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Mercados reagem com cautela à provável retirada de Dilma
O real e a bolsa estão a recuar ligeiramente. Empresários querem clarificação do quadro político brasileiro e esperam que um novo governo dê prioridade à redução do défice público, que terá disparado para 10% do PIB. Temer já pensa em equipa para as Finanças.
No "day-after" da votação da Câmara de Deputados, que aprovou por mais de 70% o prosseguimento do processo de destituição da presidente Dilma Rousseff, o principal índice da bolsa brasileira, o Ibovespa, está a recuar 0,47%, depois de ter estado a cair 0,7%, sendo as acções da Oi (-4,55%) e as da Petrobras (-3,51%) as que mais se ressentem. O real, por seu turno, desvaloriza 1,41% face ao dólar. Estes movimentos sugerem que os mercados reagiram com cautela à entrada na penúltima etapa do processo de destituição, que levará previsivelmente ao afastamento temporário da presidente ainda em Maio.
"Os investidores compraram muitos activos neste ano embalados pela expectativa de que a retirada de Rousseff permita a um novo governo tomar medidas destinadas a tirar a maior economia da América Latina da mais grave recessão num século e combater um défice orçamental explosivo. Mas a severidade dos problemas significa que o seu provável sucessor terá escassa margem de erro", escreve a Bloomberg.
Num texto intitulado "Euforia dos investidores com o ‘impeachment’ poderá desaparecer tão depressa quanto chegou", a agência norte-americana relembra que o real foi a moeda do mundo que mais caiu em 2015 (33%) e que desde o início do ano recuperou 12%, sendo improvável que os ganhos no mercado cambial e na bolsa se intensifiquem agora que o cenário de afastamento de Dilma parece estar firme. "Tudo depende das nomeações para as pastas de Economia e Finanças e dos anúncios concretos de medidas políticas que forem tomadas", diz Alejo Czerwonko, estratega de investimento no UBS. "É preciso ter equipas credíveis e sinais de sucesso", acrescenta.
O jornal Valor Económico também foi sondar as expectativas de empresários e a maioria espera que um novo governo consiga travar a deterioração das contas públicas e "encarar de frente" a necessidade de fazer cortes orçamentais. O défice orçamental disparou e estará agora em torno de 10% do PIB, ao passo que a dívida pública terá subido para 70% (sem contar a de bancos e empresas estatais). Os empresários dizem que esse é o primeiro passo para criar condições para baixar os juros, reanimando o financiamento e o investimento. A taxa básica do banco central (selic) tem vindo a escalar e está a agora em 14,25%. A escalada dos juros tem sido praticamente a única resposta à subida da inflação, que chegou a rondar os 10%, com efeitos colaterais pesados numa altura em que a economia caminha para o segundo ano de quebra do PIB de quase 4% e 10 milhões de brasileiros não têm emprego.
Já circulam nomes para as Finanças
Michel Temer, actual vice-presidente do país e membro do PMDB (até há pouco o grande aliado do PT de Dilma e Lula da Silva), é o provável sucessor no Palácio do Planalto. Começará por assumir, provavelmente já em Maio, a chefia interina do executivo pelo prazo máximo de seis meses. Durante esse período, o Senado terá de concluir, em definitivo, se Dilma cometeu ou não crimes contra a Constituição e contra a Lei Orçamental durante a sua gestão, como é acusada pelos três promotores do processo de "impeachment" que está em curso.
Segundo alguma imprensa, o seu desejo é que esse processo decorra no mais curto prazo possível para que possa avançar, o quanto antes, com um governo de "salvação nacional" para cumprir o actual mandato, que finda em 2018. A carreira de presidente pode, no entanto, revelar-se ainda mais curta: Temer pode vir a ser atingido pelo "impeachment" de Dilma (porque terá assinado decretos alegadamente ilegais durante ausências da presidente, nas quais assume as suas funções) e pela investigação da Lava Jato. Paralelamente, há indícios de que parte dos recursos desviados da estatal petrolífera foram para as contas do PT e para financiar as campanhas eleitorais de Dilma, inclusive a que lhe permitiu a reeleição no Outono de 2014. Esta última suspeita está já a ser avaliada pelo Supremo Tribunal Eleitoral. Caso seja confirmada, o mandato de Dilma - que se elegeu como presidente tendo Michel Temer (PMDB) como candidato a "vice" - é anulado e terão de ser marcadas eleições presidenciais antecipadas.
Escreve o Globo que o ainda "vice" quer reduzir o número de ministérios para cerca de 20, em vez dos actuais 31, e extinguir 22 mil cargos de nomeação política, e que "sonha" com o senador José Serra (PSDB) para o Ministério da Saúde e com Armínio Fraga, antigo presidente do banco central, para a Fazenda (Finanças). Fraga já terá dito que não, e os nomes de que se fala são o de Marcos Lisboa, presidente da escola de negócios Insper, e o de Murilo Portugal, líder da federação brasileira dos bancos. Ambos são ex-secretários do Ministério da Fazenda.
Também a participação de Serra num executivo de Temer não será evidente. Em entrevista recente ao Negócios, Aécio Neves líder do PSDB, maior partido da oposição, disse estar disponível para pensar e viabilizar um programa de Governo de transição, mas não quer entrar num executivo que inevitavelmente terá de propor medidas impopulares. "Não podemos voltar as costas ao Brasil. Quero que o partido ajude a construir uma agenda política, de cinco ou seis pontos, mas deve ser o agora vice-presidente Temer a liderar esse processo com um Governo de notáveis, acima da lógica dos partidos", sublinhou. "Se o Temer assumir essa 'agenda de emergência' terá o nosso apoio; caso contrário, não". E que agenda será essa? Reforma fiscal, da segurança social, da administração pública e reforma do sistema político, enumera, dizendo ser urgente dar passos nestes domínios para "resgatar minimamente a credibilidade e a confiança no país". "É preciso começar a aplainar o caminho para que, a partir de 2018 possamos discutir a mudança de Governo que o PSDB defende", disse Aécio, que esteve em Lisboa no início de Abril.