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O clã dos Santos está a ser perseguido?
Isabel e Tchizé dos Santos há longos meses que não vão a Angola. À distância, Isabel dos Santos tem persistido nos ataques ao Governo de João Lourenço. Tchizé diz que não é por vontade própria que está fora do país.
Isabel dos Santos foi demitida da presidência da Sonangol em novembro de 2017 e já não vai a Angola há longos meses. José Filomeno dos Santos esteve em prisão preventiva entre 24 de setembro de 2018 e 24 de março deste ano, acusado dos crimes de associação criminosa, falsificação, tráfico de influências, burla, peculato e branqueamento de capitais, alegadamente praticados enquanto presidente do Fundo Soberano. Tchizé dos Santos está ausente de Angola há mais de três meses e José Eduardo dos Santos encontra-se em tratamento médico em Barcelona, prevendo-se o seu regresso a Luanda a 15 de maio.
Aliás, a própria deslocação de José Eduardo dos Santos para Espanha foi um sinal claro de que o antigo e o atual presidente estão de costas voltadas A 15 de abril, Eduardo dos Santos tomou a "decisão surpreendente" de voar para Barcelona num voo da TAP, preterindo a TAAG, o que causou problemas protocolares. Isso mesmo foi assumido, em comunicado, pela Casa Civil do Presidente da República angolano, no qual se referia que a "surpreendente decisão" de José Eduardo dos Santos utilizar o voo comercial da TAP, "em detrimento da própria companhia de bandeira TAAG", não respeita o protocolo, situação que levou o próprio João Lourenço a deslocar-se à residência do ex-chefe de Estado, em Luanda, para o demover da pretensão. "O Executivo lamenta profundamente tal atitude, cujas consequências não são da sua responsabilidade", concluía-se no referido comunicado.
Posteriormente, Bento dos Santos "Kangamba", membro da família, desvalorizou o sucedido assegurando à rádio Voz da América que a decisão de José Eduardo dos Santos se tinha devido apenas a um "problema de horários de ligação com Barcelona". No entanto, uma fonte próxima do ex-presidente, em declarações ao Expresso, deu uma outra versão: "O homem está profundamente magoado" devido a atitudes do atual Governo que considera serem uma perseguição.
O clã dos Santos está sob fogo cruzado? A pergunta não tem uma resposta óbvia mas as ausências do país de Isabel e Tchizé dos Santos sinalizam os seus receios. Isabel dos Santos foi alvo de um processo-crime, instaurado em abril deste ano pela Procuradoria-Geral da República, devido à sua sistemática recusa em apresentar-se neste órgão para ser ouvida no âmbito do processo que ela própria moveu contra a Sonangol.
Já Tchizé dos Santos está na mira do grupo parlamentar do MPLA, o qual lhe propôs a 7 de maio que interrompesse o seu mandato de deputada por ter ultrapassado os 90 dias que a lei permite para se ausentar da Assembleia Nacional. Numa missiva que lhe foi enviada é sugerido que peça "a suspensão provisória do mandato, podendo retomar o assento logo que cessarem as razões da ausência".
Tchizé dos Santos recusou esta proposta e garante que não está fora do país por vontade própria. "Ninguém pode ser coagido a ficar fora sob ameaça e depois ser coagido a assinar voluntariamente o pedido de suspensão", afirmou a filha do ex-presidente Eduardo dos Santos numa mensagem áudio transmitida nas redes sociais. Tchizé assegura que foi "empurrada a ficar fora do país com ameaças e intimidações". "Os meus carrascos que tirem a máscara e acabem de fazer o trabalho. Pelo menos sabemos quem é quem. Pelo menos não vencem no silêncio", desafia a deputada eleita pelas listas do MPLA.
Isabel dos Santos, por sua vez, tem estado ativa nas redes sociais, onde além de promover as empresas que controla ou onde tem participações, casos da Zap, Candando, Unitel e BFA, não se coíbe de criticar o Governo de João Lourenço.
