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Dilma perde mais um aliado e fica mais perto da destituição
Depois da saída do PMDB, também o PP anunciou o abandono da coligação governamental e deu liberdade aos seus membros na votação do "impeachment". Domingo é dia "D". Leia aqui o que se segue e quais as acusações que pendem sobre Dilma Rousseff.
A falta de convicção do Partido Progressista (PP) como partido da base do governo de Dilma Rousseff já havia sido sinalizada na comissão parlamentar especial do "impeachment", na qual três dos cinco representantes do partido votaram no sentido de dar continuidade ao processo de destituição da presidente, que será agora votado pelo plenário da Câmara dos Deputados, provavelmente neste domingo. Mas nesta terça-feira, a direcção do partido tornou oficial o seu abandono da coligação governamental. Por 37 votos contra 9, os deputados do PP – que perfazem a quarta maior bancada no parlamento brasileiro, com 47 deputados em 513 – decidiram "desembarcar" do governo e ser a favor do "impeachment" de Dilma.
Por pressão dos militantes, o anúncio foi feito pelo presidente do PP, o senador Ciro Nogueira, segundo o qual o partido entregará "imediatamente" a Dilma o Ministério da Integração Nacional. "É uma decisão que eu não defendia, não vou negar. Eu defendia até o momento de hoje a permanência do partido na base de sustentação da presidente. Mas não me cabe outra alternativa, como seu presidente, que não acatar a decisão" das bases do partido, disse Nogueira citado pelo O Globo. O presidente do PP disse ainda que procurará a unidade da bancada em apoio ao "impeachment", mas não haverá sanções para quem votar contra.
Segundo a BBC Brasil, dos 47 deputados federais do PP há ainda vários indecisos. Paulo Maluf, ex-prefeito de São Paulo e até agora apoiante de Dilma, já não estará entre eles. "Apesar de todas as convicções de que temos uma presidente correcta, decente e honesta, o governo perdeu as condições de governabilidade", afirmou. Maluf diz ainda estar "revoltado e enojado" com a política de compra e venda de deputados. "A actuação do governo tem que se dar no campo da defesa jurídica". "Sou contra esse tipo de política. Nunca fiz isso. Meus adversários dizem 'Maluf rouba, mas faz', no entanto, não estive no Mensalão, não estou na Lava-Jato, nem no "Panamá Papers", disse o parlamentar. O PP é, porém, o partido com mais representantes entre os investigados na Operação Lava Jato.
Máquina de calcular na mão até ao fim
Numa vasta iniciativa coordenada em Brasília pelo ex-presidente Lula da Silva, o governo e o Partido dos Trabalhadores (PT) que o sustenta tem tentado aliciar cada deputado indeciso de qualquer partido (e eles são 28) a votar "não" ao "impeachment" oferendo alegadamente cargos e outras benesses, designadamente favorecimento em concursos públicos. A cinco dias do dia "D", a operação "Saldão" – o termo foi cunhado pela revista Veja - apresenta ainda resultados incertos. Para bloquear o "impeachment", Dilma precisa de obter 171 votos ou abstenções. A imprensa está a sondar os deputados e nos cálculos do jornal O Globo a presidente já garantiu 110, a Folha de São Paulo estima a bancada dos apoiantes em 114 e o Estadão avança com 125. A estes, há que juntar os abstencionistas, universo mais difícil de calcular.
Segundo alguma imprensa brasileira, os deputados do PP, partido que agora rompeu com o governo, estavam entre os principais cortejados. Lula teria garantido que, caso a presidente sobreviva à votação deste domingo, faria uma profunda remodelação governamental que ampliaria a participação do partido a quem teria oferecido o Ministério da Saúde e a presidência da Caixa Económica Federal, cargo alegadamente prometido a Paulo Maluf. Confirmando a desconfiança mútua, a remodelação e a atribuição dos novos cargos só seria, porém, anunciada depois da votação decisiva de domingo. O PP não terá gostado da manobra.
Esta é, assim, a segunda saída de peso da coligação governamental, depois do PMDB do vice-presidente Michel Temer ter igualmente optado por abandonar Dilma, dando liberdade de voto aos seus deputados no processo que pode resultar no afastamento compulsivo da presidente.
Quase em simultâneo, um outro pequeno partido, o PRB, decidiu ontem que será igualmente a favor do "impeachment", sendo de esperar que os seus 22 deputados fiquem do lado da destituição, embora nove sejam apresentados pela imprensa como estando ainda indecisos.
E agora?
Depois de ter sido aprovado nesta semana pela comissão especial de 65 deputados, o processo de "impeachment" deve subir a plenário neste domingo e só prosseguirá se, pelo menos, 342 dos seus 513 deputados, ou seja dois terços da Câmara, o votar favoravelmente. Se esse patamar for alcançado, o processo segue para o Senado; caso contrário, a presidente é mantida no cargo. Se o Senado decidir instaurar um processo contra Dilma, a presidente é provisoriamente suspensa por 180 dias (tempo máximo de duração da investigação no Senado, que será conduzido pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowsk). Nesse meio tempo, o vice-Presidente Michel Temer assume interinamente o cargo de presidente. A destituição de Dilma só será um facto consumado se, após esta investigação, 54 senadores (de novo dois terços, de um total de 81) votarem a favor.
