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Falta informação no Orçamento. O que está em causa na nova polémica?
A oposição diz que não tem informação para analisar o Orçamento do Estado e a UTAO queixa-se de falta de transparência. O Governo garante que cumpriu a Lei, enviou mais informação e defende que há toda a informação necessária.
Que informação contém o relatório do Orçamento do Estado?
A principal falta do Orçamento é sobre informação em contabilidade pública referente a 2016, seja do lado da receita (com destaque para a receita por impostos), seja do lado da despesa. A inexistência desta informação impede uma avaliação mais detalhada da execução da receita fiscal em contabilidade pública este ano, assim como da despesa dos Ministérios e, logo, das evoluções esperadas entre 2016 e 2017.
Afinal, o que é isso de contabilidade nacional e contabilidade pública?
Antes de continuar, para se perceber a importância da confusão em torno da informação ausente do documento há alguns conceitos sobre técnica orçamental que ajudam:
Contabilidade pública e contabilidade nacional
As contas públicas são registadas em duas ópticas contabilísticas que têm fins distintos. A contabilidade pública, adopta uma lógica de entrada e saída de dinheiro dos cofres do Estado, é a considerada nos mapas orçamentais sujeitos a aprovação no Parlamento, e é sobre elas que o Tribunal de Contas fiscaliza a execução do orçamento através da análise à Conta Geral do Estado. Há uma vantagem e uma desvantagem nesta óptica: por um lado, é directa e simples: o dinheiro ou entra ou sai dos cofres, ou existe ou não existe nos serviços. É por isso mais fácil criar leis (com textos de despesa e previsões de receita como faz o Orçamento) com base na contabilidade pública. Mas, pelo lado negativo, é também mais fácil "enganar" o bom controlo orçamental: por exemplo, se criar um compromisso de despesa em que um serviço compra um bem, mas adia o seu pagamento para o ano seguinte, na óptica de caixa o dinheiro não saiu, e por isso não há despesa.
A óptica da contabilidade nacional tenta resolver os problemas da contabilidade pública, adoptando uma lógica de compromissos. Ou seja, assume o registo das despesas e receitas quando estas são comprometidas, e não quando são efectivamente pagas ou recebidas. Assim, não interessa se o dinheiro entra ou sai, mas sim se está já legalmente comprometido. Nos impostos tem ainda a particularidade de fazer alguns ajustamentos de especialização do exercício: por exemplo, como o IVA pago pelas empresas no início do ano diz respeito a actividade económica do final ano anterior, em contabilidade nacional é considerado receita do ano anterior. Esta é a lógica considerada por Bruxelas para controlar os orçamentos dos Estados-membros. As metas de défice global são também definidas em contabilidade nacional.
Administrações Públicas e subsectores
As Administrações Públicas (AP) englobam todos os organismos considerados na esfera pública e são a unidade institucional de referência para o apuramento do défice global e do famoso limite de 3% do PIB inscrito nas regras europeias.
As AP são compostas por vários subsectores: o Estado e os Serviços e Fundos Autónomos (na maioria institutos públicos) que, em conjunto, são a Administração Central; as Administrações Local e Regional; e a Segurança Social.
Que informação pedem o PSD e o CDS?
Os dois partidos consideram que o relatório do Orçamento do Estado tem uma "lacuna grave de informação básica actualizada" que torna o documento "opaco". Por isso, a 19 de Outubro, os deputados do PSD e do CDS pediram mais dados ao Governo, através de um requerimento enviado ao ministro das Finanças. O pedido solicitava as Contas das Administrações Públicas na Óptica da Contabilidade pública relativas a 2016, com os valores estimados para o ano considerando a informação mais actualizada da execução já ocorrida e os impactos e efeitos previsíveis até ao final deste ano no que se refere à estimativa para este ano de receita de impostos, por tipo de imposto, bem como às estimativas para este ano da informação desagregada da despesa por classificação económica, por subsectores e por ministérios. Ou seja, as dúvidas dos dois partidos não são em relação aos números de 2017, mas sim em relação a 2016 - ano para o qual o relatório apenas tem o que foi orçamentado, não existindo estimativas de execução. Sem estes dados, "torna-se inviável o escrutínio com o mínimo de rigor das opções de políticas constantes da proposta de Orçamento do Estado para 2017", argumentam. E dão um exemplo para mostrar a importância desta informação: "como os relatórios de execução orçamental têm evidenciado e o Governo tem reconhecido, ao longo de 2016 registam-se diferenças significativas entre os valores orçamentados e os executados". Isto acontece através dos efeitos das cativações, por exemplo. O Governo já assumiu ter cativado mais de 400 milhões de euros, para garantir o cumprimento do défice.
