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Protestos na Turquia: "Está a cair a noite e as coisas estão a começar a aquecer"

Na Turquia os protestos vão subindo de tom. Já não se trata de defender as árvores de um parque. É muito mais do que isso. E nada tem a ver com a Primavera Árabe, diz quem lá está.

Reuters
04 de Junho de 2013 às 00:18
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"Isto está muito confuso. O pessoal está desnorteado e temos os olhos a arder. Durante o dia, as coisas estão calmas. O parque Gezi estava completamente limpo, são os manifestantes que o limpam logo de manhã. E não tive problema em almoçar e arranjar água. As lojas, mesmo com as montras partidas, têm estado abertas. Mas agora está a começar a confusão. Está a cair a noite e as coisas estão a começar a aquecer. Tem sido assim todas as noites", conta Rui [nome fictício], um português que se encontra na Turquia em trabalho e que tem vivido os últimos dias com as horas trocadas, pouco sono e um olhar atento.

A polícia começa a tentar dispersar a multidão que se encontra no parque Gezi e na praça adjacente de Taksim. Usa gás lacrimogéneo e gás pimenta. E canhões de água, diz Rui ao telefone, num dia de pouco acesso à Internet e a redes 3G, devido ao bloqueio do governo turco.

Halil Sözer, que vive na cidade turca de Siirt, diz que Ergodan, o primeiro-ministro, "é um ditador". E tal como vários outros turcos e portugueses na Turquia, acusa o governo de silenciar os media. Os jornais e TV locais não estão a fazer a cobertura destes protestos.

 
"Isto já não tem nada a ver com árvores"

A 29 de Maio, quarta-feira, uma vasta multidão dirigiu-se ao parque Gezi, adjacente à Praça Taksim, em Istambul, para tentar impedir um anunciado abate de árvores para a construção de um centro comercial. "O derrube estava previsto para quinta de manhã. Muitas pessoas acorreram ao parque, armaram tendas e ali passaram a noite. Ao amanhecer, quando os 'bulldozers' começaram a derrubar as árvores centenárias, eles levantaram-se

e enfrentaram as máquinas para travarem a operação. Foi apenas o que fizeram: ficaram em frente às máquinas", conta a socióloga turca Defne Suman no seu blogue. Perante a resposta da polícia com canhões de água, gás lacrimogéneo e gás pimenta, o protesto escalou. E agora "isto já não tem nada a ver com árvores. O povo turco combate neste momento o regime autoritário pró-islâmico do primeiro-ministro Recep Tayyip Erdogan", diz ao Negócios Ayse Yilmaz (nome fictício), que vive em Istambul.

"Nenhum jornal ou canal de TV apareceu para informar sobre os acontecimentos. Estavam ocupados a transmitirem notícias sobre a Miss Turquia" e "o gato mais estranho do mundo", criticava Defne Suman no seu blogue.

Rui confirma. "Os media turcos estão sob forte censura e há apenas um canal de televisão a transmitir o que se passa. Ontem, durante os confrontos à noite em Besiktas, a CNN internacional estava em directo do local e a CNN turca estava a passar um documentário sobre pinguins". "Há pessoas aqui no país que acham que isto é um grupo de manifestantes a tentar defender algumas árvores", acrescenta. Isabel, uma portuguesa que trabalhou nos últimos meses na Turquia, demonstra-o: "Acabei de falar com um colega que ainda está lá. Perguntou-me logo se era daquelas ‘manifs’ típicas de fim-de-semana em Taksim. Não deu por nada. Nem no trabalho comentam".

E o parque? Após seis dias de protestos, as árvores mantêm-se? Sim, "o parque continua cá", informa Rui. Foram derrubadas algumas árvores, mas não todas. A incógnita é saber o que vai acontecer. "Ou recuam ou não sei… Há milhares de pessoas na rua. Neste momento, a praça de Taksim deve estar com cerca de 40 a 50 mil pessoas. Cheia, cabem 100 mil". Diz Rui que os manifestantes aguardam agora para saber se o exército vai sair para rua "para defender o povo contra a polícia". Enquanto fala, ouvem-se cânticos e palavras de ordem em turco. O que dizem? "Estão a pedir a demissão do primeiro-ministro", explica Rui. Neuza Padrão, em Portugal e com amigos na Turquia, vai também partilhando na sua página de Facebook toda a informação que lhe chega. "Isto não é a Primavera árabe. É um movimento de pessoas. Não de partidos políticos ou instituições. Pessoas apenas", transcreve, num "post", as palavras de um amigo turco.

Apesar do clima violento, que passa em fotografias e vídeos nas redes sociais, o primeiro-ministro seguiu ontem para uma viagem por África, estando previsto o seu regresso na quinta-feira. "É como se não estivesse a acontecer". A polícia, que tem usado ambulâncias para guardar munições, acusa Rui, tem agido com grande brutalidade. Mas "alguns deles negaram-se a reprimir gente inocente e abandonaram aos seus postos", conta Suman no seu blogue, num texto intitulado "O que está a acontecer em Istambul?".

E se há manifestantes que reagem também de forma violenta aos ataques de que são alvo, outros há que ajudam os polícias feridos. "A solidariedade é imensa. Há muita gente a distribuir água e comida às pessoas e aos animais de rua", diz Rui. "Em Ancara, onde também estão a decorrer ataques violentos, há imagens de um grupo de resistentes a ajudar um polícia ferido", diz por seu lado o turco Ozgur, enquanto envia o link da foto tirada na praça Kizilay, na capital da Turquia. "Obrigada pela vossa solidariedade", acrescenta.

"Estas pessoas são minhas amigas. São meus alunos, são meus familiares. Não têm ‘intenções ocultas’, como o governo gosta de categorizar. Os seus motivos são muito claros, estão à vista. Todo o país está a ser vendido às corporações multinacionais pelo governo para se construírem mais centros comerciais, mais condomínios luxuosos, mais auto-estradas, barragens e centrais nucleares", acusa Defne Suman no seu blogue. "As pessoas que marcham até ao centro de Istambul estão a exigir o seu direito de viverem livremente e de reclamarem justiça, protecção e respeito por parte do Estado. Exigem ser participantes da tomada de decisões sobre a cidade onde vivem", resume.

E enquanto os protestos escalam, também o gás chega mais forte contra os manifestantes. "Vou ter de desligar, não aguento os meus olhos. Vou ter de lavar a cara", diz Rui. Duas horas depois conseguiu enviar um email para dizer que está bem. E que continua na praça Taksim.

 
Protestos

A pé e à janela. Com palavras de ordem, panelas e luzes.

 

Às 21h é altura de protestar a partir de casa

Nos últimos dias, pelas 21h em Istambul (19h em Lisboa), muitas casas começam a piscar. "As pessoas estão a bater panelas às janelas das suas casas e a apagar e acender as luzes como forma de protesto. Hoje foram muitas mais que ontem", conta Rui.

 

Ancara e Izmir juntam-se

Os protestos iniciados em Istambul já se estenderam à capital da Turquia, Ancara, e a Izmir.

 

De pé, em frente aos "bulldozers"

Cumpriu-se ontem o sexto dia de protesto no parque de Gezi, onde os manifestantes continuam a tentar impedir o derrube de árvores centenárias. De pé, em frente aos "bulldozers", para evitar que a máquina mate a obra da natureza.


 

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