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Como funciona e como vai disparar a bazuca proposta por Bruxelas?

A Comissão Europeia apresentou, na quarta-feira, as propostas para o temporário fundo de recuperação económica da União Europeia e para o próximo orçamento de longo prazo, que se juntam ao pacote já aprovado pelo Eurogrupo para um poder de fogo acumulado de 2,39 biliões de euros.

30 de Maio de 2020 às 15:00
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O que propôs Bruxelas para a recuperação da União Europeia?
A instituição liderada por Ursula von der Leyen propõe que a própria Comissão Europeia recorra aos mercados para emitir 750 mil milhões de euros de dívida conjunta europeia, dois terços (500 mil milhões) a distribuir pelos Estados-membros através de subvenções a fundo perdido e o restante terço (250 mil milhões) a título de empréstimos.

Além deste fundo de recuperação temporário, batizado de "Próxima Geração UE", Bruxelas avançou uma nova proposta para o próximo quadro financeiro plurianual (QFP) de 1,1 biliões de euros para os próximos sete anos (2021-27).

A estes montantes acresce ainda o pacote de 540 mil milhões de euros já acordado no Eurogrupo (proteção imediata aos países, empresas e emprego) para um montante global de 2,4 biliões de euros com que Bruxelas pretende conferir capacidade de reação à crise da covid-19 e robustecer o mercado único, sem esquecer as dimensões da coesão e solidariedade (partilha de riscos). Note-se que além deste poder de fogo há ainda a bazuca de 750 mil milhões de euros que o Banco Central Europeu colocou em ação para comprar dívida pública dos países da Zona Euro.
Como vai ser usado o fundo de recuperação?
Os meios financeiros do "Próxima Geração UE" vão ser distribuídos com base em três pilares.

1- O primeiro diz respeito a investimentos e apoios a reformas e tem como principal vetor o Mecanismo de Recuperação e Resiliência, que recebe a maior fatia (560 mil milhões de euros) e que pode assegurar um máximo de 310 mil milhões em subvenções e até 250 mil milhões em empréstimos.

Há ainda a iniciativa React-EU (55 mil milhões de euros) para apoio adicional à política de coesão, até 2022, segundo critérios como o impacto económico e social da crise e os efeitos ao nível do desemprego; o Fundo de Transição Justa (reforçado em 32,5 mil milhões de euros para 40 mil milhões de euros), que visa apoiar a transição para uma economia neutra em carbono; e o Fundo Europeu de Desenvolvimento Rural, que recebe mais 15 mil milhões de euros para apoiar transformações estruturais das zonas rurais, segundo as prioridades do Green Deal.

2- O segundo pilar prende-se com apoios ao setor privado. É criado o novo Instrumento de Apoio à Solvência de empresas viáveis e situadas nas zonas mais atingidas pela pandemia, que recebe 31 mil milhões de euros e que deverá ser capaz de mobilizar 300 mil milhões de euros (seguindo a lógica presente no Plano Juncker). O InvestEU será melhorado e terá 15,3 mil milhões de euros para mobilizar investimento privado e surge ainda um novo Mecanismo de Investimento Estratégico com 15 mil milhões de euros para reforçar a autonomia das cadeias de abastecimento europeias.

3- O dinheiro remanescente será distribuído em menores parcelas por vários programas destinados a dotar a UE de maior capacidade de resposta perante eventuais crises futuras: O novo programa de saúde EU4Health (9,4 mil milhões de euros); o Mecanismo de Proteção Civil recebe um reforço de 2 mil milhões de euros; o Horizonte Europa terá uma dotação de 94,4 mil milhões de euros para investigação na área da saúde e transições verde e digital; e a ação externa da UE, em especial a ajuda humanitária, recebe 16,5 mil milhões de euros adicionais.

Como funcionará o Mecanismo de Recuperação e Resiliência?
Este instrumento recebe a fatia de leão do fundo de retoma e visa assegurar apoio financeiro, promover investimentos que permitam tornar as economias mais resilientes e apoiar os processos de transição ambiental e de digitalização da economia.

Os 310 mil milhões de subvenções e os 250 mil milhões de empréstimos serão sobretudo alocados aos Estados-membros mais atingidos e fragilizados pela crise da covid-19, tendo os beneficiários de seguir reformas em linha com as recomendações específicas por país saída do Semestre Europeu e tendo em conta as prioridades políticas de Bruxelas (transição verde, digital e mercado único). Os países terão de delinear planos nacionais onde estejam incluídos programas de reformas e de investimentos coerentes entre si para os quatro anos seguintes.

Como é que o fundo de recuperação será repartido?
Os envelopes financeiros serão repartidos pelos países mediante uma ponderação que terá em conta a economia de cada Estado-membro, o respetivo PIB per capita, a taxa de desemprego e o nível da dívida face ao produto. Deste modo, serão especialmente ajudados os países mais afetados pelo surto, sem negligenciar as circunstâncias económicas e orçamentais dos mesmos antes da pandemia.

