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Por que quer o Governo mexer nos contratos de gás da Galp?

Após ter estimado que a Galp lucrou cerca de 500 milhões de euros desde 2006 com o "trading" de gás natural, sem que os consumidores portugueses tenham tido quaisquer benefícios na sua factura, o Governo pretende obrigar a Galp a partilhar esses ganhos, por via de uma redução da factura de gás, mas o modo como o vai fazer permanece ainda uma incógnita.

Bruno Simão/Negócios
28 de Abril de 2014 às 14:08
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O ministro do Ambiente e da Energia, Jorge Moreira da Silva, anunciou este domingo, 27 de Abril, a intenção do Governo de reduzir em 5% a factura dos consumidores portugueses de gás natural, por via de um “reequilíbrio da concessão”. O Executivo estima que desde 2006 a Galp ganhou cerca de 500 milhões de euros nas suas actividades de “trading”, que não foram partilhados com os consumidores.

 

Porque é que o Governo decidiu intervir nos ganhos da Galp?

Após dois pacotes de medidas para cortar rendas na energia (em Maio de 2012 e Outubro de 2013), focados sobretudo nos custos da electricidade, a troika permaneceu insatisfeita com o nível dos preços da energia em Portugal, enquanto factor redutor da competitividade das empresas portuguesas. O Executivo tinha-se comprometido a apresentar à troika medidas que pudessem efectivamente fazer baixar o custo da energia em Portugal. Os encargos com o gás natural não tinham ainda sido alvo de medidas por parte do Governo, o que poderá justificar agora o interesse em negociar com a Galp alterações contratuais que permitam baixar a factura dos consumidores portugueses.

 

A Galp já tinha sido visada nas medidas de cortes nas rendas da energia?

A maior fatia das poupanças visadas pelas medidas do Governo para as rendas da energia veio do sector eléctrico, onde a posição da Galp Energia é residual. Mas em Outubro de 2013 o Executivo anunciou a implementação da contribuição extraordinária sobre o sector energético e essa sim, implicará à Galp o pagamento de 35 milhões de euros em 2014 (devendo a contribuição repetir-se em 2015, segundo a ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque).

 

Como é que a Galp acumulou ganhos no “trading” de gás natural?

O argumento dado pelo ministro Jorge Moreira da Silva para defender uma negociação com a Galp é o de que a petrolífera portuguesa tem vindo, desde 2006, a conseguir ganhos relevantes na sua actividade de “trading” de gás natural, ganhos esses que não geraram quaisquer benefícios para os consumidores portugueses. O Governo estima que a Galp tenha acumulado lucros de cerca de 500 milhões de euros ao vender nos mercados internacionais volumes de gás que tinha em “stock”, por não precisar de utilizar todo o gás relativo aos contratos de longo prazo firmados com a Argélia e a Nigéria, dado o consumo em Portugal ter caído nos últimos anos.

 

Quais as condições dos contratos de longo prazo de importação de gás?

A Galp tem quatro contratos vigentes, firmados no âmbito da construção do mercado nacional de gás, iniciado na década de 1990, e tendo então a Galp como incumbente. Para garantir as necessidades da rede de gás construída em Portugal, a Galp firmou em 1997 um contrato a 23 anos (termina em 2020) com a Sonatrach, para trazer gás natural da Argélia para Portugal por gasoduto. Em 2000, 2003 e 2006 a Galp assinou outros três contratos com a nigeriana NLNG, com a duração de 20 anos cada um, para receber gás natural liquefeito por via marítima no terminal de Sines. Os quatro contratos prevêem a aquisição de cerca de 6 mil milhões de metros cúbicos (6 BCM) por ano. Os contratos têm uma margem de flexibilidade para cada ano face ao valor mínimo previsto, mas incluem uma cláusula de “take or pay”, que obriga a Galp a comprar as quantidades acordadas independentemente de ter consumo para satisfazer ou não. Os contratos poderão ser renegociados durante o seu período de vigência, mas apenas dentro das regras previamente definidas. 

 

Porque é que é a Galp que tem estes contratos?

Na reestruturação do mercado português de gás natural, o Decreto-Lei 30/2006, de 15 de Fevereiro de 2006, veio estipular que “a actividade de distribuição é juridicamente separada da actividade de transporte”, o que veio a suscitar a venda de activos regulados de gás à REN. A Galp permaneceu com a distribuição e a comercialização de último recurso, tendo o transporte em alta pressão passado para a REN. Posteriormente, o Decreto-Lei 140/2006, de 26 de Julho, veio estabelecer a modificação do contrato de concessão da Transgás (empresa que permaneceu no universo Galp), com a salvaguarda de que os contratos de longo prazo já firmados não seriam mexidos: “Mantêm-se na titularidade da Transgás os contratos de aprovisionamento de gás natural de longo prazo e em regime de “take or pay””, refere o mesmo diploma.

 

Qual a dimensão do fenómeno do “trading” de gás para a Galp?

Em 2005, antes de ser obrigada a vender à REN um conjunto de activos regulados de gás natural (na operação de “unbundling” feita para separar as actividades de transporte de gás das de distribuição e comercialização), a Galp havia vendido 119 milhões de metros cúbicos em “trading”, menos de 3% das suas vendas totais de gás. Em 2013 a Galp comercializou no “trading” 3.034 milhões de metros cúbicos (3 BCM), mais de 42% das suas vendas totais de gás natural. Este fenómeno de “trading” explodiu em 2012, ano em que a Galp firmou três contratos de venda de gás natural liquefeito (GNL), por três anos, para o Extremo Oriente, cuja procura de gás se acentuou depois do desastre da central nuclear de Fukushima.

 

Como é que o Governo irá conseguir captar poupanças para os consumidores?

Esta é ainda uma questão em aberto. O ministro Jorge Moreira da Silva indicou que o objectivo é alcançar um “reequilíbrio” com a Galp, para permitir baixar a factura do gás natural, tanto de domésticos como de industriais, em 5%. Mas o governante não explicitou como é que o Governo o vai fazer.

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