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Despesas de representação não precisam de ser declaradas no IRS
Desde que sejam devidamente comprovadas, as despesas de representação não são consideradas rendimento para efeitos do IRS, não precisando de ser declaradas. A lei não prevê limites aos montantes.
As despesas de representação, que o primeiro-ministro admite ter recebido entre 1994 e 1999 do Centro Português para a Cooperação (CPPC) precisavam ou não de ser declaradas no IRS? E, não tendo de o ser, tinham de observar alguns limites quantitativos?
A resposta a estas dúvidas, que esta manhã foram suscitadas na Assembleia da República depois de Pedro Passos Coelho ter garantido que não recebeu qualquer "remuneração" mas admitindo que pode ser recebido "despesas de representação", depende da resposta prévia a algumas questões.
Desde logo, e para conseguir qualificar o tipo de rendimento que poderia estar em causa, é preciso esclarecer qual a relação laboral que o primeiro-ministro tinha com o CPPC, formalmente uma organização não governamental (ONG) na esfera da Tecnoforma. Passos Coelho garante que não era trabalhador desta entidade e que não recebeu qualquer salário nem tão pouco desempenhou funções executivas na mesma. "Fui presidente do conselho de fundadores de uma ONG que era participada por dois senhores que eram administradores dessa empresa, e que integravam a direcção da ONG", referiu o primeiro-ministro.
Ora, esta referência à qualidade de "presidente do conselho de fundadores" parece qualificar Pedro Passos Coelho, à altura, como um "membro de um órgão estatutário de pessoa colectiva e entidade equiparada". Isto faz com que, em termos fiscais, tudo o que auferisse da ONG fosse classificado como rendimento da categoria A – equiparado ao rendimento do trabalho dependente, explica ao Negócios o especialista em IRS Manuel Faustino.
Em segundo lugar, é preciso saber o que está em causa quando se fala em despesas de representação. "Fiz viagens e apresentei evidentemente essas despesas no CPPC, e elas foram-me evidentemente pagas nessa altura, estive em Cabo Verde, Bruxelas, a fazer outras deslocações, e não posso ser mais rigoroso que dizer: sim senhor deputado, apresentei as respectivas despesas ao CPPC", afirmou esta manhã no Parlamento o primeiro-ministro. Estarão sobretudo em causa viagens e deslocações de serviços das quais o ex-deputado do PSD terá apresentado factura.
À luz do Código do IRS, as remunerações dos membros de órgãos sociais e equiparados são considerados rendimentos da categoria A, mas as despesas de representação só são rendimento se não forem devidamente comprovadas por quem as recebeu (caso Passos Coelho fosse um mero prestador de serviços, sem vínculo à ONG, as regras relativas a estas despesas seriam outras).
Citando a lei (alínea d do número 3 do artigo 2º do código do IRS), são qualificados como rendimentos "as ajudas de custo e as importâncias auferidas pela utilização de automóvel próprio em serviço da entidade patronal, na parte em que ambas excedam os limites legais ou quando não sejam observados os pressupostos da sua atribuição aos servidores do Estado, e as verbas para despesas de deslocação, viagens ou representação de que não tenham sido prestadas contas até ao termo do exercício".
O primeiro-ministro nunca se referiu a "ajudas de custo" mas apenas ao segundo tipo de compensações: "despesas de deslocação, viagens ou representação".
As ajudas de custo têm de observar limites – se ultrapassarem um determinado patamar, os montantes passam a ser qualificados como rendimento. Nas "despesas de deslocação, viagens ou representação", não há quaisquer limites, se as despesas tiverem uma factura a comprová-las - se o serviço tiver sido prestado por terceiros. Quer isto dizer que, se, por exemplo, as despesas de deslocação forem pagas ao quilómetro por utilização de viatura própria, aí voltam a operar limites.
No quadro da informação e dos dados fornecidos pelo primeiro-ministro [sobre as despesas de representação] não estamos perante rendimentos do próprio. (…) Nunca houve no âmbito do IRS quaisquer limites para este tipo de despesas.
Dos esclarecimentos dados por Pedro Passos Coelho esta nuance não fica totalmente clara, mas o primeiro-ministro parece ter apontado para o pagamento de despesas contra facturas. Se assim tiver sido, neste caso, não há limites ao valor das despesas a apresentar.
Em síntese, diz Manuel Faustino, antigo director do IRS, e "no quadro da informação e dos dados fornecidos pelo primeiro-ministro", as despesas de representação auferidas não constituiram rendimento nem precisavam de ter sido declaradas. "Não estamos perante rendimentos do próprio", esclarece, acrescentando que "nunca houve no âmbito do IRS quaisquer limites para este tipo de despesas".
O consultor fiscal, especialista em IRS, diz que a redacção que actualmente consta da Lei sofreu apenas ligeiras alterações ao longo dos anos, pelo que, o que vigora agora era também a regra na década de 1990.
(corrige cargo de Passos Coelho no quinto parágrafo)