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Um Orçamento com mais polémica do que efeitos na economia

O Orçamento do Estado tem gerado acesos debates, pelos riscos de optimismo, pela asserção de que vira a página da austeridade, pela forma como interpreta o passado para agir sobre o futuro. João Leão, Teodora Cardoso e Daniel Bessa debateram o documento que poderá estar a gerar mais polémica do que os efeitos que virá a ter.

Miguel Baltazar/Negócios
02 de Março de 2016 às 15:50
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Daniel Bessa não concorda com o diagnóstico da crise feito pelo Governo e não perdoa que tenha travado a descida anunciada do IRC para este ano, embora considere que o Orçamento merece a hipótese de mostrar o que vale. Faremos contas no fim, parece avisar. Teodora Cardoso sublinha que o documento que está em debate no Parlamento irá conduzir a política económica nacional por pouco mais de seis meses, o que limita os efeitos possíveis sobre a economia – é também por isso que, embora identifique muitos riscos no Orçamento, considera que o maior deles é a inexistência de uma estratégia orçamental clara de médio prazo. João Leão, o secretário de Estado responsável pelo documento, assume os riscos, confia na estratégia, e promete rigor e tornar claro, na apresentação do Programa de Estabilidade em Abril, um plano de médio prazo. Estas são conclusões do debate promovido pela Ordem dos Economistas que juntou os três economistas na Fundação Gulbenkian, em Lisboa.

"Os principais riscos resultam de um horizonte muito curto para a definição da política orçamental. É preciso uma programação plurianual e avaliada no médio prazo", afirmou a Presidente do Conselho das Finanças Públicas que, esta semana, no relatório de análise ao Orçamento, já havia avisado para riscos de optimismo na receita e na capacidade de garantir poupanças. A economista sinaliza ainda que se pode estar a exagerar na polémica em torno do documento que está em apreciação no Parlamento. É que não só o mais importante, na sua leitura, é garantir a definição de uma estratégia clara de médio e longo prazo, como os efeitos deste orçamento serão relativamente limitados. "Este orçamento vai vigorar seis meses, o que significa que não pode ter um [grande] impacto na economia", afirmou, reforçando que "num cenário de médio prazo é possível ver melhor as consequências, e os orçamentos devem ser uma sequência, estando ligados a um programa de estabilidade de médio prazo".

cotacao Este orçamento vai vigorar seis meses, o que significa que não pode ter um [grande] impacto na economia Teodora Cardoso Presidente do Conselho das Finanças Públicas 

Mais dura foi a apreciação de Daniel Bessa, economista e ex-ministro da Economia, que não acredita na estratégia do Governo, em particular na enfâse que é dada à procura interna, lamentando ainda que o Executivo tenha travado a descida de IRC que estava anunciada desde o ano passado. Para Bessa o plano do PS poderá não responder às necessidades da economia e corre o risco de repetir um erro do passado: o de confiar que a economia cresce à boleia do Orçamento do Estado.

"O problema é que a economia não cresce desde 2000. E quanto menos crescia, mais as finanças públicas se expandiam. Esse diagnóstico eu não o vejo feito", afirmou, acrescentando, no entanto, que entende que deve ser dado algum espaço ao Executivo. "Tal como com as empresas, não é possível governar um país em permanente debate" explicou, acrescentando: houve um debate, "sou um perdedor" nesse debate, "e o melhor que posso fazer é calar-me". Agora temos um plano e um "conselho de administração, e várias metas assumidas": vamos implementá-lo e veremos como corre, acrescentou.

O economista também vê elementos positivos no documento. "O Orçamento tem uma escolha clara pelos pobres, como a dedução fixa por filho ou o salário mínimo. Essas escolhas estou de acordo com elas, mesmo sabendo que alguém vai ter de pagar por elas". O ex-ministro também concorda com a aposta do Governo na tributação indirecta: "Eu sou favorável à aposta na tributação indirecta em detrimento da directa, quem estava contra era a esquerda, que considerava que é regressiva. Eu até ia mais longe no IVA", defendeu.

cotacao Eu sou favorável à aposta na tributação indirecta em detrimento da directa, quem estava contra era a esquerda, que considerava que é regressiva. Eu até ia mais longe no IVA.  Daniel Bessa Economista 


Quanto à prioridade de baixar o IVA na restauração, e ao debate sobre os seus impactos no emprego e nos lucros das empresas deste sector, Bessa responde: "Não percebo nada de metafísica". João Leão, o secretário de Estado do Orçamento, falou de seguida para explicar esta que é uma das opções polémicas do Governo: a restauração faz uma utilização intensiva de mão-de-obra e tem um elevado valor acrescentando nacional, o que é importante para o crescimento da economia.

O responsável pela elaboração do Orçamento do Estado ouviu as críticas, e concordou com a importância de enquadrar o plano orçamental numa estratégia de médio prazo. Só assim se perceberá, por exemplo, o que vem a seguir à aposta na recuperação do rendimento das famílias que marca este Orçamento. Ficou prometido para o Programa de Estabilidade, a apresentar em Abril, e no qual já está a trabalhar.

Por agora, e apesar de prever uma redução do défice orçamental, João Leão continua a defender que este é um orçamento que "vira a página da austeridade" pelas escolhas que faz a afectar e a distribuir recursos: procura aumentar o rendimento disponível das famílias, sinaliza a importância de uma redução da carga fiscal, opta por aliviar a tributação directa e carregar nos impostos especiais sobre o consumo.

cotacao Havendo aposta na reposição dos rendimentos, terá de haver no primeiro ano um acompanhamento muito apertado da execução. João Leão Secretário de Estado do Orçamento 


Perante as várias críticas de riscos excessivos que têm vindo a ser apontados ao documento, o responsável pelo Orçamento responde "estamos conscientes que é um orçamento cuja execução é exigente", e garante total empenho numa execução com rigor. "Havendo aposta na reposição dos rendimentos, terá de haver no primeiro ano um acompanhamento muito apertado da execução", afirmou. Evitando admitir qualquer plano B – "devemos focar-nos neste orçamento que ainda não está aprovado", disse – o governante recordou que do acordo às esquerdas resulta que quaisquer eventuais necessidades adicionais "não afectariam o rendimento das famílias".

Defendo a sua estratégia, João Leão sublinhou ainda que o documento procura desincentivar o endividamento e as importações, e antecipa a continuação da retoma económica "mantendo um excedente externo" essencial para corrigir o endividamento externo nacional. Nesta frente, e olhando para o médio prazo, o responsável defende a importância de que os salários em Portugal cresçam em linha com a produtividade. É "importante que Portugal crie a ideia de que a médio prazo a evolução dos salários está em linha com a produtividade", defendeu.

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