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Donald Trump é mesmo um conservador?

Donald Trump está cada vez mais próximo de garantir a nomeação republicana para a Presidência dos Estados Unidos, mas em muitos pontos o seu programa é pouco conservador e afasta-se da linha central do partido.

Reuters
02 de Março de 2016 às 13:32
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"É complicado." Tal como o status das relações no Facebook, a matriz ideológica de Trump pode ser difícil de definir. Há vários motivos para o aparelho republicano não gostar de Trump, mas dois são muito claros: acham que ele não tem hipóteses de vencer a eleição geral de Novembro (o que os deixaria 12 anos afastados da Casa Branca); e consideram que Trump é demasiado liberal em vários temas.

 

Algumas caracterizações mais superficiais do milionário norte-americano apresentam-no como o mais extremista dos candidatos republicanos, mas essa classificação não corresponde à verdade. Esse epíteto faz mais sentido aplicado a Ted Cruz, o representante da ala Tea Party dos republicanos. Na realidade, tirando a política fiscal e a imigração - onde é provavelmente o candidato com ideias mais agressivas -, Trump não é muito conservador. Algumas das suas ideias são aliás mais à esquerda do que aquilo que defendem os democratas.

 

Saúde. É um tema central para os republicanos. Um dos principais legados da Presidência Obama será a sua reforma de Saúde, normalmente chamada Obamacare e que os republicanos têm feito de tudo para boicotar. Há 16 anos, Trump defendia um sistema universal de saúde, aquela que é hoje uma das principais bandeiras de Bernie Sanders. "Se não conseguimos tomar conta dos nossos doentes no nosso país, esqueçam, acabou. Quer dizer, isso não serve", admitia numa entrevista a Larry King, em 1999. "Por isso sou bastante liberal no que diz respeito aos cuidados de saúde. Acredito num sistema de saúde universal."

 

Entretanto, a sua posição aproximou-se mais das ideias republicanas, principalmente no que toca a criticar o Obamacare. Porém, ao mesmo tempo, continua a fazer críticas contundentes às seguradoras privadas e a falar dos benefícios de um sistema gerido pelo Governo. Tem sublinhado que irá substituir Obamacare por outro modelo, sem ter ainda explicado exactamente qual será.

Programas sociais. Outra diferença marcada face ao resto do campo republicano é que Donald Trump não defende cortes nos programas sociais. Considera que os gastos públicos com Segurança Social e o Medicare (sistema de saúde para quem tem mais de 65 anos) fazem parte de "honrar um acordo". "Todos os republicanos querem fazer um grande número na Segurança Social, querem fazê-lo na Medicare, querem fazê-lo na Medicaid […] Eu não vou fazê-lo." Disse que defenderia estes programas das tentativas dos republicanos para os privatizarem.

 
  1. Aborto. Mais um tema em que Trump tem flutuado, mas sempre longe das posições mais conservadoras defendidas por muitos dos seus rivais à nomeação republicana. No livro "The America We Deserve", publicado em 2000, Trump assume-se como "pró-escolha". Em 2011, disse que mudou de opinião "há anos", ao conhecer a história pessoal de um amigo, e que agora era "pró-vida" (contra o aborto). Mais recentemente, em 2015, explicou que essa posição tinha excepções, nomeadamente incesto, violação e casos em que a vida da mãe esteja em risco.

 

Em relação à Planned Parenthood - uma ONG financiada com dinheiro público e a maior prestadora de serviços de saúde relacionados com natalidade nos EUA (inclundo aborto) - Trump defende que deveria deixar de ser financiada pelo Estado, se continuar a realizar operações de interrupção voluntária da gravidez. "Sinceramente, parece uma fábrica de abortos", acusou. A instituição é das mais atacadas pelos outros candidatos republicanos, mas Trump admite que "fazem coisas boas pelas mulheres".

