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Notas omitidas, agressões. A cronologia de uma demissão com Galamba sob pressão

Tudo começou a 5 de abril. Frederico Pinheiro terá sido várias vezes questionado sobre a existência de notas da reunião entre o grupo parlamentar do PS e a CEO da TAP. No calendário do governo, o ex-adjunto só terá dado conhecimento das notas a 24 de abril. Frederico Pinheiro garante que informou o gabinete logo na primeira reunião.

José Sena Goulão/Lusa
28 de Abril de 2023 às 23:21
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O filme da exoneração do adjunto de João Galamba é uma história com várias versões e calendários, mas na base está a informação prestada à comissão parlamentar de inquérito à TAP e as notas da polémica reunião entre a então CEO da companhia aérea, Christine Ourmières-Widener, e o grupo parlamentar do PS, a 17 de janeiro. O fim é o que se conhece: um adjunto – Frederico Pinheiro – exonerado com acusações de agressões.


Foi a 5 de abril que tudo começou. Nesse dia foi feito no Ministério das Infraestruturas um levantamento de toda a informação para redação da nota de imprensa referente à reunião do grupo parlamentar do PS, da então CEO da TAP e de adjuntos do gabinete de João Galamba.

O encontro juntou todas as pessoas que tiveram intervenção na marcação e/ou presença na reunião, tendo sido convocado pela chefe de gabinete do ministro, Eugénia Correia, sabe o Negócios.

Nessa reunião estiveram presentes a chefe de gabinete, Marco Rebelo (chefe de gabinete em substituição), Rita Penela (assessora de imprensa), Frederico Pinheiro (adjunto que esteve presente na reunião preparatória) e Cátia Rosas (técnica especialista, que também esteve presente na reunião preparatória).

Segundo informação recolhida pelo Negócios, Frederico Pinheiro terá sido várias vezes questionado sobre a existência de notas da reunião entre o PS e a CEO da TAP e sobre o que se tinha passado, mas terá respondido sempre que não tinha notas e que não se recordava do que se havia passado. "Estas afirmações são confirmadas por quatro testemunhas, que são os restantes participantes na reunião", garante uma fonte conhecedora.

Um ofício do Parlamento, de 12 de abril, confrontou o gabinete de João Galamba com um conjunto de questões dos deputados da comissão de inquérito à TAP sobre a polémica reunião do PS com Christine Ourmières-Widener, entre as quais constava uma pergunta sobre a existência de notas do encontro.
De acordo com a versão e o calendário do Governo, recolhida pelo Negócios junto de fontes conhecedoras, só a 24 abril, pelas 18h00, e já no último dia do prazo de resposta à solicitação da comissão parlamentar de inquérito e quando Cátia Rosas informou que iria remeter as informações do ministério à Assembleia da República, é que Frederico Pinheiro terá transmitido oralmente que tinha notas pessoais, "contrariando a informação dada anteriormente".

As referidas notas terão sido pedidas a Frederico Pinheiro, para serem remetidas ao Parlamento, tendo o ex-adjunto de Galamba afirmado que "ia ver isso depois de jantar", adiantam fontes conhecedoras.

Perante a pressão de Cátia Rosas, que insistiu que a resposta tinha de ser enviada o quanto antes, terá ficado combinado o envio, pela técnica do gabinete, de um projeto de resposta ao qual Frederico Pinheiro juntaria a nova informação até às 19h00, incluindo as notas que disse ter. Ao Negócios, fontes conhecedoras adiantam que o ex-adjunto nunca mencionou o conteúdo, mas terá acrescentado a intenção de as apresentar se fosse chamado a depor na comissão de inquérito.

Frederico Pinheiro terá dito ao gabinete de Galamba que as suas notas pessoais tinham sido escritas com bastantes gralhas, pelo que "teria de as reescrever para poderem ser entendíveis".

Ultrapassado o prazo dado das 19h00, as notas da polémica reunião continuavam a não aparecer. Segundo informação recolhida pelo Negócios, foram feitas várias tentativas falhadas de contacto telefónico e enviadas mensagens por Cátia Rosas.

