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Há um novo residente na Casa Branca. E agora?

Os principais desafios do futuro presidente americano estavam já identificados, mesmo antes da vitória surpresa de Trump. Questões internas como o crescente descontentamento e desigualdade ou a ameaça chinesa e russa, na frente externa, são problemas à espera de resposta.

Stephanie Keith/Reuters
09 de Novembro de 2016 às 08:11
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De uma sociedade dividida ao populismo radical

Há motivos de sobra para que as Presidenciais de 8 de Novembro de 2016  fiquem gravadas na história. E um deles serão certamente as cicatrizes provocadas por uma campanha eleitoral visceral e carregada de insultos. Resultado da radicalização política à esquerda e à direita, que manteve muitas vezes o Governo Obama paralisado. E também de décadas de declínio do crescimento da produtividade e ainda do aumento das desigualdades. A classe média e trabalhadora ficou para trás devido à automação da economia e da globalização. No fundo, resume o politólogo Jaime Nogueira Pinto, existe nos EUA "uma sociedade bipolarizada, não só política e ideologicamente mas também étnica e culturalmente. E até a nível de género e geração".

Por outro lado as tensões raciais são um problema ainda sem resposta. Sucedem-se os problemas relacionados com as vagas imigratórias, designadamente de populações hispânicas. E também a tensão e violência entre negros e a polícia. Nogueira Pinto recorda que "as relações raciais pioraram nos oito anos da administração Obama". Deste "cocktail" ao fenómeno populista foi um passo. Agora será tempo de inverter a situação ou, pelo menos, de controlar os danos.

Sociedade bipolarizada, não só política e ideologicamente mas também étnica e culturalmente. Jaime Nogueira Pinto
Politólogo e historiador

1% mais ricos cada vez mais longe dos restantes 99%

É um tema recorrente nos Estados Unidos: a cada vez maior distância entre o 1% mais rico e os restantes 99%. É que apesar de a economia norte-americana ter recuperado ao longo dos dois mandatos presidenciais de Barack Obama, tanto os índices de pobreza como de desigualdade agravaram-se. O que gerou enorme descontentamento, em especial da parte da classe média, a mais penalizada pelo progresso tecnológico e pela globalização.

A desigualdade salarial atingiu mesmo níveis que não eram observados nos Estados Unidos desde o período anterior à Grande Depressão. Excluindo o 1% das famílias mais ricas, o rendimento médio (ajustado à taxa de inflação) dos restantes 99%  continua abaixo dos níveis verificados em 1998. A perda de poder de compra da classe média ajuda a explicar parte desta evolução. Este é um desafio fundamental para os próximos quatro anos. Foi o próprio Obama a identificar a desigualdade como "o desafio definidor deste tempo".

Economia e emprego crescem... e também o défice e a dívida

No início de Outubro, o FMI revelou as mais recentes projecções económicas, que cortaram as perspectivas de crescimento da economia  dos EUA. Em vez dos anteriores 2,2%, o FMI prevê agora que os EUA cresçam 1,6% em 2016. Não se trata de um crescimento fulgurante. No entanto, depois de ter crescido 2,6% em 2015, o PIB dos Estados Unidos avançou 2,9% (taxa anualizada) no terceiro trimestre deste ano, acima dos 1,4% verificados entre Abril e Julho e acima das expectativas dos analistas, o que parece indiciar algum ganho de robustez, tal como recentemente assinalou a própria Reserva Federal do país. Também o emprego tem crescido, acompanhado da queda consistente da taxa de desemprego, que voltou a cair para 4,9% em Outubro face aos 5% verificados em Setembro.

Porém, menos positivos são os dados relativos à dívida pública e ao défice, que também têm vindo a aumentar. A dívida cresce há vários anos, tendo em 2015 atingido 104% do PIB, mais um ponto percentual do que em 2014. Já o défice do ano fiscal findo a 30 de Setembro foi de 3,2%, bem acima dos 2,5% do PIB verificados no período homólogo. Conjugar a melhoria das condições económicas com a diminuição da dívida e do défice estará na agenda presidencial.

