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E ao sétimo dia, a noite de Istambul descansou

Leia a reportagem e veja as imagens das manifestações nos últimos dias.

05 de Junho de 2013 às 04:43
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Apesar da relativa calma reinante nos protestos desta noite no parque Gezi e na praça Taksim, o ambiente mostrou-se mais "aceso" noutras cidades turcas. Entretanto, a página "Occupy Turkey" do Facebook, que relatava minuciosamente todos os desenvolvimentos e que contava já com 77.500 ‘likes’, desapareceu há algumas horas.

 

Tudo começou na passada quarta-feira, 29 de Maio, quando uma multidão de turcos acampou no parque Gezi, adjacente à Praça Taksim, para evitar que no dia seguinte fossem abatidas todas as árvores centenárias para se construído um centro comercial. Na quinta-feira de manhã, apenas algumas árvores caíram. Os bulldozers viam-se impedidos de levar a cabo a operação, dada a concentração de cerca de 10.000 pessoas junto às árvores. A polícia actuou. Canhões de água, gás lacrimogéneo e gás pimenta. Mas a repressão teve o efeito contrário ao desejado pelo governo de Recep Tayyip Erdogan. Indignadas, cada vez mais pessoas se juntaram, dia após dia, naquele local e noutros pontos de Istambul, bem como noutras cidades turcas, como Ancara (a capital) e Izmir.

 

As estações de TV e os jornais turcos não faziam a cobertura. No entanto, a imprensa internacional, alertada pelas mensagens, imagens e vídeos que começaram a encher as redes sociais, começou a falar sobre a situação. Incentivados por esta divulgação, cada vez mais turcos e cidadãos de outras nacionalidades que ali viviam começaram a passar os seus testemunhos para o exterior.

 

Enquanto isso, o governo mantinha – e mantém ainda – a intenção de abater todas as árvores. Mas também a população continua impassível. Ontem cerca de 50 mil concentraram-se na Praça Taksim. O que sucederá agora? O governo vai recuar? Ninguém sabe. Mas hoje, esta noite, foi mais calma. A primeira noite dos últimos sete dias.

 

Tréguas em Istambul

 

“Em Istambul, a polícia deu uma trégua esta noite, o ambiente no parque e em Taksim era descontraído, mas ainda com algum gás de vez em quando. No parque há um cinema ao ar livre, biblioteca, uma sala de TV, música um pouco por todo o lado, pessoas a dormir, pessoas ainda a apanhar lixo à meia-noite, gente de todas as idades e estratos sociais e religiosos. Fora de Istambul há relatos de situações complicadas em Hatay, Devin e Izmir, com hospitais gaseados. Em Hatay, o exército saiu à rua e fez um cordão entre a polícia e os manifestantes”, relata a portuguesa Neuza Padrão na sua página de Facebook, transcrevendo as últimas notícias que recebeu directamente de Istambul.

 

Ismail R. Macun (nome fictício) confirma. “E também esteve bastante ‘aceso’ em Adana”, acrescenta. Pede, como outros pediram antes, que Portugal transmita o que se passa. É preciso que o mundo inteiro saiba. “Mas não digas o meu nome verdadeiro. Desculpa, mas há muita pressão por aqui. Hoje prenderam pelo menos 35 pessoas devido às partilhas que fizeram no Twitter”, diz ao Negócios.

 

Conta que “nos últimos seis dias, as redes sociais têm sido a única fonte de notícias”. “O governo, em mais uma medida anti-democrática, impôs uma rigorosa censura aos meios de comunicação mais importantes da Turquia”. A socióloga Defne Sunam tinha já feito a mesma acusação num texto partilhado no sábado no seu blog. Bem como Rui (nome fictício), um português a residir actualmente em Istambul e que ontem falou com o Negócios.

 

Um dos momentos mais emblemáticos de hoje foi a "construção de uma biblioteca" em pleno parque Gezi. Muitos manifestantes levaram livros, que colocaram à disposição de quem ali passa, de quem lá fica, de quem protesta. E pela manhã, o parque está sempre "mais limpo do que nunca", conta Rui. As pessoas vão logo de manhã, bem cedo, limpar Gezi. Não fica um único vestígio da violência da noite.

 

"Occupy Turkey" desapareceu

 

Por vezes, o acesso à Internet e às redes 3G falha, especialmente em redor do parque Gezi e da praça Taksim. Fala-se por telefone, usam-se outras formas. A mensagem vai passando por onde pode. Mas há também vozes que se silenciam: hoje, a página "Occupy Turkey" do Facebook, que contava já com 77.500 ‘likes’, desapareceu. Porém, a emblemática foto de abertura - dois dedos em forma de V [sinal de vitória], cobertos por árvores - não será esquecida. Há quem o garanta. E já nasceram nas últimas horas pelo menos cinco páginas denominadas "Occupy Gezi".

 

Entre as muitas mensagens que vão sendo passadas "para fora", duas sobressaem: “Isto não é a Primavera Árabe” e “Isto já não tem nada a ver com árvores“. É o regime autoritário e ditatorial do primeiro-ministro Erdogan que está a ser combatido, reiteram algumas vozes ao Negócios. “Ele disse que os manifestantes deviam ser enforcados nas árvores que estão a defender!”, diz, com ponto de exclamação, Ismail R. Macun.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Todos os dias são dias de protesto

 

Kerem Öktem, 30 anos, músico, vive em Istambul e só no sábado é que não foi manifestar-se para Taksim. Sentia-se esgotado. “Com a fadiga e devastação emocional da véspera [dia em que uma amiga, a cidadã turca Lobna Al Lamii, ficou ferida num ataque da polícia contra os manifestantes, estando ainda hospitalizada com graves danos cerebrais], não aguentava ir de novo para a praça, mas fiquei por perto e ouvi os gritos de ordem, ambulâncias, helicópteros… Ficou muito claro que cada vez mais pessoas se dirigiam para o parque e para a praça e que a polícia estava a ficar mais violenta”.

 

Conta Kerem que na sexta-feira de manhã, quando esteve num ensaio com a orquestra filarmónica onde toca, contou aos colegas o que estava a passar-se e que eles o olharam com incredulidade. “Muita gente não sabe o que se passa”. Por causa da censura dos media turcos. Isabel (nome fictício), uma portuguesa regressada recentemente da Turquia, confirma: “Acabei de falar com um colega que ainda está lá. Perguntou-me logo se era daquelas ‘manifs’ típicas de fim-de-semana em Taksim. Não deu por nada. Nem no trabalho comentam”. Mas, um pouco por todo o lado, a imprensa internacional comenta.

 

A maioria dos turcos que acedem a falar com o Negócios são professores universitários. Sublinham, variadas vezes, que este não é um protesto partidário, institucional ou religioso. “Só queremos que o mundo saiba o que se passa, Erdogan é um ditador”, diz uma professora que também não quer ser citada.

 

Entretanto, refeito da fadiga, Kerem regressa esta noite aos protestos. À hora a que envia o e-mail ao Negócios, com os últimos relatos, está a preparar-se para ir de novo. “É tudo por agora. Depois continuarei, mas agora vou para Gezi. As coisas hoje parecem relativamente mais calmas”.

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