O contacto terá sido retomado entre as 20h00 e as 21h00, altura em que Frederico Pinheiro terá dito que pensava já terem respondido à comissão de inquérito. Foi-lhe dito que no seu email, tal como combinado, estava o projeto de resposta, no qual ele deveria adicionar as suas notas, sabe o Negócios. Frederico Pinheiro transmitiu que iria fazer isso e também garantiu que iria confirmar as presenças das pessoas da TAP na reunião, de forma a permitir resposta a uma outra solicitação do Parlamento.

As respostas não terão chegado e, para garantir o cumprimento do pedido efetuado pela comissão de inquérito à TAP, o gabinete do ministro das Infraestruturas solicitou a prorrogação do prazo – até 26 de abril - do envio dos elementos e afastar qualquer hipótese de cometer um crime.

Ao longo do dia 25 de abril, a chefe de gabinete de João Galamba passou também ela a insistir por múltiplas vezes com Frederico Pinheiro para o envio das notas, assim como o próprio ministro das Infraestruturas. Fontes conhecedoras adiantam que, nestes contactos, Frederico Pinheiro terá dito ser impossível enviar as notas, a não ser num prazo alargado, por se encontrar sem o portátil, que estava numa casa.

Só às 22h30 de 25 de abril é que Frederico Pinheiro terá enviado o email a Cátia Rosas, com conhecimento da chefe de gabinete do ministro, com as notas pedidas. Na prática, mais de 24 horas depois de lhe ter sido solicitado que as remetesse.

A 26 de abril, o Ministério das Infraestruturas respondeu ao Parlamento com os elementos solicitados, incluindo todas as informações disponibilizadas por Frederico Pinheiro, mas frisou que se tratava de um registo pessoal e não institucional, uma vez que a sua existência apenas tinha sido revelada dois dias antes e que o seu conteúdo não tinha sido confirmado por nenhum dos presentes na reunião.

Aliás, segundo relatam ao Negócios fontes conhecedoras do processo, Frederico Pinheiro terá recusado facultar o ficheiro de texto original das notas. "As notas que remeteu constam, simplesmente, de um email datado de 25 de abril e não são as notas originais de um ficheiro original", adianta uma fonte, explicando que o ex-adjunto também entregou uma cópia em papel a Cátia Rosas.

Seguiu-se uma exoneração por telefone e desacatos no gabinete

Perante esta sucessão de acontecimentos, ao início da noite de 26 de abril, quando aterrou em Lisboa vindo de uma viagem a Singapura, o ministro das Infraestruturas ligou a Frederico Pinheiro informando-o da sua exoneração, justificando que o seu comportamento "não era conforme com os deveres e responsabilidades" de um adjunto de um gabinete de ministro, como depois foi confirmado por fonte oficial à Lusa.
Na mesma chamada telefónica, Galamba terá comunicado a Frederico Pinheiro que, a partir daquele momento, estava proibido de entrar nas instalações do Ministério das Infraestruturas. Nessa mesma noite, o adjunto do ministro dirigiu-se ao gabinete, ignorando as indicações do governante, contrariando assim aquela ordem.

Frederico Pinheiro ter-se-á dirigido ao gabinete e, junto da secretária que usava, terá recolhido o computador portátil, atribuído no âmbito das suas funções como adjunto, para o colocar numa mochila.

Paula Lagarto, assessora que se encontrava na mesma sala, terá alertado o adjunto de Galamba para o facto de o portátil não poder ser removido do local e para a necessidade de Frederico Pinheiro falar com a chefe de gabinete, Eugénia Correia, que se encontrava no mesmo andar.

Segundo os relatos recolhidos pelo Negócios, ouviram-se gritos na sala, o que levou a chefe de gabinete a dirigir-se ao local. Eugénia Correia tê-lo-á informado que não podia estar naquele local e que o computador era propriedade do Governo, pelo que estava impossibilitado de o levar daquele sítio.

