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Dia D, de Donald. Trump vence contra tudo e contra todos

As minorias não se vingaram de Trump e os operários brancos parecem ter encontrado num milionário nova-iorquino o seu herói. O candidato que os democratas sempre desejaram bateu-os aos pontos. Agora, vem aí o seu mais difícil fact check até hoje.

09 de Novembro de 2016 às 09:47
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Donald J. Trump será o próximo Presidente dos Estados Unidos. Contra as projecções demográficas, contra as sondagens, contra os media "mainstream" e até contra o seu próprio partido, o milionário venceu a corrida à Casa Branca. Como disse hoje Rachel Maddow da MSBC: "Esta é a sua vida agora, esta é a nossa eleição, isto somos nós, é o nosso país. É real." Nas próximas horas, dias, semanas tentaremos todos perceber como é que isto aconteceu.

Um bom sítio para começar são as divisões raciais. As sondagens à boca das urnas contam uma história surpreendente sobre quem votou democrata e republicano nestas eleições. Por exemplo, permitem-nos saber que houve uma maior percentagem de hispânicos a votar em Trump do que em Mitt Romney em 2012 (29% vs. 27%), houve também mais afro-americanos a votar vermelho (8% vs. 6%). A percentagem de voto caucasiano em Trump não foi muito diferente de Romney (58% vs. 59%).

No entanto, a análise destes dados merece alguma cautela. Os dados das sondagens à boca das urnas mostraram-se muito frágeis na projecção da eleição. Além disso, Clinton parece ter melhores resultados face às sondagens pré-eleição em Estados com mais latinos, enquanto Trump teve mais surpresas positivas onde havia mais eleitores brancos. Em Junho, o New York Times já escrevia que as sondagens estavam a subestimar o número de operários brancos e mais velhos que existem no eleitorado, o que permitia antecipar que Trump teria mais votos potenciais. Nate Cohn, jornalista do NYT, escrevia que os operários brancos "votaram como uma minoria", apesar de serem "mais de 40% do eleitorado".

 

Diferentes eleitores terão diferentes motivos para ter votado em Trump, mas é difícil ignorar a desilusão destas pessoas com o seu progresso económico e a posição dos Estados Unidos no palco mundial, perante uma vaga de globalização e um cenário cada vez mais plural da diplomacia internacional. Os paralelos com o Brexit, embora correndo o risco de serem simplistas, escrevem-se quase sozinhos.

A crescente diversidade racial do país terá sido vista como uma ameaça por alguns eleitores e haverá análises a falar de
 motivações racistas. Isso até pode fazer sentido – o analista da CNN Van Jones falou disso, numa das reacções mais partilhadas depois de conhecidas os resultados -, mas a explicação deve ir mais longe. "Clinton sofreu as maiores perdas em sítios onde Obama teve mais força entre eleitores brancos", nota Nate Cohn. Se aquelas regiões votaram Obama, o primeiro Presidente afro-americano, por que não votaram Clinton?

 

O herói da classe operária é um milionário nova-iorquino

Os republicanos venceram em Estados tipicamente indecisos como a Florida e o Ohio, mas onde fizeram maiores estragos à campanha democrata foi a Norte, no chamado "rust belt", com uma população que tem forte presença de operários brancos. Estados industriais como Michigan, Pennsylvania e Wisconsin. Estes três faziam parte da "firewall" de Estados que se antecipava que estavam seguros do lado democrata.

 

A recomposição do mapa eleitoral pode ter chegado cedo demais para Clinton, uma vez que a subida dos republicanos para Norte mais branco e operário não foi compensada com força democrata de igual dimensão em Estados mais a Sul ou com mais jovens, hispânicos e licenciados. Clinton venceu no Colorado e no Nevada, mas perdeu Florida, Arizona, Georgia e Carolina do Norte. No final das contas, Hillary ganhou mais em locais onde acabou por não ter possilidades de vencer (Utah, Arizona e Texas) ou onde a vitória já estava garantida (Califórnia). Ao mesmo tempo, Trump apresentou ganhos muito grandes nas regiões rurais dos Estados Unidos, enquanto Clinton conseguiu apenas pequenos avanços nas zonas mais urbanas.

