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André Macedo - Jornalista 19 de Novembro de 2017 às 21:45

Angola: entre a justiça e o legado

Angola é um país unido, não disputado pelas três principais etnias do país. Eu poderia dizer tribalizado, mas não o faço, é uma daquelas palavras que usamos também para diminuir os outros. Nós, na Europa, temos impulsos independentistas com raízes históricas e culturais, eles são apenas tribais. Porquê?

Angola é um país unido, não disputado pelas três principais etnias do país. Eu poderia dizer tribalizado, mas não o faço, é uma daquelas palavras que usamos também para diminuir os outros. Nós, na Europa, temos impulsos independentistas com raízes históricas e culturais, eles são apenas tribais. Porquê? Espanha ou a Bélgica são, neste sentido, igualmente tribalizados, mas reservamos a palavra para os de África. O poder também se exerce assim. Dá-nos jeito no Ocidente para continuarmos a olhar de cima e a tirar por baixo.

 

Acontece que Angola é um país inteiro, com um povo inteiro, com uma capital política incontestada, uma certa organização administrativa, língua própria, o português, que todas as pessoas compreendem, usam e pintam, basta ler os escritores, ouvir as músicas, escutar e ver os programas de televisão, embora não os telejornais, onde o que se ouve é tantas vezes uma cópia de português afetado. O português de Angola é dos angolanos e eles exportam esta riqueza cultural com a confiança do que é genuíno e bom e, por isso mesmo, é aceite como genuíno e bom.

 

Tudo isto é um êxito invulgar para África. Basta olhar para a fronteira de cima, para o Congo (Kinshasa), exemplo cru de um Estado falhado. Ou então para Moçambique, o primo ali ao lado, onde a guerrilha nunca parou e a autoridade pública é rarefeita. Não há viagem de estrada que não implique alguma espécie de perigo. Não há um dia sem que se imponha a desconfiança. Reconciliar não é um verbo fácil em lado nenhum do mundo. Mas Angola é um país, neste sentido, reconciliado depois da independência e da longa guerra civil. José Eduardo dos Santos saiu, finalmente, pelo próprio pé e entrou, pelo voto, João Lourenço: ao lado do Zimbábue, outro desgraçado vizinho, a diferença sobressai e deve ser sublinhada.

 

Também não há vestígio e tendências religiosas extremadas que exercem a violência sobre os outros. Não há islamismo exacerbado. Não é como na Guiné Bissau, onde o governo paga (com o dinheiro de quem...?) viagens a Meca todos os anos a um grupo de contemplados que segue de avião fretado até ao destino marcado. Não há almoços grátis, nem sequer na religião, muito menos na religião, e essa ligação da Guiné, outro Estado falhado, ao fervor religioso islâmico é uma ponte que nos deveria preocupar aqui em Lisboa. Se há porta de entrada para o terrorismo, a nossa está bem identificada. Angola livrou-se e livrou-nos de mais esse problema.

 

E chego a Isabel dos Santos. A má consciência da filha do ex-presidente é evidente e justificada. O discurso de saída da presidência da Sonangol, para onde nunca deveria ter ido, sublinhando êxitos não reconhecidos (ninguém salva uma empresa daquela dimensão em ano meio) e a inauguração da (sua) fábrica de cervejas, na mesma semana, onde disse já ter criado 40 mil empregos em Angola, são a prova da fragilidade da mulher mais rica de África. Não há campanha de relações públicas que a possa salvar. 

 

O ponto agora é outro. Isabel dos Santos tem investimentos pelo mundo inteiro, muitos deles em Portugal, protegidos pela lei portuguesa. E como ela há dezenas (centenas?) de outros angolanos assim, com o dinheiro a salvo, digamos assim, noutras jurisdições, porque o dia haveria de chegar. Como resolver isto sem perseguir, usando a justiça e mantendo a coesão nacional que torna Angola um caso à parte em África... apesar de tudo, apesar da corrupção, apesar da pobreza ainda chocante? Francamente, não sei. Mas sei que será preciso repatriar capitais para evitar a bancarrota e criar alguma prosperidade. Terá de haver uma espécie de perdão fiscal para estes casos, só assim Angola não ficará refém desta herança que tem virtudes e tem defeitos, mas que merece ter uma certa continuidade, embora sem os vícios corruptos do passado. A escolha é dos angolanos. 

Jornalista

Este artigo está em conformidade com o novo acordo ortográfico

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