambição e esforço. Por um lado, trata-se de elaborar uma estratégia de aplicação dos fundos comunitários que vamos receber nos próximos sete anos, em quantidade jamais vista desde a adesão à CEE. Por outro, as políticas públicas de aplicação dos anteriores fundos revelaram-se um fracasso pelo insucesso na realização do objectivo primeiro que era a convergência real com os parceiros europeus. Isto exigiria um especial cuidado na elaboração duma estratégia para as políticas públicas, orientada pela preocupação mais importante: não voltar a cair nos mesmos erros cometidos aquando dos anteriores programas comunitários.

Identifico no plano três erros principais, que repetem comportamentos do passado e que, portanto, não têm desculpa nem perdão.

Primeiro erro: o Estado pode e deve, numa primeira fase, intervir em força na economia em épocas de crise, uma vez que é condição de recuperação e que mais à frente, numa segunda fase, logo que os aspectos negativos dessa intervenção se começarem a revelar, far-se-á o movimento inverso de retirada ou reversão. Esta é a falácia típica do keynesianismo que remonta ao próprio Keynes. Não só os estragos da intervenção, na primeira fase, são certos e graves como a segunda fase tem grande probabilidade de nunca ocorrer. Este não é um erro novo. Hayek conta, em depoimento gravado, que em conversa pouco antes da morte de Keynes o alertou – em linha com a sua denúncia em “O caminho da Servidão” – para os malefícios que o intervencionismo em marcha já estava a provocar; Keynes terá tranquilizado o interlocutor e, acompanhando com um firme estalar de dedos, refere que bastaria um gesto seu e em breve se iniciaria o processo de reversão. A história da política económica mostra que só em casos muito excepcionais ocorre aquela reversão. Estamos em presença não só de um erro, mas também de um engano.

Segundo erro: a centralização das decisões e ausência de reformas em vez da flexibilização da economia e simplificação da relação entre o Estado e os privados. O despacho de nomeação do coordenador do plano bem refere, explicitamente, na sua missão “os investimentos e reformas prioritárias” que há que definir. Mas, o privilégio ao investimento público dominou. Por exemplo, no plano há referências ao Fundo Soberano irlandês e ao plano Paulson nos EUA como casos a seguir, sem tomar em conta o contexto de flexibilidade das economias em que aqueles operaram e tiveram sucesso e sem o qual teriam fracassado. A proposta de uma Loja do Cidadão para empresas como interlocutor único para os empresários é outro exemplo da fé no agente centralizador, quando a experiência nacional mostra que o que é necessário é a redução e simplificação da regulação e da burocracia públicas.

É pedir muito que se confronte a experiência vivida no passado e que se tema que com os mesmos erros se obtenham resultados idênticos ou ainda piores?



Terceiro erro: voltar a insistir nos grandes investimentos públicos em infra-estruturas em vez de dar prioridade à formação de centros de acumulação de capital privado, se possível de base nacional. Falta quase total das ideias de risco e de poupança como motores da alocação dos recursos.

Como seria um programa alternativo susceptível de evitar os erros do passado em que agora se reincide? As linhas gerais não poderiam ser muito diferentes do seguinte:

a) Combater as desvantagens da localização geográfica do país, mediante a criação de atractivos excepcionais para o investimento na forma de zonas francas;

b) Recusar escolher sectores e empresas, confiando nas decisões dos empresários que tomam riscos;

c) Alocar os fundos de acordo com empenhamento e risco que os agentes beneficiários aceitem tomar;

d) Assumir que os grandes investimentos públicos em infra-estruturas no contexto de um país atrasado não conduz à convergência, antes a agrava, sobretudo se não forem acompanhados de reformas que flexibilizem, atraiam e dêem rentabilidade ao investimento privado.

Na apreciação atrás expendida está em causa uma divergência ideológica profunda, muito difícil de esbater. A base desta divergência é a possibilidade ou não de uma agente central possuir toda a informação relevante necessária para decidir, centralmente e com racionalidade, sobre a alocação dos fundos. Mas, em nome do progresso do país, é pedir muito que se confronte a experiência vivida no passado e que se tema que com os mesmos erros se obtenham resultados idênticos ou ainda piores? 

Artigo em conformidade com o antigo Acordo Ortográfico

 

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