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Este domingo pode ser o dia D no Brasil

D de Dilma e D de destituição. Este domingo, haverá uma votação decisiva sobre o processo de destituição da Presidente. A contagem está renhida e pelo meio entrou nova queixa por corrupção activa. Independentemente da votação, Dilma será amanhã ainda presidente do Brasil. Resta saber por quanto tempo. E como reagirá o país.

Reuters
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O dia pode ser decisivo no Brasil. Neste domingo, 17 de Abril, a Câmara dos Deputados decide se viabiliza ou não processo de "impeachment" da presidente do Brasil. Acusada de crimes contra Constituição na gestão das contas públicas e de negligência na Petrobras, empresa à qual também presidiu, Dilma Rouseff apenas precisa de um terço dos votos (172 votos contra, ou faltas ou abstenções num total de 513) para que este processo morra na praia. Mas possivelmente ter-se-á de esperar pela fala do último deputado e por quando já for madrugada em Portugal para se perceber o sentido final da votação.

Presidida por Eduardo Cunha do PMDB - Partido do Movimento Democrático Brasileiro), que foi até Março aliado do PT (Partido dos Trabalhadores) mas que rompeu essa aliança e que é o partido não apenas do presidente da Câmara, mas também do presidente do Senado (Renan Calheiros) e de Michel Temer, vice-presidente do país - a Câmara tem 513 deputados e para que o processo prossiga para o Senado são necessários 342 votos a favor da destituição. 

A contagem de espingardas tem sido apertadíssima e oscilado de campo. Na contagem mais recente, a Folha de S. Paulo dá como possíveis 347 votos a favor, mas este foi o mesmo jornal que horas antes tinha escrito que a contagem pendia para Dilma. 

Este fim-de-semana tanto Dilma Rousseff como a oposição desdobraram-se em reuniões com os vários deputados indecisos. Segundo a Globo, oficialmente, os dois lados dizem ter o número de votos necessário – a oposição diz ter os 342 votos necessários para que o processo prossiga, o Governo diz que tem os 172 votos para barrá-lo.

Queixa crime por compra de votos com cargos públicos

Entretanto, cinco partidos - o Partido Socialista (PS), os Democratas (DEM), o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) e o Partido Social Cristão (PSC) - anunciaram a apresentação de uma queixa-crime contra a Presidente Dilma Rousseff e o seu antecessor, Lula da Silva, por alegada compra de deputados.  Acusam o Governo de corrupção activa e corrupção passiva. Os partidos indicam como provas desses crimes a oferta de pelos menos 26 cargos e nomeações publicadas no Diário Oficial da União nesta sexta-feira. Citado pela Lusa, o líder do DEM, Pauderney Avelino, acusou o Governo de "usar a máquina pública de forma desavergonhada, libertando recursos federais, cargos, verbas para estados e municípios só para converter votos" e de "intimidação" e "jogo sujo".



Resultados? Só quando aqui já for amanhã

A discussão do processo de "impeachment" já decorre desde sexta-feira, numa maratona histórica de mais de 40 horas de discursos de vários deputados. A demora, decorrente do elevado número de inscritos, poderá fazer derrapar a sessão deste domingo. Mas Eduardo Cunha já veio dizer que mantém a intenção de iniciar a sessão para votação às 14 horas (em Brasília, menos quatro que em Portugal). 

A sessão de votação será aberta com a intervenção do relator do pedido, o deputado Jovair Arantes, que tem 25 minutos para explicar porque defende a destituição. Depois, falarão os líderes dos 28 partidos com assento na Câmara e só a seguir terá início a chamada nominal dos deputados de cada um dos 27 Estados do Brasil. A votação, intercalada entre Estados do norte e do sul do país, será inaugurada por deputados de Roraima - Abel Galinha (do partido democrata, DEM) será o primeiro. Cada um terá 10 segundos ao microfone para se dizer favorável ou contrário ao impedimento de Dilma ou se abster.


Depois de chamados os 513 deputados, haverá segunda chamada para os que estiveram ausentes. Eduardo Cunha estima que a votação dure mais de quatro horas, pelo que o resultado deverá ser conhecido em Brasília pelas 21 horas (nessa altura, será uma da manhã de segunda-feira em Lisboa). No entorno do Congresso já está montado um muro para tentar segregar os manifestantes contra e pró-impeachment e evitar confrontos graves, após militantes do PT e o próprio Lula terem incitado a tomada das ruas.



E depois?



