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Câmara dos deputados viabiliza destituição de Dilma. Falta o Senado

A votação começou em Brasília pelas 17:00 e às 23:08 (03:08 de Lisboa), apesar de ainda não estarem expressos todos os votos, já havia os 342 necessários a favor do "impeachment" que acabou por ser aprovado por ampla margem de 70% da Câmara de Deputados. O processo segue agora para o Senado.

Dilma Rousseff: Com a economia brasileira a marcar passo e a oposição a exigir a sua saída da Presidência por causa do envolvimento do PT no caso 'Lava Jato', Dilma esteve sob pressão.
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Após três dias de debate intenso entre os 25 partidos brasileiros, o processo de destituição de Dilma deu mais um passo este domingo, 17 de Abril, ao ser votado – e aprovado – na Câmara dos Deputados, presidida por Eduardo Cunha (representante pelo Rio de Janeiro do Partido do Movimento Democrático Brasileiro).

 

Dilma Rousseff precisava de 172 votos contra (ou abstenções ou ausências) para que o processo de "impeachment" de que é alvo não seguisse em frente e fosse arquivado. Não conseguiu. Nesta noite, em Brasília, apenas 137 votaram ao seu lado, ao passo que 367 deputados se manifestaram a favor da destituição da presidente do país - cargo para o qual foi reeleita em 2014. Para que fosse aprovado, eram necessários os votos de dois terços dos deputados, ou seja, 342 dos 513 parlamentares. A votação final revela que a saída da presidente foi defendida por 70% da Câmara de Deputados. O processo segue agora para o Senado.

O "sim" número 342 surgiu eram 03:08 de Lisboa, e coube ao deputado Bruno Araújo, do PSDB, maior partido da oposição, que se disse "honrado" pelo destino lhe dar o voto decisivo.  O Estado de Alagoas foi o último a votar, tendo os trabalhos terminado pelas 03:49 de Lisboa.


Assim, ao fim de seis horas de votação, o resultado final chegava: 367 votos a favor, 137 contra, sete abstenções e duas ausências.

 

O pedido de "impeachment" sobe ao Senado, onde será analisado em duas etapas: primeiro, os senadores terão de avaliar a sua admissibilidade, o que sucederá possivelmente em 11 de Maio; se aceite, seguidamente será julgado o seu mérito.

 

Se na primeira etapa a maioria se revelar pró-destituição, Dilma Rousseff será afastada por 180 dias e Michel Temer assume a presidência. As sondagens feitas por vários jornais brasileiros apontam para a existência de uma confortável maioria nesse sentido. Segue-se a etapa da investigação propriamente dita. Durante esse período máximo de seis meses, o Senado analisa o mérito do processo e Dilma apresenta a sua defesa. Nesta fase, o processo é conduzido pelo presidente do Supremo Tribunal e a decisão final exigirá o voto favorável de 54 senadores. Ou seja, Dilma só perderá em definitivo o mandato se dois terços dos senadores se manifestarem nesse sentido. Se em 180 dias o Senado não decidir, Dilma volta à presidência. Quando foi da destituição de Fernando Collor, o Senado demorou cerca de três meses para tomar uma decisão (embora Collor tenha renunciado antes da conclusão do processo).

País de olhos postos na Câmara

O país inteiro parou, a acompanhar a votação ao segundo, à espera dos resultados. Em São Paulo, no Vale do Anhangabaú, os manifestantes anti-impeachment acompanharam a votação através de uma tela gigante, ouvindo a sessão pelas colunas de som instaladas no local e também pelo telemóvel. Conforme os votos a favor do "impeachment" foram ganhando terreno, o clima era de consternação.

Segundo o El País Brasil, pelas 23h25 em Lisboa, os organizadores no Anhangabaú perguntaram aos manifestantes contra o impeachment se queriam continuar a acompanhar a votação pela tela gigante (o "telão") ou se queriam ouvir o show de Chico Cesar. A maioria gritou pela tela, que se manteve ligada.

Quando surgiu o 342º voto pelo "sim" à destituição, o carro do som no Anhangabaú apelou aos manifestantes para continuarem a acreditar e não desistir, dizendo que "o povo continuará nas ruas. Seguiremos na luta, não ao 'impeachment', contra o golpe e fora Cunha". Enquanto isso, explosão de alegria na Avenida Paulista, onde estavam concentrados os defensores do "não", que cantaram o hino nacional várias vezes.

No Palácio do Jaburu, residência do vice-presidente, em Brasília, Michel Temer foi captado pela câmara de um fotógrafo da Reuters, visivelmente satisfeito com o avanço do sim na Câmara, horas antes do resultado final.

 

Os ânimos estiveram ao rubro e chegou a haver insultos e altercações físicas. O deputado Jean Wyllys (Partido Socialismo e Liberdade - PSOL), que votou não, cuspiu no parlamentar Jair Bolsonaro (Partido Progressista - PP), que antes o tinha chamado de "veado" ("gay"). Bolsonaro foi bastante vaiado quando votou pelo sim, por ter aclamado o coronel Brilhante Ustra e ter dedicado o seu voto àquele que foi uma destacada figura na época da ditadura militar.