O que informação pede a UTAO?
A UTAO publicou uma longa lista de pedidos de informação não satisfeita, na qual se destaca a informação em contabilidade pública de 2016 que, cita no seu relatório preliminar, é obrigatória segundo a Lei de Enquadramento Orçamento:
"A opção seguida na elaboração do OE/2017 foi a de colocar como referência de base para 2016 os dados orçamentados no OE, que foram aprovados em Março, em vez da melhor estimativa, à data actual, para a execução orçamental a verificar no final do ano. Saliente-se que esta opção é contrária à Lei n.º 151/2015 de 11 de Setembro, a Lei de Enquadramento Orçamental, que determina, no âmbito do Artigo 37.º n.º 3 alínea b) relativo aos "Elementos que acompanham a proposta de lei do Orçamento do Estado", que estabelece que "O relatório a que se refere o número anterior é ainda acompanhado, pelo menos, dos seguintes elementos informativos: a) (…) b) Estimativa para o ano em curso e previsão da execução orçamental consolidada do sector das administrações públicas e por subsector, na óptica da contabilidade pública e da contabilidade nacional (…)".
Que informação enviou o Governo?
Na noite de segunda-feira, 24 de Outubro, o Governo enviou para o Parlamento informação com o objectivo de responder ao requerimento do PSD e CDS. Assim, foi enviado um quadro onde o Governo apresenta dados sobre a desagregação da receita fiscal do subsector Estado em contabilidade nacional. Este quadro contém a receita estimada por imposto (na óptica de compromisso) para 2016 e a previsão para 2017. No entanto, as Finanças não enviaram uma parte dos dados solicitados, tais como a estimativa para 2016 dos vários impostos, da despesa por ministérios e por classificação económica.
E o que argumenta o Governo?
O Governo argumenta que a apresentação de dados sobre a receita fiscal por imposto em contabilidade nacional (estimativa para 2016 e previsão para 2017) nunca tinha sido feita e permite a "compreensão da previsão de receita" que está subjacente ao défice que interessa a Bruxelas. Daí a inclusão desta informação, que nunca tinha sido incluída em relatórios anteriores, justificam as Finanças. Além disso, o Governo explica que "entendeu apresentar todos os mapas que permitem uma comparação de dados equivalentes" e defende que "as estimativas obtidas em contabilidade pública nesta fase da execução orçamental do ano em curso têm uma margem de erro assinalável".
Centeno recorre ao ano de 2014 para justificar o facto de não acrescentar informação sobre estimativas de execução para 2016 quanto à despesa e receita em contabilidade pública. "A estimativa constante do relatório que acompanhou a proposta de lei do Orçamento do Estado para 2014 não permite uma análise rigorosa, considerando-se profundamente desfasada da que se veio a verificar, pelo que a sua utilidade será reduzida", lê-se na resposta. O Ministério acompanha esta explicação com o quadro que mostra que a despesa executada por Ministério em 2014 (e presente na Conta Geral do Estado de 2014) ficou 1.613 milhões de euros abaixo do valor estimado para 2014 (que constava no relatório do Orçamento do Estado para 2015).
Porque é importante a informação em contabilidade pública da despesa Ministério em 2016?
E isto vai ficar por aqui?
Parece que não. Na manhã de terça-feira, 25 de Outubro, o ministro das Finanças voltou atrás, numa carta enviada para a Assembleia, garantiu que a informação em causa, pedida pela UTAO e pelos grupos parlamentares, "está a ser preparada pelos serviços do Ministério". Na carta, Mário Centeno diz que, "tendo em vista um eficiente e produtivo debate sobre as opções do Governo, expressas na proposta de Orçamento do Estado para 2017, muito agradeço que V. Ex.ª diligencie nova audição do senhor ministro das Finanças na comissão parlamentar competente em razão da matéria para apreciação da informação que se disponibilizará, em momento posterior à sua remessa à Assembleia da República", lê-se na carta assinada pelo chefe de gabinete do ministro.
(Notícia actualizada às 14:06 com informação sobre nova carta do ministro das Finanças)