Por exemplo, em agosto do ano passado, Isabel dos Santos questionava: "Qual o investidor que vai entrar [em Angola] se não dão autorização aos atuais investidores estrangeiros para levarem os lucros em dólares". João Lourenço, que se encontrava de visita a Alemanha, respondeu nos seguintes termos: "Eu não queria entrar em mesquinhices deste tipo para uma cidadã nacional que desencoraja o investimento para o seu próprio país. É o único comentário que tenho a fazer". Isabel dos Santos devolveu a observação através de uma observação no twitter: "Há uns que tapam o sol com a peneira, há outros que constroem abrigo para se por à sombra… e trabalham para comprar ar condicionado. Faço parte da segunda categoria".
Mais tarde, a 30 de novembro de 2018, no discurso proferido na abertura da 6.ª sessão ordinária do comité central do MPLA, João Lourenço protagonizou um discurso que encaixou, como uma luva, em Isabel dos Santos e José Filomeno dos Santos."O partido deve condenar e impedir que as empreitadas das grandes obras públicas como portos, aeroportos, centrais hidroelétricas, cimenteiras, ordenamento e gestão de cidades e outros sejam entregues a nossos filhos, familiares ou outros próximos se não obedecerem às regras e normas do concurso público, da contratação e da sã concorrência", afirmou João Lourenço.
Ora, sabendo que Isabel dos Santos teve projetos que lhe foram retirados por este Governo, como o porto de Dande e o ordenamento da cidade de Luanda, conclui-se que os exemplos dados por João Lourenço foram inspirados naquilo que considera serem as benesses dadas pelo anterior executivo de José Eduardo dos Santos à sua filha.
Mais adiante, João Lourenço fez uma descrição que assentava perfeitamente em José Filomeno dos Santos. "Se de forma pouco responsável se confiar a um jovem inexperiente a gestão de biliões de dólares americanos do país, o partido não pode ficar indiferente, tem de bater o pé perante tamanha afronta aos verdadeiros donos desses recursos, o povo angolano".
Em janeiro deste ano, numa entrevista à agência Lusa, Tchizé dos Santos considerou que a escolha da irmã Isabel para liderar a Sonangol não tinha sido a ideal. "Não faz sentido face ao interesse nacional. Não era por falta de competência, pelo contrário. É porque já temos tão poucos empresários capazes de gerar os empregos que aquela empresária gerava, para que é que havia de estar a ir para o setor público", questionava.
Mas também dava nota do seu desencanto sobre o processo de transferência do poder de José Eduardo dos Santos para João Lourenço. "Eu falo como angolana, não era a transição que nenhum dos angolanos esperava. Para mim, a transição era uma festa, um momento ímpar e havia ali uma transição extremamente pacífica e sem contradições. Entretanto, pelas declarações do ex-Presidente e do atual Presidente, há uma contradição pública, não é desejável para nenhum partido politico".
Tchizé, na altura, antecipava que as declarações pudessem penalizá-la. "Temo que, depois desta entrevista, possa chegar a Luanda e me seja instaurado um processo disciplinar dentro do partido e ser expulsa do Comité Central, por exemplo".
Já Isabel dos Santos, num debate sobre o Estado da Nação promovido pela rádio MFM, que teve lugar a 4 de maio, questionada pelo jornalista João Almeida sobre quando voltaria a Angola, não se comprometeu com uma data mas garantiu que isso aconteceria "em breve" e prometeu convidá-lo para ir à ilha de Luanda comer funge.
Um dia depois a irmã, Tchizé, publicou uma foto na sua conta do Instagram, em que ambas estão na companhia do pai, José Eduardo dos Santos, num restaurante, presumivelmente em Barcelona.
João Lourenço, em março deste ano, numa entrevista à RTP concedida antes da visita de Marcelo Rebelo de Sousa a Angola, questionado sobre os casos de Isabel dos Santos e José Filomeno Santos, negou qualquer tipo sanha persecutória em relação à família de José Eduardo dos Santos. "Se se toca em ministros, em generais, não se toca em cidadãos que – mesmo sendo filhos de quem são – não deixam de ser cidadãos comuns? Acho que a afirmação de que é uma perseguição à família do anterior Presidente não colhe".
Deste pingue-pongue de argumentos sobra uma certeza, a de que Isabel e Tchizé dos Santos estão renitentes a voltar a Angola. Terão, ou não, razões para tal?