 

Clinton assumiu que continuaria o legado deixado por Barack Obama e, por afinidade familiar óbvia, seria também uma ligação à Presidência de Bill Clinton. Ela tinha do seu lado todo o partido – mesmo o adversário Bernie Sanders -, as grandes empresas, os bancos e até as estrelas de Hollywood. Ela tinha mais dinheiro e uma máquina mais poderosa no terreno. Ela era o aparelho. Ele era o outsider. Tal como Obama em 2008, os eleitores americanos estavam famintos por mudança. Mas não deixa de ser curioso que a classe operária branca tenha encontrado num milionário nova-iorquino a sua inspiração.

 

Clinton não conseguiu entusiasmar nem inspirar confiança num eleitorado cada vez mais dividido. Os extremos de cada partido estão cada vez mais afastados e as opiniões que têm de cada lado são cada vez mais negativas. 92% dos republicanos estão ideologicamente à direita do "democrata mediano", enquanto 94% dos democratas estão à esquerda do "republicano mediano". Em 1994, os valores eram 64% e 70%, respectivamente.

 

As trincheiras dos EUA

As mulheres, que mereceram especial atenção depois da gravação "grab them by the pussy", votaram muito mais Clinton (54% vs. 42%). Os democratas venceram entre todos aqueles que têm menos de 44 anos, os republicanos ganharam com os mais velhos. A divisão é grande. 52% dos que têm menos de 44 anos votaram nos democratas, enquanto o voto dos maiores de 45 anos foi 53% para os republicanos. Licenciados votaram 52% em Clinton. 



Algumas análises sugerem que os mais pobres – e mais desiludidos – decidiram arriscar e votar Trump. Porém, as sondagens à boca das urnas mostram que quem tem menos rendimentos (abaixo de 50 mil dólares ao ano) votou democrata (52%), acima desse valor foram mais para o lado republicano (49%).

 

Também não houve a tão discutida fuga de republicanos. Ambos os candidatos conservaram as suas bases. 89% dos democratas votaram em Clinton e 90% dos republicanos votaram em Trump. Onde o milionário ganhou muito terreno foi nos independentes que votaram 48% vs. 42% a favor dele.

 

Além disso, é ainda possível que as notícias do FBI tenham tido algum impacto. Embora apenas 26% dos eleitores tenha decidido o seu voto no último mês, 49% deles votou em Trump (39% em Clinton).

 

Os receios do Partido Republicano

A vitória de Donald Trump deixou muitos democratas a chorar, mas também deverá preocupar imensos no coração do aparelho republicano. Por um lado, Trump poderá tentar aprovar medidas às quais a maioria dos congressistas republicanos se opõe. Por outro, contribuirá provavelmente para dar mais força à onda populista que está a varrer o partido desde 2010, com o nascimento do Tea Party. 

 

Recorde-se que George W. Bush, John McCain e Mitt Romney não votaram em Donald Trump nesta eleição e o presidente da Câmara dos Representantes – Paulo Ryan – retirou o seu apoio ao milionário a meio da campanha. Muitas vezes pareceu que as elites do partido não estavam com o magnata e haverá muitas feridas parar sarar nos próximos dias. 



 

O derradeiro "fact check"

A Presidência Trump deverá ser bastante atribulada. Não só pela personalidade do homem, como por alguns dos casos que o deverão seguir até à Casa Branca. Terão de ser resolvidos uma série de conflitos de interesses das suas empresas, será eventualmente divulgado o seu histórico fiscal e, eventualmente, algumas das mulheres que disseram ter sido agredidas sexualmente por ele poderão avançar para tribunal (Trump disse que seria ele a processá-las).

 

Donald Trump venceu esta eleição nos seus próprios termos. Muitos pensaram que o facto de ter hostilizado desde o primeiro minuto os imigrantes mexicanos poderia impedi-lo de chegar à Casa Branca nuns EUA, onde o voto latino tem estado a disparar. Trump superou essas ameaças demográficas, saltou por cima dos adversários republicanos, venceu o mano-a-mano com a rival democrata - que até achava que ele seria o melhor nomeado para garantir uma vitória democrata em Novembro -, resistiu aos abandonos do seu próprio partido, ao senso comum político que os seus conselheiros mais próximos lhe tentavam transmitir e destruiu por completo as sondagens, mesmo as que foram feitas à boca das urnas!)

Ele ganhou também contra os factos. Segundo o "fact check" do Politifact, sete em cada dez declarações políticas suas são falsas (1 em 4 para Clinton). Agora, todas as suas promessas para voltar a engrandecer a América serão postas à prova da forma mais impiedosa possível: na Casa Branca. E esse será o "fact check" mais duro que Trump já enfrentou até hoje.

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