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E se seguíssemos os conselhos de Costa? O que acontecia ao défice público?

António Costa recomendou: deixem de fumar, andem mais de transportes públicos e usem menos crédito. Fomos ver os efeitos directos no Orçamento do Estado de 2016 se esses conselhos fossem seguidos, pelo menos moderadamente.

Erid Vidal/Reuters
09 de Fevereiro de 2016 às 17:30
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Deixar de fumar e andar mais de transportes públicos, só estes dois conselhos do primeiro-ministro, abriam um "buraco" orçamental que levaria o défice público para valores superiores a 3% do PIB. Mesmo que numa remota hipótese o Governo desfizesse algumas das suas medidas emblemáticas, como a reposição dos salários da função pública e a sobretexa, o dinheiro era insuficiente para compensar o que se perdia em receitas fiscais seguindo os conselhos de António Costa.


Esta é uma viagem aos efeitos directos no Orçamento do Estado das recomendações que António Costa fez no Porto num encontro com socialistas no sábado dia 6 de Fevereiro.  

 

Os efeitos de "fumem menos"

De acordo com a proposta de Orçamento do Estado, as receitas fiscais com o imposto sobre o tabaco deverão aumentar 22% para 1.514,3 milhões de euros este ano, mais 272,9 milhões de euros. É o reflexo da subida dos impostos que se deverão traduzir num agravamento médio de sete cêntimos no preço dos cigarros. Os charutos sobem ainda mais.

O que acontecia se todos os portugueses deixassem de fumar? Nesse caso extremo desaparecia toda esta receita dos cofres do Estado, o equivalente a 0,8% do PIB. Só com esse efeito, o défice público (sem as complicações dos debates estruturais) subia de 2,2% para 3% do PIB.

Mas vamos admitir que António Costa exagerou e quis apenas dizer que se fumasse menos. O que poderia ser fumar menos? Vamos admitir que quem fuma reduzia em 25% o seu consumo e numa regra três simples chegamos ao efeito na receita fiscal.

Se cada pessoa cortasse um cigarro em quatro, a receita com o imposto sobre o tabaco caia quase 379 milhões de euros e o défice público passava de 2,2% para 2,4%. Um agravamento de 0,2 pontos percentuais. E estamos a avaliar apenas os efeitos directos, porque fumar menos afectaria também a actividade de empresas como a Tabaqueira.


E se andássemos mais de transportes públicos?

Uma outra recomendação do primeiro-ministro foi: usem mais os transportes públicos. Seguir este conselho significa afectar directamente, pelo menos, as receitas do ISP (Imposto sobre Produtos Petrolíferos). Mas poderia igualmente levar à descida de outras receitas associadas aos impactos do Orçamento no automóvel. Por exemplo, levado ao extremo, este conselho poderia levar algumas pessoas a reequacionar a sua "frota automóvel". Nesse cenário extremo, em que se desistia de andar de carro, existiriam efeitos:

-  no IUC, mais conhecido como selo do carro, onde o Governo prevê uma arrecadação adicional de 24,9 milhões de euros, passando de 286,3 milhões em 2015 para 311,2 milhões em 2016.

- no ISV, Imposto sobre Veículos, que tem na proposta de Orçamento uma receita de 660,6 milhões de euros, mais 87,2 milhões do que a arrecadação de 2015.

- no ISP, Imposto sobre Produtos Petrolíferos, que se prevê que garanta uma receita fiscal de 3,4 mil milhões de euros, mais cerca de 1,2 mil milhões de euros do que em 2015 (a subida é de 20,8%).

Mas como o primeiro-ministro recomendou andem menos de carro vamos admitir que se seguia apenas esse conselho. Ou seja, os portugueses não mudavam nada do que fazem ou previam em matéria de automóveis – mantinham o mesmo número de carros, compravam carro novo se assim estava planeado. Andavam apenas menos de carro, o que limita os efeitos directos ao ISP.

