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São Matias mete vinhos do Dão no copo dos importadores
O projecto familiar lançado por António Montenegro fez da fraca notoriedade da região a "oportunidade" de vender vinho em seis países. Os incêndios destruíram vinha e olival, mas não apagam a ambição do ex-gestor da Sogevinus.
Quando há quase três anos lançou o projecto Casa de São Matias, António Montenegro sabia que podia beneficiar da experiência comercial acumulada durante anos na Sogevinus, proprietária de marcas como Porto Calém ou Burmester, e até arrancou com uma distribuição de amplitude pouco habitual numa nova empresa. A maior barreira, recua agora o empresário, foi comprovar que "trabalhar no Dão é mais difícil do que no Douro ou no Alentejo".
"O Dão teve muito sucesso até à década de 1980, quando era considerada a região de excelência para os vinhos tranquilos, mas nos últimos anos caiu em desuso, infelizmente. Os vinhos são óptimos, mas basta ir a uma garrafeira ou a um supermercado e ver que têm um espaço muitíssimo mais pequeno" face às regiões concorrentes, constata o sócio-gerente deste projecto criado em 2015, que adoptou o nome da casa histórica da família na freguesia de Tourais, no concelho de Seia.
Ao Negócios, António Montenegro contrapõe, porém, que esse défice de notoriedade acabou ao mesmo tempo por ser uma "oportunidade", já que nenhum dos importadores com quem trabalha em seis países tinha vinhos do Dão no portefólio, apesar de lá constarem outros produtos portugueses. O gestor sustenta que a região está a ressurgir com o aparecimento de alguns pequenos e médios produtores e as boas notas da crítica, que voltou a valorizar as castas típicas, como o Encruzado nos brancos ou a afamada Touriga Nacional nos tintos, que ali teve a sua génese.
Em 2017, a empresa facturou 370 mil euros, "em linha com o esperado" na altura em que o gestor voltou ao mercado dos vinhos, dois anos depois de abandonar a Sogevinus no âmbito de um processo de reestruturação que envolveu dezenas de despedimentos e a renegociação da dívida. A quota de exportação ronda os 20%, uma percentagem "ainda curta", até porque nos Estados Unidos, Alemanha, Brasil, Suíça, Bélgica e Polónia consegue vender a um preço médio superior ao praticado no mercado interno.
Se na maior economia do mundo tem "um fortíssimo importador" e o mercado germânico é o segundo mais valioso, em Angola deixou de vender directamente e, por isso, nem sequer é tratado como um mercado de exportação da Casa de São Matias. Ali continua a comercializar vinhos por intermédio de uma empresa portuguesa e num segmento sazonal e que baixou muito com a crise no mercado angolano: o dos cabazes oferecidos no final do ano, em que o vinho está incluído.
Vinhas e espumante na Serra da Estrela
À venda em todo o país e nos vários canais de distribuição – em mais de 50 garrafeiras, na restauração e em todas as cadeias de retalho, à excepção do Pingo Doce –, no ano passado saíram do centro de vinificação e de engarrafamento da parceira Adega Cooperativa de Vila Nova de Tazem, a seis quilómetros da propriedade, cerca de 44 mil garrafas do Tinto 2014, 22 mil do Branco 2016, 5.500 do Rosé 2016, 4.266 numeradas de um Reserva Branco - Encruzado 2015 e uma outra edição limitada de 5.932 garrafas do Reserva Tinto 2013. A "assinatura" continua a ser do enólogo Francisco Gonçalves.
Em Novembro, a Casa de São Matias vai somar um novo vinho ao portefólio – um Touriga Nacional monovarietal, "quase incontornável para um produtor do Dão", de 2015 e com 1.300 garrafas. "E no futuro quero muito ter um espumante. Há uma procura crescente e não é uma moda só nacional. O Dão e, em particular, esta sub-região da Serra da Estrela têm potencial. Tem frescura e acidez, que são características interessantes para um espumante", completa António Montenegro, que tem formação de base em Arte e Património e que chegou a ser futebolista profissional do Leixões.
Tal como no arranque do projecto, esta empresa agrícola continua a arrendar 11 hectares de vinhas tintas e a comprar as uvas para fazer os brancos, mantendo um acordo de longa duração com pequenos viticultores. Com o objectivo de vir a lançar alguns vinhos "super premium" feitos com uvas controladas de raiz, a Casa de São Matias plantou três hectares de vinha na propriedade, que tem uma área total de 28 hectares, e ambiciona duplicar esse espaço com videiras em 2019.
Incêndios de Outubro queimaram vinha e olival
Todo o olival e um dos três hectares de vinha que tinham sido plantados há poucos meses na Casa de São Matias acabaram por ser completamente destruídos pelas chamas durante os incêndios que deflagraram a 15 de Outubro de 2017 na região Centro, que atingiram 36 concelhos e provocaram 45 mortos e sete dezenas de feridos. António Montenegro, que tem o pai, homónimo, como sócio – "e se é do meu pai é, por inerência, dos meus sete irmãos e dos 26 netos" – recorda que, à semelhante de muitos outros produtores daquela zona, a preocupação naquele dia foi preservar a casa da família, uma moradia do séc. XVIII, protegida de mangueira na mão. "Perdemos muito com os incêndios. Houve fogos ali colados, mas salvámos a casa, que é o mais importante", resume o gestor, garantindo que já está a ser preparada a replantação das videiras e das oliveiras.