O Partido Comunista Português quer pôr especialistas em direito fiscal e em direito financeiro a olhar para as contas do Grupo Espírito Santo e a descobrir onde está o dinheiro cujo paradeiro está, actualmente, "perdido". Os comunistas querem que esse trabalho seja feito por uma unidade técnica, constituída para além da comissão parlamentar de inquérito que está actualmente a funcionar.

"Que se proceda ao apuramento dos beneficiários finais de todos os fluxos financeiros que originaram o passivo da Espírito Santo Internacional S.A. desde a sua fundação até ao resultado final de 6,3 mil milhões de euros". Este é um dos objectivos no projecto de resolução apresentado esta quarta-feira, 18 de Fevereiro, pelo deputado Miguel Tiago em nome de toda a bancada do PCP.

A ESI era a empresa de topo do Grupo Espírito Santo onde foi detectado um passivo escondido de 1,3 mil milhões de euros, na sequência de um exercício determinado pelo Banco de Portugal. Mas a unidade técnica a ser constituída, se for aprovada pelos restantes partidos, teria como função a de descobrir os beneficiários últimos do "crédito vencido atribuído pelo BES, pelo BESA e outras filiais". O BESA, por exemplo, emprestou 5,7 mil milhões de dólares em créditos que foram considerados problemáticos por não se conhecer a quem foram efectivamente dirigidos (há um anexo à garantia estatal angolana ao BESA que tem o nome das empresas beneficiárias - que em Portugal pouca gente terá - mas não o nome de quem está por trás delas).

Também há empresas com histórias misteriosas que as personalidades ouvidas na comissão de inquérito não têm desvendado. É o caso da Escom: a empresa acumulou perdas ao longo dos anos, o que a sua administração atribuiu a vários infortúnios - como as focas que comiam os peixes da operação pescatória sempre que estes estavam "prontos". Também há uma sua derivada, a Legacy, que ficou com activos considerados problemáticos, e que foi vendida por 3 euros a uma sociedade angolana Vaningo, cujo beneficiário se desconhece. Mas os juros de um empréstimo ao BES continuaram a ser pagos pelo Grupo Espírito Santo mesmo após a venda. O que levantou dúvidas aos deputados sobre o beneficiário. Até porque esta empresa passou a ser, depois, devedora do BESA – e sabe-se é que esta empresa estava protegida pela garantia angolana ao BESA. Daí que tenha surgido a ideia, entre a comissão de inquérito, que o Grupo Espírito Santo usou a garantia de Angola para esconder buracos que tinha no Banco Espírito Santo.

Mas é precisamente esse tipo de conclusões que a comissão de inquérito, constituída apenas por deputados, não tem conseguido fazer – até porque não consegue ir contra o sigilo bancário angolano. Na proposta do PCP, há uma especificidade sobre este tema: "Que a unidade técnica, respeitando os deveres de sigilo legalmente estabelecidos, seja mandatada pelas autoridades competentes para que lhe seja conferido o acesso às informações necessárias junto de cada entidade bancária ou jurisdição estrangeira considerada relevante, exclusivamente no âmbito dos seus objectivos".

A unidade técnica, segundo a proposta apresentada pelo deputado comunista Miguel Tiago, iria funcionar junto do fundo de resolução da banca (o mesmo que é accionista único do Novo Banco, herdeiro do BES), sendo que iria reportar a essa entidade mas também ao Governo e à Assembleia da República. A intenção é a de que, "no prazo máximo de dois anos após a sua constituição", seja apresentado um relatório final.

O recurso a unidades técnicas não é novo. Existe uma unidade técnica de acompanhamento das parcerias público-privadas (UTAP), tema que também já foi alvo de um inquérito parlamentar, e outra de apoio orçamental (UTAO).