Os mesmo relatos indicam que Frederico Pinheiro terá insistido que o computador lhe pertencia e, na tentativa de impedir que o adjunto o levasse do gabinete, Paula Lagarto terá tentado agarrar a mochila, tal como a chefe de gabinete. Os gritos intensificaram-se a partir daquele momento, numa tensão que é descrita por alguns dos que relatam a cena como um cenário de agressões por parte de Frederico Pinheiro a Paula Lagarto e a Eugénia Correia. A outra assessora, Rita Penela, ter-se-á deslocado à mesma sala e também tentou recuperar o referido portátil. Além desta, e perante o ambiente, também se juntaram naquela zona Cátia Rosas e a funcionária do apoio Lídia Henriques.

Segundo foi contado ao Negócios, Frederico Pinheiro terá feito da mochila uma espécie de arma de arremesso, tendo ainda desferido socos nas pessoas que o rodeavam, acabando por fugir pelas escadas do prédio.


Foi a partir desse momento que terá sido pedido à segurança para que as saídas do edifício fossem encerradas. A polícia também foi chamada ao local.

Os relatos dos momentos que se seguiram dão conta de que Frederico Pinheiro terá tentado "arremessar a bicicleta contra os vidros da fachada" do prédio, na tentativa de sair.

Nos pisos acima, Paula Lagarto, Eugénia Correia, Rita Penela, Cátia Rosas e Lídia Henriques ter-se-ão refugiado nos dois compartimentos da casa de banho de uso feminino, voltando a ligar para o 112 a pedir polícia e informando que estavam ali escondidas.

Terão deixado os lavabos cerca de 15 minutos depois, após um telefonema de Rita Penela para a portaria, tendo o segurança informado que a polícia estava no 4.º andar do ministério com Frederico Pinheiro.

As cinco pessoas do gabinete de Galamba só terão saído da casa de banho quando o segurança do prédio foi até lá para lhes dizer que podiam sair. Nessa altura, os dois polícias que se deslocaram ao local informaram ter deixado sair Frederico Pinheiro porque no lugar "não estava ninguém para contrariar a versão apresentada" pelo adjunto que tinham identificado e do qual tinham recolhido testemunho. Os polícias acrescentaram ainda que Frederico Pinheiro terá garantido ser o proprietário legítimo de todos os bens.

Na sequência destas situações e com escoriações físicas visíveis, Paula Lagarto foi atendida nas urgências do Hospital Santa Maria, onde realizou diversos exames médicos.

Frederico Pinheiro nega agressões e roubo do portátil


Frederico Pinheiro rejeita ter agredido pessoas do gabinete de João Galamba ou ter roubado um computador. Afiança que apenas se tentou defender após ter sido agarrado e sublinha que devolveu o equipamento por sua iniciativa.

Em declarações ao Negócios, Frederico Pinheiro relata que, após ter recebido um telefonema de Galamba onde este o informou da exoneração do cargo, dirigiu-se ao Ministério das Infraestruturas para recolher os objetos pessoais. "Estavam quatro pessoas no gabinete que não queriam que eu retirasse as minhas coisas pessoais, incluindo um computador". "Apenas me defendi".
O ex-adjunto adianta também que foi agarrado por estas quatro pessoas e que acabou por fugir para a garagem do prédio, numa tentativa de sair do edifício. Deparando-se com as portas bloqueadas, descreve, terá ligado à PSP a relatar que estava a ser impedido de abandonar o edifício. Na porta principal, o segurança ter-lhe-á também dado indicação de que tinha recebido ordens para não o deixar sair. "Fui eu quem chamei a PSP para poder sair do edifício, conta".

Enquanto aguardava pela polícia, adianta também, tentou ir de novo ao gabinete para retirar pertences, local onde a PSP o encontrou à chegada às instalações do Ministério.

Segundo Frederico Pinheiro, a PSP autorizou-o a levar o computador, que diz ser um portátil do gabinete mas que tinha informação pessoal, acabando por sair do edifício acompanhado pelas autoridades policiais.

