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Ascensão e queda da Ongoing na PT

Quase 10 depois chega ao fim o projecto de Nuno Vasconcellos como accionista de referência na Portugal Telecom. A Ongoing deixou de ter participação qualificada na operadora de telecomunicações. O desfecho, no entanto, não surpreende ex-administradores.

Pedro Elias/Jornal de Negócios
30 de Janeiro de 2016 às 15:00
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A 6 de Fevereiro de 2006 o mercado foi surpreendido pelo anúncio da Oferta Pública de Aquisição (OPA) da Sonaecom, do grupo Sonae, sobre Portugal Telecom (PT). Na altura, além do Banco Espírito Santo (BES), os maiores accionistas da operadora eram sobretudo fundos de investimento.

A ousadia da empresa de Belmiro de Azevedo apanhou muitos de surpresa e, apesar de algumas opiniões divergentes, no seio do conselho de administração da PT foi claro, desde o início, que a oferta não era bem-vinda. Para travar a OPA era preciso construir uma posição de bloqueio que impedisse a Sonaecom de tomar o controle da empresa. 

Sonaecom lançou a OPA sobre a PT a 6 de Fevereiro de 2006
Sonaecom lançou a OPA sobre a PT a 6 de Fevereiro de 2006 Miguel Baltazar/Negócios

É no meio desta tempestade, que mudou para sempre o rumo da actual dona da Meo, que surge a Ongoing Strategy Investments, uma "holding" liderada por Nuno Vasconcellos que à data era responsável por investimentos da família Rocha dos Santos - da qual é descendente - que chegou a integrar a lista das mais ricas de Portugal. 


Nuno Vasconcellos tinha comprado uma posição de 2% na Espírito Santo Financial Group à revelia de Ricardo Salgado. O então presidente do BES gostava de estar informado de tudo e acabou por aceitar o novo accionista propondo-lhe algo maior. Se Vasconcellos queria entrar no negócio dos media podia comprar uma participação na PT que detinha à época a PT Multimédia dona da TV Cabo. Para o banqueiro era o momento perfeito para começar a construir o bloqueio à OPA. 

Entre Fevereiro e Julho de 2006, Vasconcellos foi criando a sua participação qualificada. E de um dia para outro, a Ongoing tornou-se o sexto maior accionista da operadora nacional que desde 2 de Junho de 2015 passou para as mãos da francesa Altice. O anúncio da compra qualificada pela Ongoing - a 27 de Julho - coincidiu com a saída do empresário Patrick Monteiro de Barros, amigo de infância de Salgado que, até então, tinha assento no conselho de admistração da PT através do seu representante, Henrique Chaves. 

Este foi só o começo, porque o peso da Ongoing na PT nunca mais parou de crescer. Nesse mesmo ano, reforçou para 3,01%. Uma tendência ascendente até 2011, quando passou a ser o segundo maior investidor com 10,05%, a seguir ao BES (10,03%). Ainda em 2006, Vasconcellos ocupou o lugar deixado vago por Chaves na administração. E em 2007, seria a vez do seu sócio Rafael Mora - que conhecera anos antes na Andersen Consulting, a actual Accenture, - chegar ao décimo primeiro andar de Picoas, onde tinham lugar as reuniões do conselho de administração da empresa.

Amigos de longa data

Durante anos, Vasconcellos e Mora, criaram uma poderosa rede de contactos. Rafael Mora sempre foi considerado por muitos como o "estratega" e, de acordo com relatos recolhidos pelo Negócios junto de antigos administradores, era Mora quem tinha uma presença mais proactiva nas reuniões do grupo PT.

Ao colocar-se ao lado de Ricardo Salgado e da administração da empresa no "não" à OPA, a Ongoing passou de anónima para o estrelato. Mas, em muitos casos, nem sempre pelos melhores motivos.

Algumas histórias que saltaram para as primeiras páginas dos jornais tornaram a participação da Ongoing na PT "turbulenta". E vários membros do "board" de pé atrás tendo sido gerada alguma "animosidade", contam os ex-gestores que preferiram não ser identificados.

A aplicação de cerca de 75 milhões de euros dos Fundos de Pensões da PT num fundo de investimento da família Rocha dos Santos, em 2009, foi uma das polémicas. Fernando Soares Carneiro, responsável pelos Fundos de Pensões na operadora, garantiu ter havido ratificação do investimento. Já Jorge Tomé, que representava a CGD na operadora, desmentia a informação, em entrevista ao Negócios nesse ano. Soares Carneiro viria a renunciar ao cargo de administrador executivo da PT em 2010.

Ligações antigas

Apesar da Ongoing ter entrado no capital da PT em 2006, a ligação de Nuno Vasconcellos e Rafael Mora com a PT era mais antiga. Do tempo em que Mora já era "partner" da Heidrick & Struggles (H&S), consultora que fundou, e que tinha como cliente a operadora.

A consultora manteve as ligações com a PT mesmo depois da Ongoing passar a integrar a estrutura accionista. As supostas relações com partes relacionadas também forma alvo de uma chuva de críticas.