 

Casamento entre pessoas do mesmo sexo. Desde a última decisão do Supremo Tribunal de Justiça dos EUA, Trump diz estar resignado em relação ao casamento homossexual – "é a lei". Embora continue a defender que o casamento deve ser entre um homem e uma mulher, considera que esse tema deve ser decidido individualmente por cada estado.

 

Comércio livre. Neste campo, a diferença face ao Partido Republicano é substancial. Um partido defensor da globalização e da eliminação de restrições ao comércio pode ter como nomeado um candidato que pretende introduzir um imposto de 20% sobre todos os bens importados pelos Estados Unidos (de 45% se as mercadorias forem chinesas...), assim como um imposto de 15% para penalizar empresas que deslocalizem a sua produção. "Vamos obrigar a Apple a construir a porcaria dos seus computadores neste país em vez de noutros", afirmou em Janeiro. Medidas altamente proteccionistas, com o objectivo de proteger os postos de trabalho americanos, e que há muito deixaram de fazer parte do menu de ideias dos principais candidatos à Presidência dos EUA. Curiosamente, Bernie Sanders também é bastante crítico dos acordos de comércio livre, mas não ao ponto de propor tarifas proteccionistas deste género.

  

Política externa e defesa. É muito difícil de saber onde colocar Trump neste tema. Em algumas declarações, parece querer ser menos interventivo do que os seus rivais, noutras… nem por isso. Defende que deve ser a Rússia a lidar com o Estado Islâmico (embora já tenha dito que tem um plano para o derrotar) e que deve ser a Alemanha a lidar com a Ucrânia. Diz que Putin não tem respeito por Obama, mas que se "daria bem" com ele. Foi dos menos críticos do acordo nuclear com o Irão, mas entretanto fez críticas duras. Ao mesmo tempo, classifica a China como um "inimigo" e acha que os EUA devem lidar com a Coreia do Norte com armas nucleares. Promete expandir a dimensão das forças armadas dos Estados Unidos e quer voltar a aplicar a técnica de interrogação "waterboarding" (simulação de afogamento), classificada como tortura, e até usar "coisas muito piores".

 

Apoiou a guerra no Iraque antes de ela começar, mas logo no início mudou de posição. Hoje, até já acusou George Bush de ter mentido ao povo norte-americano, dizendo que havia armas de destruição maciça no Iraque, quando sabia que isso não era verdade.

 

Financiamento de campanhas eleitorais. Donald Trump diz estar aberto a uma reforma do modelo de financiamento que "tire o ‘grande’ dinheiro da política", uma das bandeiras dos democratas. "Alguém dá-lhes dinheiro, não que haja nada de errado, mas psicologicamente quando recorrem a essa pessoa, eles sabem que o vão fazer", afirmou em Janeiro. "Eles estão em dívida. E, já agora, assim eles poderão votar contra [os interesses] do país."

 

Neste artigo concentramo-nos essencialmente em temas em que Trump se afasta da espinha dorsal conservadora do Partido Republicano. Existem casos em que está perfeitamente alinhado, como no seu plano para a reforma fiscal, que prevê descer a taxa máxima de IRS para 25%, os impostos sobre rendimentos de capital para 20% e dos lucros das empresas para 15%. Estimativas apontam para uma perda de 12 biliões de dólares em receitas ao longo de uma década. O plano teria como consequência o reforço de 1% do rendimento das famílias mais pobres e de 17,5% dos 1% mais ricos.

 

Por outro lado, há um tema onde até vai mais longe do que o centro do seu partido: imigração. Ideias como construir um muro na fronteira com o México, deportar 11 milhões (!) de imigrantes e proibir muçulmanos de viajar para os EUA são muito agressivas. Além disso, têm o problema adicional de serem muito impopulares no grupo demográfico de maior crescimento nos EUA: os hispânicos. O que nos leva de novo a um dos principais problemas que o Partido Republicano tem com Trump: as dificuldades que poderá ter em ser eleito em Novembro.

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