China, o verdadeiro "challenger" dos Estados Unidos

A ascensão económica da China é um dado adquirido. Apesar do arrefecimento económico, Pequim prevê crescer perto de7% em 2016. Em contrapartida, o produto dos EUA, de acordo com o FMI, deverá crescer 1,6% este ano e 2,2% em 2017. O Goldman Sachs acredita que na próxima década a economia chinesa poderá suplantar a norte-americana como a maior do mundo. Contudo, a ascensão chinesa é também militar, como o demonstram as manobras navais ao largo do Mar do Sul da China, onde Pequim reclama direitos estratégicos. A China não esconde a ambição de ascender à condição de superpotência mundial, de disputar a preponderância de Washington e de assumir um papel decisivo na redefinição em curso da ordem internacional. O investigador do Instituto Português de Relações Internacionais (IPRI), Carlos Gaspar, defende que para Washington "o problema mais complexo no longo prazo é a ascensão da China e a sua integração na ordem internacional". A prioridade dada pela administração Obama à região da Ásia Pacífico foi já "uma resposta à ascensão da China", sublinha Tiago Moreira de Sá. Este professor da Universidade Nova de Lisboa nota que "construir uma arquitectura de contenção da China" é o desafio dos Estados Unidos. 

A guerra civil sem fim na Síria

A guerra civil na Síria encaminha-se a passos largos para completar seis anos. Para Carlos Gaspar este conflito "é o mais urgente e o mais intratável". De um lado está a coligação internacional, liderada pelos EUA, e do outro a Rússia e o Irão. Enquanto Washington apoia as forças opositoras do regime sírio, Moscovo e Teerão lutam ao lado do presidente Bashar al-Assad.

Aparentemente há em comum a guerra contra o terrorismo, até porque apesar da perda de território o Estado Islâmico continua a ter na Síria o seu principal refúgio. Mas na Síria (assim como no Iémen) travam-se também lutas por procuração, com sunitas e xiitas a disputarem a hegemonia na região. EUA e ONU acusam Moscovo de utilizar a guerra contra o terror como pretexto para manter Assad no poder. O que vier a acontecer na Síria terá impacto em todo o Médio Oriente. Certo é que o conflito sírio é o principal problema externo imediato do novo presidente norte-americano.

O "urso russo" mostra as suas garras

A Rússia tem vindo sistematicamente a aumentar a despesa no sector militar. Em 2014, Moscovo anexou a península da Crimeia. Seguiu-se a instigação e o apoio (que perdura) aos rebeldes pró-russos do Leste da Ucrânia. A que Washington e Bruxelas responderam com a aplicação de sanções a Moscovo. Há mais de um ano o presidente russo, Vladimir Putin, integrou a luta contra o terrorismo na Síria. Mas as operações russas de apoio ao regime de Damasco já foram classificadas de "crimes de guerra" pela ONU e pelos EUA. "Os EUA têm de impedir uma vitória da Rússia na Síria se quiserem manter as suas alianças no Médio Oriente", avisa Carlos Gaspar.

Em paralelo, o Kremlin interferiu, de forma inédita, na última campanha eleitoral norte-americana, tentando favorecer Donald Trump. Por outro lado, Moscovo acusa a NATO de reforçar a presença junto às suas fronteiras, designadamente na Turquia e nos Bálticos. Em resposta a Rússia colocou mísseis balísticos junto às fronteiras com a Polónia e a Lituânia. E tem feito diversas demonstrações militares, quer aéreas, quer navais. O politólogo Nogueira Pinto lembra que Putin "joga com o poder militar para manter uma linha de defesa alargada na Europa e no flanco sul".

Os EUA têm de impedir uma vitória da Rússia na Síria se quiserem manter as suas alianças no Médio Oriente. Carlos Gaspar
Investigador do IPRI
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