Já em casa, adianta, terá sido alertado para a possibilidade de o computador ter informação classificada. "Voluntariamente, entreguei o computador e fi-lo chegar ao ministério assim que fui alertado que o mesmo poderia ter informação confidencial", afirma, rejeitando que tenha existido ação da Polícia Judiciária.

Frederico Pinheiro não explicou como fez chegar o computador ao ministério, mas o Negócios sabe que o Ministério das Infraestruturas terá solicitado a intervenção dos serviços de informações.

Num comunicado enviado às redações depois de ter sido tornada pública a exoneração, Frederico Pinheiro contestou a justificação de que a sua exoneração se deveu a ter omitido as notas da reunião dos deputados do PS com a ex-CEO da TAP "durante dois meses".

O ex-adjunto afirma que revelou as notas a Galamba a 5 de abril, um dia após Christine Ourmières-Widener ter dito, na comissão parlamentar de inquérito à gestão da TAP, que tinha participado numa reunião com os deputados socialistas. Nessa data, assegura, disse ao ministro que tinha tomado notas do encontro e que estas deixavam claro que "naquela reunião de 17 de janeiro tinham sido articuladas perguntas a serem efetuadas pelo GPPS e tinham sido referidas as respostas e a estratégia comunicacional da CEO da TAP".

Os factos apontados ao Negócios por fontes conhecedoras contestam esta versão.


O ex-adjunto revelou ainda que discordou do comunicado emitido pelo ministério a 6 de abril, em que era indicado que "Frederico Pinheiro esteve presente na reunião de 17 de janeiro em representação do Ministério das Infraestruturas". E adiantou que se opôs à decisão de João Galamba de indicar à comissão parlamentar de inquérito à TAP que não existiam quaisquer notas tomadas durante a reunião secreta dos deputados socialistas e da ex-CEO da companhia aérea e que terá servido para coordenar as perguntas e respostas na audição de Christine Ourmières-Widener.

Ministro nega ter tentado omitir informações ao Parlamento


Entretanto, ao final do dia desta sexta-feira, o gabinete de João Galamba emitiu um comunicado onde o ministro negou tais acusações e pôs Frederico Pinheiro em xeque.
O ministro das Infraestruturas nega categoricamente qualquer acusação de que, por qualquer forma, tenha procurado condicionar ou omitir informação prestada à CPI da TAP", adianta o gabinete de Galamba depois de Frederico Pinheiro ter divulgado uma nota, na tarde desta sexta-feira, onde acusava o governante de querer ocultar informações e documentos aos deputados.

Segundo o mesmo comunicado, "toda a documentação solicitada pela comissão parlamentar de inquérito foi integralmente facultada".


Além disso, o gabinete de Galamba explicou também os motivos que estiveram na origem do afastamento de Frederico Pinheiro, e que o Negócios tinha avançado ao início da tarde desta sexta-feira. "A propósito da exoneração de Frederico Pinheiro, esclarece-se que a mesma decorre do facto de o então adjunto ter repetidamente negado a existência de notas de reunião que eram solicitadas pela CPI, o que poderia ter levado a uma resposta errada à CPI por parte do Gabinete do ministro das Infraestruturas", lê-se no mesmo comunicado.

Quem é Frederico Pinheiro?


O adjunto exonerado foi para o Governo pela mão de Pedro Nuno Santos, antecessor de João Galamba, e, após a demissão do ex-ministro, manteve-se em funções com a pasta da aviação.

Nesse contexto, esteve presente em nome do Ministério das Infraestruturas na reunião secreta que serviu para preparar a ex-CEO da TAP para as perguntas na Comissão Parlamentar de Economia de janeiro, e foi ele que tirou as notas que depois foram entregues ao ministro João Galamba e que ontem foram publicadas pela SIC Notícias.

Antes de entrar no gabinete de Pedro Nuno Santos, Frederico Pinheiro foi jornalista no Sol e na Antena 1.

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