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As t-shirts foram um fiasco. Vestiram a camisola do Negócios

José Diogo Madeira e Tiago Cortez contam como fundaram o "Jornal de Negócios". Uma história que mete ‘t-shirts’, uma garrafa de vinho do Porto e uma viagem aos EUA.

Miguel Baltazar/Negócios
27 de Junho de 2013 às 09:00
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Uma escolha unânime. Empada de pato para os três. O almoço, no restaurante "Frade dos Mares", foi o cenário para uma conversa com José Diogo Madeira e Tiago Cortez, fundadores do "Jornal de Negócios". A meio da refeição, Tiago recebe um telefonema: "É a minha mãe, que está lá fora, para me entregar as t-shirts", informa. A estranheza instala-se. O que é que umas t-shirts têm a ver com o nascimento do Negócios? A pergunta, legítima, tem um resposta fácil. Corria o ano de 1996 quando José Diogo Madeira, Tiago Cortez e o actual director do Negócios, Pedro Santos Guerreiro, criaram a empresa Laguna – Comercialização de Têxteis Lda. Contrataram um criativo para conceber duas frases giras e lançaram-se na venda de t-shirts por correspondência. Mandaram produzir 500 das quais só conseguiram vender 200.

A inspiração para a entrada na indústria têxtil nasceu-lhes após uma visita à Newport Harbor. Foram recebidos na sede, situada em plena Quinta Avenida, Nova Iorque, pelo presidente da empresa. Explicaram ao que iam – queriam ser importadores da marca para Portugal – e tiveram um atendimento frio até revelarem a nacionalidade. Aí, o ambiente desanuviou-se e o líder da empresa, Bill Cassano, revelou-lhes que a Newport Harbor havia sido criada e ainda pertencia a uma família de emigrantes açorianos. E o gelo quebrou-se definitivamente quando José e Tiago lhe ofereceram uma garrafa de vinho do Porto. "Deslumbrou-se", recordam. Mas depois avisou que a Newport Harbor só produzia gabardines, pelo que tinham de se assegurar se chovia o suficiente para Portugal para rentabilizarem o negócio. Chegaram à conclusão que não e viraram-se para as "t-shirts", cujas vendas ficaram bastante aquém das expectativas. As frases estampadas nos dois modelos de camisolas também contribuíram para o insucesso. Uma delas, mais malandra, aconselhava: "Não corras riscos, corre ‘zzziiips’". A outra, apostava numa mensagem ecológica: "‘Psssst, psssst, este planeta merece menos aerossóis e mais atenção que o teu sovaco". As vendas, ou melhor, a falta delas, fez o resto.

Escolher ao contrário de Jardim Gonçalves

 
Primeiro tentaram obter um financiamento junto do BCP para lançar o "Jornal de Negócios". Levaram com um não. Depois bateram à porta de Diogo Vaz Guedes e conseguiram 30 mil contos. "Nunca chateou, mas esteve presente", lembram José Diogo Madeira e Tiago Cortez.

Fracassada a entrada no mundo do têxtil ficou a Laguna que passou a ser a ‘holding’ a partir da qual nasceu o "Jornal de Negócios". A escolha do nome Laguna também teve a ver com essa viagem aos Estados Unidos, durante a qual visitaram Laguna Beach, uma cidade costeira situada no Estado da Califórnia.

 

Estava-se em 1997 e José Diogo Madeira e Tiago Cortez, então com 26 e 23 anos, respectivamente, perceberam que o "Semanário", onde trabalhavam, estava a afundar-se. Os dois, já tinham abandonado a editoria da economia e encontravam-se a gerir um conjunto de revista do grupo liderado por Rui Teixeira Santos. Entre elas, a "PlayNet", uma revista inglesa, que em Portugal era publicada maioritariamente com conteúdos traduzidos.

"Esta revista abriu-nos os olhos para o mercado da Internet", recorda José Diogo Madeira. Este despertar fez surgir a ideia de criar um canal de informação financeira e económica até porque se vivia uma época de "fortíssimo capitalismo popular". Foi neste período que teve lugar a primeira grande privatização, a da EDP, a qual transformou 800 mil portugueses em accionistas. E foi a pensar neles que nasceu o projecto.

Fizeram as contas e chegaram à conclusão que para lançar o site e o jornal, precisariam de 40 mil contos. José Diogo e Tiago, juntamente com Salvador da Cunha – actualmente dono da agência de comunicação Lift – juntaram 10 mil contos (50 mil euros) e foram à procura dos restantes 30 mil contos (150 mil euros).

