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Orçamento para 2016: Imprudência ou boa política económica?
O ministro das Finanças desvaloriza as críticas de optimismo e imprudência e contra-ataca: o orçamento irá impulsionar a economia e tornar o seu modelo mais saudável. Nas próximas adivinha-se um intenso debate.
Ainda não tinham sido tornadas públicas, e já as previsões económicas do Governo para este ano tinham o rótulo de "pouco prudentes" e "arriscadas". Confiam demasiado no consumo e no investimento e podem ser optimistas ao achar que as importações vão desacelerar - o que, a confirmar-se, comprometeria as metas de crescimento que, por sua vez, teria efeitos sobre a receita fiscal, as contribuições sociais, o emprego, e as metas orçamentais.
O ministro das Finanças não só recusa estar a ser optimista nas previsões de crescimento, como até as considera conservadoras: no crescimento das exportações e na dependência do consumo privado para impulsionar a recuperação económica. Atira ainda aos críticos que as principais medidas que adopta, em particular a devolução de salários e a redução IRS, compensadas por um aumento de tributação indirecta (Selo, Tabaco e ISP) e "contenção orçamental" vão "criar o espaço para concretizar o potencial de crescimento económico" português.
A perspectiva de Mário Centeno foi apresentada no esboço orçamental entregue em Bruxelas sexta-feira, dia 22 de Janeiro, e respondeu às críticas que lhe foram dirigidas pelo Conselho das Finanças Públicas, que considerou que o cenário macroeconómico é arriscado, imprudente face à fragilidade financeira do país, e coloca em causa a competitividade da economia.
"As previsões contidas no cenário, não sendo em absoluto implausíveis no curto prazo a que respeitam, não só não dissipam como acentuam a incerteza relativa às suas consequências de médio prazo, em particular no que se refere às evoluções dos preços, do investimento e da contribuição do exterior para o crescimento" lê-se no documento do CFP, que considera que as previsões são "pouco prudentes" e "apresentam riscos relevantes".
O Governo discorda. Todas as previsões têm riscos, defendeu o ministro, para depois minimizar cada um deles.
As exportações até crescem menos que em 2015 ("uma projecção bastante cautelosa", defende); a aceleração da inflação (que ajuda às receitas fiscais) replica a evolução antecipada por instituições internacionais, nomeadamente o BCE para a Zona Euro; o investimento beneficiará do esforço do Estado e da aceleração da execução dos fundos comunitários; e os aumentos salariais (para funcionários públicos e aumento do salário mínimo) serão tais que os custos unitários do trabalho (uma comum medida de competitividade internacional) ficarão "alinhados com os dos nossos parceiros comerciais", defendeu Mário Centeno.
O economista defende ainda as virtudes das políticas agora apresentadas, dizendo que o aumento de 50% do imposto de selo sobre o crédito ao consumo e do imposto sobre produtos petrolíferos (5 cêntimos na gasolina e 4 cêntimos no gasóleo), juntamente com a reposição de rendimentos, promovem "um estímulo de crescimento mais saudável do ponto de vista económico e ambiental".
A tese do governo é a de que as políticas de austeridade dos últimos anos estão a amarrar o potencial da economia. É por isso preciso devolver rendimentos, baixar a carga fiscal, sobre empresas e famílias, e promover o investimento público e privado. Este é "um exercício orçamental que coloca o Estado e as forças das Administração Pública ao serviço desse crescimento económico", rematou.
Ineficiências e gorduras de volta à ribalta
Se o teste final à credibilidade da estratégia do governo só se conhecerá daqui a um ano, quando for possível começar a vislumbrar os efeitos das medidas agora decididas, as próximas duas a três semanas darão sinais importantes sobre a qualidade do orçamento que será entregue no Parlamento a 5 de Fevereiro. A Comissão Europeia avaliará o documento nas próximas duas semanas. E a troika, que aterra em Lisboa no dia 27, deverá emitir uma avaliação até ao início de Fevereiro.
Entre os temas mais polémicos, estão a credibilidade das projecções macroeconómicas colocada em causa pelo Conselho das Finanças Públicas, e a sustentabilidade da estratégia estimular orçamentalmente o crescimento, o que tem levantado dúvidas entre as instituições da troika, mas também entre observadores nacionais, como o núcleo de estudos económicos da Universidade Católica, que avisa para o risco de se gerar desconfiança entre os investidores.
O Governo responde que as suas previsões que apontam para uma melhoria do saldo externo de 1,8% do PIB para 2,2%, o que significa que, como um todo, não precisa de se endividar ao estrangeiro e pode até pagar dívida acumulada. Acrescenta ainda que a dívida pública baixará pelo segundo ano consecutivo, e que embora estejamos num "momento económico e financeiro que nos deve manter alerta", as últimas colocações de dívida pública mostram que "os mercados acreditam na estratégia deste governo", defendeu Mário Centeno.
O cepticismo dos observadores não se concentrará apenas na frente macroeconómica. As promessas de consolidação orçamental também poderão ser visadas: para financiar os 1.300 milhões de euros de estímulos (mil milhões dos quais através de devolução de rendimentos) o Governo conta poupar 600 milhões de euros em gorduras e outras ineficiências, uma meta elevada e um tipo de promessa que outros executivos já fizeram no passado gerando desconfiança, nomeadamente na Comissão Europeia.
Esta contenção é essencial para garantir uma redução do défice orçamental de 3% do PIB (sem efeito Banif) para 2,6% do PIB em 2016, o qual deverá garantir um ajustamento do saldo orçamental estrutural (o que desconta o efeito do ciclo económico) de duas décimas, o que no esboço orçamental é descrito como uma "redução do défice de forma sustentável, promovendo a actividade económica e a criação de emprego". Segundo o Executivo a taxa de desemprego baixará de 12,3% para 11,1%, ficando ao nível mais baixo desde 2010.
O principal problema nesta frente é que a redução de 0,2 pontos percentuais em termos estruturais não cumpre a recomendação de um ajustamento de 0,6 pontos que foi dirigida ao país pela União Europeia em Junho do ano passado, nem o ajustamento mínimo de 0,5 pontos definido nos tratados. A Comissão Europeia tem vindo a revelar alguma flexibilidade quanto às metas de outros países, e essa parece ser a aposta de António Costa, que quer agradar a Bruxelas e aos partidos à sua esquerda, confiante que no meio é que está virtude.