 

Os ânimos estiveram ao rubro durante todo o processo de votação
Os ânimos estiveram ao rubro durante todo o processo de votação



A votação foi feita directamente ao microfone, por chamada individual de cada um dos 513 parlamentares, com alternância de Estados entre as regiões. A ordem foi a seguinte: RR, RS, SC, AP, PA, PR, MS, AM, RO, GO, DF, AC, TO, MT, SP, MA, SE, RJ, ES, PI, RN, MG, PB, PE, BA, SE, AL.

Pelo meio, houve muitos dissidentes, com deputados do Partido Democrático Trabalhista (PDT) e do Partido da República (PR) a abandonarem Dilma. Alfredo Nascimento, do PR pelo Estado do Amazonas, renunciou à presidência do seu partido enquanto votava, porque a orientação era para votar não. O deputado, que foi ministro dos Transportes nos governos de Lula da Silva e de Dilma Rousseff, votou a favor do "impeachment".

 

Os parlamentares ausentes aquando da primeira chamada foram novamente chamados após a convocação de todos os deputados do seu Estado. No fim, apenas duas ausências confirmadas. 

 

Os deputados podiam votar a favor (sim), contra (não) ou abster-se em relação ao relatório da comissão especial, que concluiu que houve de crime de responsabilidade pela presidente ligado à lei de responsabilidade fiscal (Lei Complementar 101/00), segundo parecer de Jovair Arantes.


As acusações

Ao longo dos últimos meses, foram entregues na Câmara dos Deputados quase 30 pedidos de destituição de Dilma, mas só no final do ano passado Eduardo Cunha, seu presidente, aceitou um deles: o entregue pela jurista Janaína Paschoal, por Hélico Bicudo (fundador do PT) e por Miguel Reale Júnior (constitucionalista e membro do PSDB). Nele, a presidente é acusada de ter violado várias normas da Constituição ao autorizar despesas, emitir dívida e contrair empréstimos sem a indispensável autorização do poder legislativo - Câmara e Senado. 

Vários governos no passado fizeram manobras semelhantes, mas de curta duração e montante. Já na administração Dilma, as chamadas "pedaladas fiscais" atingiram uma dimensão extraordinária, sobretudo no ano de 2014, ano de eleições, tendo o Tribunal de Contas da União acabado por recomendar por unanimidade ao congresso que chumbasse a execução das contas. As "pedaladas fiscais" - estão documentados desvios da ordem de 63 mil milhões de reais - lançaram uma cortina de fumo sobre o estado do país e credibilidade dos seus números. No rescaldo, o Brasil perdeu o grau de investimento que havia conquistado em 2008 e todas as agências de rating classificam actualmente de "lixo", ou investimento especulativo, a dívida emitida pelo Tesouro brasileiro. 

Nos cálculos de algumas dessas agências, o défice orçamental real estará actualmente na casa dos 9% do PIB e a dívida pública (sem contar a de empresas e bancos controlados pelo Estado) ter-se-á agravado para 70% do PIB. Entretanto, desemprego e a inflação subiram para os 10% e o Brasil - que se prepara para receber os Jogos Olímpicos – vive a que promete ser a mais severa recessão desde a Grande Depressão nos anos 30 do século passado. Depois de ter estagnado em 2014, a actividade económica caiu 3,8% em 2015 e deverá cair outro tanto neste ano, prevê o FMI, que coloca o Brasil ao lado da Venezuela entre as economias do mundo que mais estão a afundar. Um encontro marcado com uma economia devastada é o que espera qualquer possível novo ou velho governo.


No pedido de "impeachment" entregue pelos três juristas, Dilma é ainda acusada do crime de responsabilidade contra a probidade na Administração enquanto presidente do Conselho de Administração da Petrobras (cargo que ocupou nos dez anos anteriores a assumir a presidência do país, em 2011). A Petrobras é hoje das empresas mais endividadas do mundo, está no centro da operação Lava Jato, e provisionou neste ano seis mil milhões de reais para perdas decorrentes de corrupção, que calcula já lhe terem custado 62 mil milhões.

A defesa da presidente

Dilma insiste que em curso está um "golpe" orquestrado para que outros consigam ocupar o lugar que ela legitimanente conquistou em eleições. 

A presidente acusa ainda os seus detratores de não terem "moral" para a condenar, apontando baterias em especial contra o "vice" Michel Temer, seu provável sucessor e também suspeito na Lava Jato, e para o presidente da Câmara dos Deputados, que conduziu neste domingo a votação - ambos são membros do PMDB, até há pouco o grande aliado do PT de Dilma e Lula no governo federal.

Cunha é um dos muitos deputados sobre os quais recaem suspeitas de corrupção, sendo inclusive já réu na sequência da operação Lava Jato. Também Renan Calheiros, presidente do Senado e membro do PMDB, está a ser investigado, mas Dilma e o PT têm-no poupado, possivelmente porque ainda poderão precisar dos seus bons ofícios neste processo.

 

(notícia actualizada pela última vez às 10:00)

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