Em 2008, foi noticiado que a factura da PT para a H&S foi de dois milhões de euros, enquanto no ano anterior tinha sido de 3,6 milhões de euros.

cotacaoO sucesso sempre incomoda, em especial aqueles que não são bem-sucedidos. Rafael Mora

"O sucesso sempre incomoda, em especial aqueles que não são bem-sucedidos", afirmou Rafael Mora ao Negócios, em Maio de 2006, no seguimento das críticas feitas à H&S.

Já Vasconcellos foi mais longe, tendo afirmado, numa mensagem aos seus funcionários, que havia da parte de alguns media uma "obsessão doentia" em relação à Ongoing, fruto de um "espírito de inveja dos que não conseguem admitir que possam existir grupos de media inovadores e verdadeiramente independentes no seu posicionamento no mercado e altamente competitivo em termos de oferta de produto".

O sector dos media foi uma das apostas fortes da Ongoing, tendo comprado em 2008 o Diário Económico e outros título no Brasil. Nuno Vasconcellos também tentou aumentar o seu peso e poder na Impresa, dona da SIC. Mas Francisco Pinto Balsemão foi o vencedor deste braço-de-ferro, com a saída da Ongoing da estrutura accionista do grupo no início de 2014.

Mais de 370 milhões em dividendos

Além dos montantes das prestações de serviços à PT através de empresas como a H&S, a Ongoing também beneficiou, como os restantes accionistas, de dividendos generosos.

Em nove anos encaixou mais de 370 milhões de euros, um montante que mesmo assim não foi suficiente para salvar o grupo da complicada situação financeira.

                                                                         

Só entre 2010 e 2011, recebeu mais de 100 milhões de euros devido aos dividendos extraordinários distribuídos pela operadora liderada na altura por Zeinal Bava, e que tinha como "chairman" Henrique Granadeiro, no seguimento da venda da posição na Vivo à Telefónica, por 7,5 mil milhões de euros. E em simultâneo adquiriu 22,4% do capital da Oi, por 3,7 mil milhões de euros.

Durante anos a PT foi a galinha dos ovos de ouro dos accionistas, com a distribuição dos dividendos. E para a Ongoing não foi excepção. No entanto, devido à aposta do grupo em alargar os horizontes dos seus investimentos, o total dos valores recebidos foi praticamente todo direccionado para pagar aos bancos juros e amortizar a dívida, nomeadamente no BES (agora Novo Banco), BCP, oCrédit Suisse e a CGD.

Em troca, como garantia dos empréstimos, a Ongoing dava os títulos da PT. O que viria a ser o princípio do fim da história do grupo de Vasconcellos na operadora.

Em 2008 crise nos mercados de capitais. Em 2011 Portugal recebe a troika. Em 2014 há queda do BES. O casamento da PT com a Oi não é consumado como inicialmente estava previsto. Uma cronologia que acabou por ter fortes ondes de choque para a Ongoing, ditando a derrocada do grupo.

Eventos que também levaram ao buraco de 897 milhões de euros na PT, no âmbito do incumprimento da Rioforte, empresa do universo Espírito Santo, obrigando a PT a diminuir a sua participação na combinação de negócios com a Oi.

E o fim da história já é conhecido: a Oi vende a dona do Meo ao grupo francês Altice e a holding PT SGPS (agora Pharol) fica com a dívida e, claro, deixa de distribuir dividendos.

Entretanto, no ano passado, Rafael Mora sai da Ongoing, mantendo um assento no "board" da actual Pharol, como independente.

Durante anos, Vasconcellos e Mora criaram uma poderosa rede de contactos.
Durante anos, Vasconcellos e Mora criaram uma poderosa rede de contactos.

O sonho que caiu por terra

No seguimento destes acontecimentos, e com os negócios no Brasil também a não correrem de feição, os bancos não demoram muito mais tempo a ir bater à porta do grupo de Nuno Vasconcellos para recolher as dívidas.

No que tocas às acções da PT, o primeiro caso a ser comunicado à CMVM foi o do BCP. No âmbito desta penhora, a Ongoing passou a deter 3,46% da Pharol.

Com este reforço, o BCP passou a ter uma participação de 6,2% na sociedade gestora de participações sociais, cujo único activo que tem é a fatia na Oi. O banco pode ainda nomear um representante (André Navarro), o que levou à saída de Vasconcellos do conselho de administração da Pharol, tendo permanecido apenas como suplente no novo "board" da operadora brasileira.

Esta semana, na terça-feira, 26 de Janeiro foi noticiado que a Ongoing deixou de ter uma participação qualificada na Pharol, acabando assim com quase dez anos de história dentro do universo PT.

cotacao Desde 2006, quando entrámos no capital da PT, disse que esta é uma participação estratégica para o Grupo Ongoing e que estamos na empresa para sermos accionistas de referência.Nuno Vasconcellos

Um desfecho que "infelizmente" não "surpreende", segundo os antigos administradores, dado os planos ambiciosos do grupo , mas também a polémica queda do BES que, por arrasto, teve impacto na PT.

"Desde 2006, quando entrámos no capital da PT, disse que esta é uma participação estratégica para o Grupo Ongoing e que estamos na empresa para sermos accionistas de referência. O reforço da nossa participação é o reforço da estabilidade accionista da maior operadora de telecomunicações com operações no mercado de língua portuguesa", disse em Junho 2011 Nuno Vasconcellos ao Diário Económico.

Pouco mais de quatro anos e meio depois, este desejo chega ao fim.

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