 

A primeira pessoa a quem se dirigiram para pedir financiamento foi Jardim Gonçalves, à data presidente do BCP. "Ele respondeu que tinha muita consideração por nós, mas não decidia créditos", recorda Tiago Cortez. Jardim Gonçalves remeteu-os para um director daquela área e, no momento da despedida, José Diogo e Tiago perguntaram-lhe que título preferia: "Jornal de Finanças" ou "Jornal de Negócios". O banqueiro escolheu "Jornal de Finanças" e eles, já no elevador, decidiram que iria chamar "Jornal de Negócios", porque queriam uma publicação menos institucional, um segmento que Jardim Gonçalves representava.

 

A conversa posterior com o director de créditos do BCP, Almeida Pereira, foi um balde de água fria. "O projecto é interessante, mas vocês são muito jovens" foi o argumento polido, invocado por aquele responsável, para lhe dar uma nega.

O director que vaticinou seis meses de vida

José Diogo e Tiago procuraram alternativas e decidiram telefonar a Diogo Vaz Guedes, à data presidente da Somague. "Apresentámos a proposta e ele achou a ideia espectacular", mas refreou os ânimos ao avisar que a família tinha de dar o seu aval ao investimento. Em Julho tiveram uma reunião com João Vaz Guedes, tio de Diogo Vaz Guedes e líder da ‘holding’ familiar SOFIP. "Perguntou-nos se era para perder dinheiro, nós dissemos que não, e ele passou um cheque de 30 mil contos", relata José Diogo Madeira.

Depois foi uma correria. Montaram escritório no número 40 da Calçada Marquês de Abrantes, a 23 de Novembro de 1997 o site estava a funcionar e a 8 de Janeiro do ano seguinte o primeiro número do "Jornal de Negócios", então semanário, chegava às bancas. Tiago Cortez evoca assim esses tempos. "Foram anos espectaculares e as coisas sempre nos correram bem. Desde o início que nos assumimos como uma agência de informação financeira e económica. Tudo era possível".

 

Dois exemplos. Lançaram ferramentas e-learning como um curso de bolsa e estrearam-se na televisão com comentários de bolsa na CNL (Canal de Notícias de Lisboa), a primeira estação de televisão regional, nascido em Setembro de 1999. Para manterem o site actualizado telefonavam de hora a hora para os corretores para que lhes dessem as cotações, até que contrataram a Bloomberg para lhes fornecer esse serviço.

 

O jornal chegou a vender 10 mil exemplares em banca e o projecto contrariou o vaticínio feito então, segundo Tiago, por um director de uma importante agência de publicidade. "Disse-nos que não acreditava que dali a seis meses o jornal ainda existisse".

Em 2000, a Cofina fez um movimento de aproximação e no final desse ano comprou a posição de Diogo Vaz Guedes na Laguna. O empresário, elogiado por José Diogo e Tiago - "nunca chateou, mas esteve sempre presente" – acabou por ter um lucro de 110 mil contos (550 mil euros) com a transacção. Mais tarde, os dois também venderam as suas participações à Cofina, liderada por Paulo Fernandes, que apostou na passagem do "Jornal de Negócios" a diário em 2003.

Percorrido este caminho, José Diogo Madeira e Tiago Cortez fazem um balanço positivo desses tempos de empreendedorismo, em que "ainda não existia a categoria de empreendedor", como sublinha o primeiro. "O jornal ganhou um espaço e prestígio próprio. Tenho orgulho em ter contribuído para isso. Saímos todos bem do filme", avalia José Diogo. Tiago segue a mesma linha de raciocínio. "É um orgulho dizer que fomos fundadores de um jornal de altíssima qualidade. As pessoas sempre nos acharam piada. Éramos novos, mas éramos sérios".

 

E no fim lá foram, para o número 40 da Calçada Marquês de Abrantes, onde se deixaram fotografar à janela do rés-do-chão com as ‘t-shirts’ da Laguna vestidas. Afinal, um negócio fracassado, é muitas vezes o pontapé de saída para criar um bom. "Saímos todos bem do filme", resume José Diogo Madeira.

 

José Diogo Madeira tem agora 42 anos e lidera a Ezimut, uma empresa que produz guias turísticos para internet e mobile.

Tiago Cortez é actualmente director coordenador de publicidade do Expresso Emprego e Imobiliário. Tem 40 anos.

 

O momento

Em 1997, no "Semanário", descobriram a revista "PlayNet", que lhes abriu os olhos para o mercado da Internet.

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