Notícia
Manifestantes em 70 cidades turcas pedem a demissão de Erdogan
O primeiro-ministro turco apelidou os manifestantes de “saqueadores”. Estes dizem aceitar o termo com muito gosto. E transformaram-no num verbo.
Foi há precisamente 11 dias, a 29 de Maio, que milhares de turcos rumaram ao parque Gezi, adjacente à Praça Taksim, em Istambul, para tentar impedir o anunciado abate de árvores, marcado para o dia seguinte, com vista à construção de um centro comercial. Perante a impossibilidade de se avançar com a operação, já que os manifestantes se colocaram à frente dos “bulldozers”, a polícia respondeu com canhões de água, gás lacrimogéneo e gás pimenta. Mas ninguém recuou. Pelo contrário. Perante a reacção violenta das forças de segurança, o protesto escalou e rapidamente se estendeu a 70 outras cidades da Turquia. É assim há 11 dias. E o que está em causa já não são apenas as árvores de Gezi.
Entre os manifestantes há pessoas de classes sociais diferentes, de ideologias diferentes, de religiões diferentes. “Juntaram-se para evitar a demolição de algo muito mais significativo do que o parque: o direito a viverem como cidadãos honrados deste país”, escreve, no seu blog, a socióloga turca Defne Suman. “Os protestos deixaram de ter a ver apenas com o parque Gezi, passando a estar em causa outras questões em que o primeiro-ministro aliena o povo”, diz ao Negócios o músico Kerem, que vive em Istambul e que aderiu aos protestos desde o primeiro dia.
De facto, “a questão da urbanização da Praça Taksim está quase na pré-história deste conflito. Funcionou como detonador. E agora alastrou às principais urbes da Turquia”, afirma Azeredo Lopes, professor de Direito Internacional na Universidade Católica.
Quem lá está e falou com o Negócios nos últimos dias, critica a censura por parte dos meios de comunicação social dominantes da Turquia e aplaude a cobertura internacional. Nas redes sociais, sobretudo no Facebook e no Twitter, vão divulgando a mensagem como podem: com fotos, com vídeos, com testemunhos pessoais.
Na opinião do professor, esta situação poderá vir a ter “consequências para o partido no poder, nomeadamente nas eleições autárquicas de Outubro”. “A tal franja muito significativa da sociedade que sente a morte da secularização da Turquia tem reagido de forma obstinada e determinada”, acrescenta, aludindo ao facto de Erdogan, pela maioria absoluta que detém, ter achado que já não precisava de negociar. Mas “a legitimidade política confundida com autoridade moral não dá bom resultado”, lembra Azeredo Lopes ao Negócios.
Contudo, o primeiro-ministro, Recep Tayyip Erdogan, mantém-se irredutível e chegou mesmo a apelidar os manifestantes de terroristas. Não dá mostras de querer ceder. Na sexta-feira, 7 de Junho, na conferência UE-Turquia que decorreu em Istambul, devolveu as críticas que a União Europeia fez à forma como o seu governo está a gerir a situação.
No seu discurso, acusou os Estados-membros da UE de “hipocrisia” e rejeitou o apontar de dedo de Bruxelas, dizendo que os métodos usados pela sua polícia para travarem os manifestantes são “um pouco diferentes” dos usados nos EUA e no Reino Unido, refere o “The Guardian”.
Ainda na mesma conferência, Erdogan voltou a criticar o Twitter [na quarta-feira, 38 jovens foram detidos devido aos “tweets” sobre as manifestações], declarando que as redes sociais estão a espalhar mentiras sobre o que realmente está a acontecer na Turquia e “sugerindo que os media internacionais são cúmplices, escrevendo artigos ‘pagos’ que são hostis” ao seu governo, acrescenta o jornal britânico.
Enquanto isso, os protestos prosseguem. Muitos dos que não saem à rua, manifestam-se em casa, acendendo e apagando as luzes e batendo em tachos e panelas à janela. Milhares de adeptos dos três principais clubes de futebol de Istambul - Besiktas, Galatasaray e Fenerbahçe – ajudaram a organizar alguns dos protestos e têm-se manifestado lado a lado contra o governo e exigindo a demissão de Erdogan. “De braço dado contra o fascismo!”, gritam os fãs da bola. Dois residentes de Istambul que falaram com o Negócios referiram com orgulho o facto de a Çarsi (a claque organizada do Besiktas) estar desde o início a dar um forte apoio a esta causa.
E apesar de o clima de violência parecer ter acalmado onde tudo começou (Istambul), em Ancara (capital da Turquia) observa-se uma escalada de tensões, dizem os media internacionais e quem lá vive. Nihan é um deles. E quis contar ao Negócios, numa mensagem via Facebook, o que se passa. “Partilhem isto”, pede. Essa é, de resto, a principal mensagem de quem lá vive. “Partilhem”. “Contem o que se passa aqui”.
E Nihan conta: “Istambul parece mais calma agora. Mas a situação em Ancara está a piorar. O AKP [partido de Recep Tayyip Erdogan, no poder] está determinado a fazer-nos desistir e a irmos para casa, mas a multidão cresce de dia para dia. Três manifestantes morreram, milhares estão feridos devido ao gás que a polícia lança, e muitos perderam a visão. Um polícia também morreu, mas não por causa dos manifestantes; ele caiu de uma ponte. Ainda assim, Erdogan insiste que vai construir o centro comercial. Ele não entende, porque não ouve. Ele piora tudo com as palavras que diz. Agora as pessoas fazem troça dele e do seu governo nas redes sociais. Esta é a mais poderosa arma que temos e é à prova de gás lacrimogéneo: o humor. Também fazemos piadas com todas as estações de televisão que não cobrem os eventos e que promovem a censura. A CNNturk estava a passar um documentário sobre pinguins enquanto um canal norueguês estava a cobrir os protestos directamente da Praça Taksim [estamos a recolher assinaturas para que a CNN retire a sua subsidiária CNNturk]. Se vires pinguins nos ‘social media’ turcos, fica a saber que é um protesto inteligente e pacifista. Graças a eles, desenvolvemos a nossa solidariedade, sentido de humor e espírito jornalístico. Em apenas 10 dias, a juventude turca ganhou a experiência de 10 anos (aprendeu a defender-se da polícia e do gás, a evitar provocações, a defender os seus direitos e a proteger os restantes manifestantes). Mesmo os grupos rivais estão unidos contra o AKP (e contra os seus apoiantes) porque isto já não tem só a ver com as árvores de um parque, tem a ver com democracia, com o direito de representação que ele [Erdogan] nos deve. Em vez de tentar encontrar uma solução, apelidou-nos de “çapulcu” [‘saqueadores’], mas nós aceitámos a alcunha com orgulho e até já criámos um verbo com ela: “chapulling” [‘lutar pelos nossos direitos’]. Mas isto tem de terminar antes que se torne mais caótico. Erdogan está a agir como um elefante numa estreita loja de porcelanas: só provoca estragos. Ele tem o ego de um ditador. As mães estão preocupadas com os seus filhos. Há uma grande tensão na Turquia”.