Os argumentos que tentam afastar a Presidente do Planalto
Depois de ter recebido quase três dezenas de pedidos de "impeachment" – número recorde na história do Brasil - o presidente da Câmara dos Deputados (Eduardo Cunha, réu da Lava Jato que continua blindado pela imunidade parlamentar) acabou por aceitar, em Dezembro último, a abertura de um processo de destituição com base numa petição assinada por Hélio Bicudo, fundador do Partido dos Trabalhadores (PT, partido da própria Dilma e de Lula da Silva), por Miguel Reale Júnior, um dos mais respeitados juristas do Brasil e ex-ministro da Justiça de Fernando Henrique Cardoso (PSDB, maior partido da oposição) e pela jurista Janaína Paschoal.
Acusação? Enquanto presidente do país, Dilma assinou decretos para destinar a diversos órgãos verbas não autorizadas pela lei orçamental, sem lastro na contabilidade pública, em violação da Constituição; contraiu ainda empréstimos com entidades financeiras do próprio Estado – Banco do Brasil, Caixa Económica Federal, BNDES – para financiar programas do governo (sociais e bonificações a empresas), de novo sem registo na contabilidade pública, permitindo transformar ilusoriamente dívida em excedente primário, alegam os promotores do "impeachment".
As suspeitas dos três juristas foram, pouco depois, parcialmente quantificadas pelo Tribunal de Contas do Brasil, que, pela primeira vez desde 1937, recomendou por unanimidade ao Congresso que chumbasse a execução do orçamento de 2014. Nos cálculos da entidade fiscalizadora, as irregularidades detectadas totalizam o equivalente a 24 mil milhões de euros e incluem manobras para ocultar dívida assumida pelo Estado usando dinheiro de bancos públicos, entre os quais o BNDES e a Caixa Económica.
As manobras - chamadas de "pedaladas fiscais" - lançaram uma cortina de fumo sobre o estado do país e a credibilidade dos seus números. No rescaldo, o Brasil perdeu o grau de investimento que havia conquistado em 2008; todas as agências de rating classificam actualmente de "lixo", ou investimento especulativo, a dívida emitida pelo Tesouro brasileiro.
Nos cálculos de algumas dessas agências, o défice orçamental real estará actualmente na casa dos 9% do PIB, a dívida pública (sem contar a de empresas e bancos controlados pelo Estado) ter-se-á agravado para mais de 70% do PIB, o desemprego e a inflação rondam os 10% e o Brasil - que se prepara para receber os Jogos Olímpicos – vive a que promete ser a mais severa recessão desde a Grande Depressão nos anos 30 do século passado: depois de ter estagnado em 2014, a actividade económica caiu 3,8% em 2015 e deverá cair outro tanto neste ano, prevê o FMI, que coloca o Brasil ao lado da Venezuela entre as economias do mundo que mais estão a afundar.
Eleições antecipadas são também hipótese (mas longínqua)
No pedido de "impeachment" entregue por Janaína, Bicudo e Reale, Dilma é ainda acusada do crime de responsabilidade contra a probidade na Administração enquanto presidente do Conselho de Administração da Petrobras (cargo que ocupou nos dez anos anteriores a assumir a presidência do país, em 2011). A Petrobras terá acolhido a maior rede de desvio de dinheiro para partidos, políticos e empresários, estando a sua densa rede a ser deslindada no âmbito da operação Lava Jato, havendo indícios de que parte dos recursos desviados da estatal petrolífera foram para as contas do PT e para financiar as campanhas eleitorais de Dilma, inclusive a que lhe permitiu a reeleição no Outono de 2014.
Esta última suspeita está já a ser avaliada pelo Supremo Tribunal Eleitoral. Caso seja confirmada, o mandato de Dilma - que se elegeu como presidente tendo Michel Temer (PMDB) como candidato a "vice" - é anulado e terão de ser marcadas eleições presidenciais antecipadas.
Este cenário, de perda de mandato por financiamento fraudulento da campanha eleitoral, pode ganhar probabilidade se Léo Pinheiro, da construtora OAS, negociar um acordo de "delação premiada" com o juiz que conduz a operação Lava Jato. Segundo alguma imprensa brasileira, o empresário estará disposto a esclarecer o pagamento de subornos para a campanha de Dilma Rousseff em 2014, assim como a falar das palestras sobre-facturadas de Lula e de como elas terão resultado em empréstimos do BNDES para obras da empreiteira no Brasil e no exterior.
Também Otávio Marques de Azevedo, ex-presidente da Andrade Gutierrez, uma das maiores empreiteiras do país, terá revelado à justiça um esquema de subornos envolvendo a hidroelétrica Belo Monte, uma das maiores obras do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). Segundo a Folha de S. Paulo, o dinheiro seria dividido em partes iguais entre o PT e o PMDB e teria sido entregue pelas construtoras envolvidas na obra na forma de doações às campanhas eleitorais de 2010, 2012 e 2014. Assim se branqueava dinheiro de "luvas" por intermédio de financiamento legal de campanhas. Se o esquema exposto em delação premiada for comprovado, também Belo Monte poderá forçar a queda da dupla Dilma e Temer.