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Restrições do BCE ao Banif foram propostas pelo Banco de Portugal

Carlos Costa afirmou, no inquérito parlamentar, que o regulador nacional tem pouco poder sobre as instituições financeiras. Há documentos que mostram que também o Banco de Portugal teve um papel numa decisão que afectou o Banif.

Miguel Baltazar/Negócios
14 de Abril de 2016 às 14:08
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O conselho de governadores do Banco Central Europeu decidiu, a 16 de Dezembro de 2015, aplicar várias medidas que colocaram o Banif numa situação de emergência: ou era vendido ou alvo de uma medida de resolução (ou os dois juntos) até dia 20, caso contrário teria dificuldades em ter acesso a liquidez (podendo não pagar a clientes que quisessem levantar depósitos). Segundo as minutas dessa reunião, foi o Banco de Portugal que fez as propostas para algumas dessas medidas.

 

"O conselho de governadores aprovou a proposta submetida pelo Banco de Portugal para limitar o acesso do Banif a operações reversíveis de cedência de liquidez do Eurosistema por razões de prudência", assinala a minuta da 417ª reunião do conselho de governadores do BCE, a que o Negócios teve acesso. Segundo a decisão, o nível de acesso à liquidez do BCE ao Banif era o que estava definido a 15 de Dezembro - ou seja, havia um congelamento. 

 

Este é um dos documentos que chegou à comissão de inquérito ao Banif pelas mãos do Banco de Portugal. E foi entregue com vários parágrafos cobertos por faixas pretas (o inquérito já pediu novamente os documentos sem partes truncadas). São poucas as partes descobertas mas uma delas dá a entender que o Banco de Portugal é que fez a proposta para restringir o financiamento do Banif.

 

O governador Carlos Costa é quem participa nestas reuniões em nome do Banco de Portugal. Só que os representantes do Banco de Portugal disseram aos deputados do inquérito parlamentar que foi a pressão do BCE que levou à suspensão do estatuto de contraparte ao Banif.

 

A minuta refere também que uma das "medidas discricionárias" a aplicar sobre o Banif é que o Banco de Portugal irá restringir o acesso do banco a operações intra-diárias. Contudo, não se sabe a data em que a medida seria efectiva, porque está truncada.

 

Sabe-se, sim, que o Banco de Portugal teria de assegurar a implementação de várias medidas definidas pelos governadores dos bancos centrais da Zona Euro e "submeter ao BCE, sem demoras, qualquer informação que possa justificar a reavaliação do estatuto de contraparte do Banif pelo conselho de governadores".

 

"O conselho de governadores decidiu que, no caso de a venda do Banif não ser bem-sucedida e o banco não ser colocado em resolução até ao final do fim-de-semana (18 a 20 de Dezembo de 2015), será suspenso o acesso do Banif a operações reversíveis de cedência de liquidez por razões de prudência na segunda-feira, 21 de Dezembro de 2015, o que implica o reembolso das operações de crédito do Banif junto do Eurosistema no mesmo dia", aponta ainda o documento.

 

Segundo João Almeida, do CDS, foi o vice-governador do BCE, Vítor Constâncio, que presidiu a esta reunião (um facto que Carlos Costa se recusou a confirmar na comissão de inquérito). O antigo governador do Banco de Portugal não esclareceu o tema.

Vítor Constâncio é vice-presidente do Banco Central Europeu desde 2010.
Vítor Constâncio é vice-presidente do Banco Central Europeu desde 2010.

O que diz a regulamentação do BCE

 

Segundo a orientação do BCE, de 19 de Dezembro de 2014, "relativa ao enquadramento para a implementação da política monetária do Eurosistema", tanto o banco central nacional como o BCE poderão ter uma palavra a dizer nestes casos.

 

No artigo relativo às medidas discricionárias (as mesmas que foram tomadas pelo conselho de governadores em relação ao Banif), é indicado que o Eurosistema pode "com base em considerações de natureza prudencial, tomar qualquer uma das seguintes medidas: ‘suspender, limitar ou excluir o acesso de uma contraparte às operações de mercado aberto ou às facilidades permanentes do Eurosistema, nos termos dos actos contratuais ou regulamentares a aplicar pelo Banco Central Nacional em causa ou pelo BCE’".

 

O Negócios contactou o Banco de Portugal, para tentar perceber porque motivo foi o regulador nacional a submeter a proposta de limitar o acesso a operações junto do Eurosistema mas ainda não obteve resposta.


Carlos Costa critica esvaziamento de poderes do Banco de Portugal

 

Na audição da semana passada, Carlos Costa afirmou, em relação à reunião de 16 de Dezembro, que "o conselho de governadores do BCE decidiu suspender o estatuto de contraparte política monetária do Banif a partir do dia 21 de Dezembro, no caso de o banco não ter sido entretanto vendido ou não terá entrado em resolução". Na audição do seu antigo colega na administração do Banco de Portugal, António Varela havia dito que o governador estava contra a suspensão do estatuto de contraparte.

 

Ao mesmo tempo que havia esta reunião, um outro encontro de outro órgão do BCE, o conselho único de supervisão (onde participava António Varela), levantou dúvidas quanto à criação de um banco de transição para o Banif, ou seja, teria de haver uma venda da actividade a um grupo bancário e a criação de um veículo para gerir os activos que não fossem adquiridos. Aliado à pressão da Direcção-Geral da Concorrência da Comissão Europeia, o Banif acabou por ser colocado numa situação de emergência. 

 

Segundo Carlos Costa, no actual quadro institucional europeu, "existe uma assimetria entre quem tem o poder de decisão sobre a instituição bancária e quem tem a responsabilidade pela estabilidade financeira". "O Banco de Portugal tem a responsabilidade pela estabilidade financeira mas não tem o poder de decisão sobre a instituição financeira". "Há uma multiplicidade de entidades a definir e a executar políticas com impacto material – Mecanismo Único de Supervisão, Mecanismo Único de Resolução e Comissão Europeia – [cuja actuação] não é adequadamente coordenada nem consistente entre si", frisou ainda o governador.

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