Vamos admitir que "andar menos" significava cortar 25% das viagens de carro durante o ano, que era hábito fazer. A receita do ISP diminuiria então dos 3,4 mil milhões previstos no Orçamento para cerca de 2,6 mil milhões de euros. Menos 858 milhões de euros de receita fiscal, por andar menos de carro, correspondem a quase 0,5% do PIB. O défice público por andar menos de carro, cortando apenas uma em cada quatro de viagens, passaria de 2,2% para 2,7% do PIB.

Este agravamento do défice público por cortar apenas 25% das viagens de carro, poupando combustível e assim, também ISP, estima apenas os efeitos directos. Porque andar menos de carro significaria também menos IVA e menos receitas de portagens nas auto-estradas com efeitos nos encargos do Estado com as PPP. Ou seja, o impacto no défice público seria superior a 0,5% do PIB.

Menos crédito, menos imposto de selo

Moderem o recurso ao crédito, recomendou também António Costa. A proposta de Orçamento do Estado para 2016 prevê que o imposto de selo sobre o crédito ao consumo se agrave em 50% de forma a desincentivar o endividamento, numa medida que é temporária.

O efeito de seguir esta recomendação é o mais difícil de medir mas será também o que tem menos impacto. 
A proposta de Orçamento do Estado prevê arrecadar 1.375,7 milhões de euros com o imposto do selo, mais 38,3 milhões de euros do que em 2015. Vamos neste caso admitir que a receita ficava igual à de 2015 como efeito de recorrer menos ao crédito.

O impacto no défice público seria mínimo, menos 0,02 pontos percentuais. Vamos por isso deixar esta recomendação de lado, embora nas negociações com Bruxelas todas as décimas sejam importantes, como já vimos no passado, quando variações mínimas no PIB podiam fazer a diferença (não esquecer que se o défice ficar em 2,96% arredonda para 3%, se ficar em 2,94% arredonda para 2,9%).

Qual seria então o défice de #conselhosdocosta?

Seguindo uma versão moderada das recomendações que o primeiro-ministro António Costa fez no encontro com socialistas no Porto, sábado 6 de Fevereiro, o défice público ficaria ainda abaixo dos 3%. Se todos os portugueses deixassem de fumar já não seria assim, o défice ultrapassava a barreira dos 3%.

Juntando o efeito de fumar menos com andar menos de carro, na hipótese de se cortar em 25% esses gastos, o défice público passaria de 2,2% do PIB para 2,9%, mesmo no limite dos 3% do PIB em termos nominais. Caso os portugueses deixassem mesmo de fumar, como foi a recomendação original de António Costa, ao desaparecer toda a receita do imposto sobre o tabaco (que vale cerca de 0,8% do PIIB), o défice público atingia, pelo menos os 3,5% do PIB.

Em qualquer um dos cenários, agravava-se o défice estrutural – aquele complicado número para o qual olha Bruxelas. Ou o Governo teria de dizer que os portugueses só tinham fumado menos, andado menos de carro e usado menos crédito de forma temporária. Mais tarde tudo voltaria ao mesmo.

Os #conselhosdocosta além de "hashtag" também já tem uma página no Facebook. Levados à letra criariam um grande buraco orçamental.

Seguidos de forma moderada, com os portugueses a pouparem 25% no tabaco e a andar de carros, os conselhos do primeiro-ministro traduzem-se numa quebra directa de receita da ordem dos 1.200 milhões de euros. Que medidas valem esse dinheiro? Para tapar esse buraco era insuficiente desfazer a reposição salarial (447 milhões de euros), a devolução da sobretaxa de IRS (430 milhões de euros) e o IVA da restauração (175 milhões). Estas três medidas apenas melhoravam o défice em cerca de mil milhões de euros. Ainda era preciso arranjar mais perto de 200 milhões de euros.


Os efeitos de #conselhosdocosta avaliados de forma apenas directa e na sua versão moderada criavam um sério problema ao Governo.

 

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