Se Dilma obtiver 172 votos contra (ou abstenções ou ausências) a sua destituição, este processo de "impeachment" morre por aqui (embora haja outros já a caminho, designadamente um entregue pela Ordem dos Advogados do Brasil). Caso contrário, sobe ao Senado. Aí chegado, é formada uma comissão para avaliar a admissibilidade do processo, cujo parecer é depois votado por maioria (41 dos 81 senadores). Se a maioria se revelar pró-destituição, Dilma Rousseff será afastada por 180 dias e Michel Temer, actual "vice", assume a presidência, período durante o qual o Senado analisa o processo e Dilma apresenta a sua defesa. Nesta fase, o processo será conduzido pelo presidente do Supremo Tribunal e a decisão final exigirá o voto de 54 senadores. Ou seja, Dilma só perderá em definitivo o mandato se dois terços dos senadores se manifestar nesse sentido. Se em 180 dias, o Senado não decidir, Dilma volta à presidência. Quando foi da destituição de Fernando Collor, o Senado demorou cerca de três meses para tomar uma decisão (embora Collor tenha renunciado antes da conclusão do processo).

De que é acusada Dilma?

Ao longo dos últimos meses, foram entregues na Câmara dos Deputados quase 30 pedidos de destituição de Dilma, mas só no final do ano passado Eduardo Cunha, seu presidente, aceitou um deles: o entregue pela jurista Janaína Paschoal, por Hélico Bicudo (fundador do PT) e por Miguel Reale Júnior (constitucionalista e membro do PSDB). Nele, a presidente é acusada de ter violado várias normas da Constituição ao autorizar despesas, emitir dívida e contrair empréstimos sem a indispensável autorização do poder legislativo - Câmara e Senado.

Vários governos no passado fizeram manobras semelhantes, mas de curta duração e montante. Já na administração Dilma, as chamadas "pedaladas fiscais" atingiram uma dimensão
 extraordinária, sobretudo no ano de 2014, ano de eleições, tendo o Tribunal de Contas da União acabado por recomendar por unanimidade ao congresso que chumbasse a execução das contas. As "pedaladas fiscais" - estão documentados desvios da ordem de 63 mil milhões de reais - lançaram uma cortina de fumo sobre o estado do país e credibilidade dos seus números. No rescaldo, o Brasil perdeu o grau de investimento que havia conquistado em 2008 e todas as agências de rating classificam actualmente de "lixo", ou investimento especulativo, a dívida emitida pelo Tesouro brasileiro.

Nos cálculos de algumas dessas agências, o défice orçamental real estará actualmente na casa dos 9% do PIB e a dívida pública (sem contar a de empresas e bancos controlados pelo Estado) ter-se-á agravado para 70% do PIB. Entretanto, desemprego e a inflação subiram para os 10% e o Brasil - que se prepara para receber os Jogos Olímpicos – vive a que promete ser a mais severa recessão desde a Grande Depressão nos anos 30 do século passado. Depois de ter estagnado em 2014, a actividade económica caiu 3,8% em 2015 e deverá cair outro tanto neste ano, prevê o FMI, que coloca o Brasil ao lado da Venezuela entre as economias do mundo que mais estão a afundar. Um encontro marcado com uma economia devastada é o que espera qualquer possível novo ou velho governo.


No pedido de "impeachment" entregue pelos três juristas, Dilma é 
ainda acusada do crime de responsabilidade contra a probidade na Administração enquanto presidente do Conselho de Administração da Petrobras (cargo que ocupou nos dez anos anteriores a assumir a presidência do país, em 2011). A Petrobras é hoje das empresas mais endividadas do mundo, está no centro da operação Lava Jato, e provisionou neste ano seis mil milhões de reais para perdas decorrentes de corrupção, que calcula já lhe terem custado 62 mil milhões.

O que responde a presidente?

 

Dilma defende-se alegando que em curso está um "golpe" orquestrado para que outros consigam ocupar o lugar que ela legitimanente conquistou em eleições.

A presidente acusa ainda os seus detratores de não terem "moral" para a condenar, apontando baterias em especial contra o "vice" Michel Temer, seu provável sucessor e também suspeito na Lava Jato, e para o presidente da Câmara dos Deputados, que vai neste domingo conduzir a votação - ambos são membros do PMDB, até há pouco o grande aliado do PT de Dilma e Lula no governo federal.

Cunha é um dos muitos deputados sobre os quais recaem suspeitas de corrupção, sendo inclusive já réu na sequência da operação Lava Jato. Também Renan Calheiros, presidente do Senado e membro do PMDB, está a ser investigado, mas Dilma e o PT têm-no poupado, possivelmente porque ainda poderão precisar dos seus bons ofícios neste processo.

(notícia actualizada às 10h11; corrige votos necessários para travar "impeachment")
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