Ou seja, os Estados com economias mais frágeis e mais endividados – 50% para o grupo de países com níveis abaixo da média europeia e com dívidas elevadas; 25% para os Estados que mesmo tendo níveis inferiores à média não detêm dívidas demasiado altas; e 25% para o conjunto de países com PIB per capita acima da média.

De acordo com a chave de distribuição já revelada pela Comissão, Portugal poderá arrecadar 26,3 mil milhões de euros (15,5 mil milhões em subsídios e 10,8 mil milhões em empréstimos), sendo o oitavo maior beneficiário. Itália e Espanha recebem os maiores envelopes por serem os dois países mais fustigados pela pandemia. Roma poderá receber 172,7 mil milhões de euros e Madrid 140,4 mil milhões de euros.

Como vai a Comissão buscar 750 mil milhões aos mercados?
Tirando partido da notação financeira máxima de AAA, a Comissão Europeia pretende, numa decisão sem precedentes, emitir dívida europeia conjunta em larga escala, dinheiro que pretende reembolsar a longo prazo, entre 2028 e 2058.

Para o conseguir terá de assegurar garantias reforçadas e, nesse sentido, propõe elevar temporariamente o limite máximo dos recursos próprios – o chamado "headroom" - para 2% do rendimento nacional bruto (RNB) da UE, um aumento face ao limite de 1,2% do orçamento de longo prazo ainda em vigor. Bruxelas estima ter de pagar 17,4 mil milhões de euros em juros relativos ao crédito e prevê pagá-los com recurso a meios do próximo QFP.

E como vai reembolsar esses 750 mil milhões de euros?
A via preferencial para arrecadar dinheiro para o reembolso passa pelo aumento dos recursos próprios da UE, leia-se novos impostos e taxas: Taxar as gigantes do setor digital; taxar as emissões dos setores da aviação e marítimo; criar um imposto sobre o uso de plásticos não recicláveis; aplicar um imposto extraordinário sobre as operações das grandes empresas que mais tiram partido da atuação no mercado único; e uma nova taxa sobre carbono.

Em alternativa, Bruxelas apresenta outras duas vias, designadamente o aumento das contribuições nacionais futuras dos Estados-membros para o orçamento comunitário ou cortes nos programas e fundos estruturais posteriores ao próximo QFP.

A nova proposta de QFP já não comporta cortes na coesão?
Ursula von der Leyen atualizou em baixa a proposta para o novo QFP, que passa dos 1,135 biliões de euros que a Comissão propôs em maio de 2018 para 1,1 biliões de euros. Ainda assim assegura um ligeiro reforço comparativamente com os 1,082 biliões de euros (preços de 2018) do orçamento em vigor a 27 (se retirada a contribuição do Reino Unido).

O montante proposto para o QFP traduz-se em cortes na coesão, os mesmos que levaram países como Portugal – os chamados "amigos da coesão" - a rejeitar a proposta inicial de Bruxelas, porém reforça a dotação para a política agrícola comum (PAC). De acordo com a nova proposta, são alocados 323 mil milhões de euros para as políticas de coesão, o que configura um corte de 10% face ao atual quadro. 

Todavia, o fundo de recuperação tem como um dos eixos centrais a aposta na coesão e na convergência, o que permite mais do que compensar os cortes relativamente ao atual orçamento comunitário, um argumento para tentar assegurar unanimidade no Conselho e a aprovação pelo Parlamento Europeu.

Por outro lado, ao não implicar um reforço das contribuições nacionais, a proposta de QFP não deverá suscitar objeções aos países "frugais", que rejeitam incrementar as transferências para o orçamento comum.

Seja como for, dado que o QFP em vigor termina no final de 2020 e já não dispõe dos meios necessários a uma resposta imediata e eficaz à crise, a Comissão pretende aprovar uma emenda ao atual quadro para, desde já, colocar à disposição 11,5 mil milhões de euros.

Esta proposta será suficiente para convencer os "frugais"?
Além de propor um QFP que não agrava as contribuições nacionais, Von der Leyen tenta convencer os Países Baixos, a Áustria, a Suécia e a Dinamarca argumentando que a emissão de dívida conjunta não representa uma mutualização de dívida nem se aproxima de uma união de transferências orçamentais, premissas que aqueles países rejeitam.

A líder da Comissão argumenta que o fundo de recuperação vai apoiar os países em proporção da percentagem com que cada um contribui para o orçamento comum (assim assegurando que os mais ricos não terão de financiar os mais pobres, que o norte não paga os gastos do sul).

E acrescenta que se trata de um instrumento "temporário" e de "emergência", logo irrepetível."[Esta emissão de dívida] é uma única vez, isto é excecional", diz sublinhando que os apoios serão concedidos em função de planos de reformas prescritos pelo Semestre Europeu e destinados a fortalecer o mercado único de que todos tiram vantagens, em particular a Alemanha e... os Países Baixos.
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