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Nova coligação alemã agita bandeira dos "Estados Unidos da Europa"
O acordo de governação na Alemanha, que entrega as finanças e a diplomacia ao centro-esquerda, rasga sorrisos no sul da Europa contestatário da disciplina orçamental de Berlim e estende a mão aos planos de Macron para reformar a Europa.
O reforço da influência do SPD no novo governo de coligação na Alemanha, ficando inclusive os sociais-democratas a comandar os Ministérios das Finanças e dos Negócios Estrangeiros, pode dar um novo impulso ao processo de integração europeia e contribuir para que a Zona Euro adopte um tom mais conciliador em relação aos países mais pobres da moeda única, como Portugal.
Embora os analistas não acreditem no abandono do conservadorismo alemão em matérias orçamentais – e Angela Merkel já frisou que "as finanças sólidas são a assinatura" do futuro Executivo de Berlim, esta nova configuração de poder rasga alguns sorrisos no sul da Europa que contestou a disciplina imposta nos últimos oito anos por Berlim. E estende uma mão germânica aos ambiciosos planos de Emmanuel Macron para reformar a União Europeia.
"Não subestimem o impacto do SPD ficar com o influente Ministério das Finanças. Isto marca uma enorme mudança em relação às políticas de Wolfgang Schäuble no que toca à integração europeia e à transferência de riscos para os países periféricos", apontou Joerg Kraemer, economista-chefe do Commerzbank. Citado pela Reuters, o director da consultora Teneo Intelligence destacou a dimensão "simbólica" e que "a linguagem vai ser diferente – e a linguagem pode fazer a diferença, especificamente em França". E na substância? Isso "é outra conversa", respondeu Casten Nickel.
Se Schäuble apostou em políticas de contenção orçamental e induziu a sua adopção na Zona Euro, o líder do SPD e a chanceler alemã partiram para as conversas formais com um documento que admitia a necessidade de a Alemanha desembolsar mais dinheiro para o projecto europeu. Uma ideia já próxima, por exemplo, do orçamento para a Zona Euro pedido pelo presidente francês para ajudar os países a enfrentar choques económicos externos. O acordo agora alcançado, que pode favorecer a agenda de Mário Centeno na liderança do Eurogrupo, aliando metas de consolidação e crescimento inclusivo, mereceu a aprovação imediata do comissário francês Pierre Moscovici.
Accord de coalition en #Allemagne: une bonne nouvelle aussi pour l'#Europe! J'ai le plus grand respect pour l'état d'esprit constructif de mes amis du @spdde
— Pierre Moscovici (@pierremoscovici) February 7, 2018
Nas declarações que selaram este acordo, Merkel admitiu que a ala conservadora interna "não vai ficar feliz com a decisão de entregar o Ministério das Finanças" ao SPD, que nas eleições de Setembro obteve apenas 20,5% dos votos, o pior resultado desde a Segunda Guerra. Já Schulz, que recentemente falou na criação dos "Estados Unidos da Europa" e na concretização desse plano federalista até 2025 (inclusive com a saída dos Estados-membros discordantes desse caminho), sustentou que "a Alemanha vai voltar ter um papel activo e liderante" em Bruxelas. Prometendo "uma mudança de direcção fundamental para a Europa" com este entendimento, que ainda tem de submeter à votação dos militantes do partido, a 4 de Março.
Em meados de Janeiro, os líderes dos dois maiores partidos alemães sinalizaram uma primeira resposta ao repto lançado por Paris em Setembro de 2017. Não acompanham o nível de ambição de Macron – com propostas que implicam uma "refundação" da UE e medidas que vão da defesa e políticas de asilo comuns à criação de uma taxa sobre as transacções financeiras para apoiar os países mais pobres. Porém, disponibilizavam-se para um orçamento comum que financie despesas de investimento na Europa ou para a criação de uma espécie de Fundo Monetário Europeu a partir da estrutura já existente do Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE).
O que pensa o novo ministro das Finanças?
Em oito dos 12 anos que já passou na chancelaria, Merkel governou em coligação com o SPD. Todavia, enquanto nos anteriores mandatos os sociais-democratas se resignaram a um papel secundário, incapazes de interferir nas grandes decisões económicas e de política europeia, desta vez preparam-se para assumir outro protagonismo. O escolhido é o social-democrata Olaf Scholz, 59 anos, que foi ministro do Trabalho no governo de bloco central, entre 2007 e 2009, e que integrou a equipa negocial deste acordo, anunciado pelo próprio nas redes sociais.
Definido pelo especialista em políticas europeias do The Wall Street Journal, Marcus Walker, como "um centrista pragmático", o actual presidente da Câmara de Hamburgo, no cargo desde Março de 2011, "mais provavelmente irá partilhar, do que desafiar, a política cautelosa de Merkel sobre a Europa". Ainda assim, este crítico interno de Schulz depois da hecatombe eleitoral de Setembro, com pouca experiência nos palcos europeus, tem partilhado da visão europeísta do líder do partido e no final de 2017 dramatizou que a Alemanha precisava de dar uma resposta urgente às propostas de Macron.
"A União Europeia não é apenas uma união aduaneira. Deve desenvolver políticas conjuntas na área dos assuntos externos e da segurança, da imigração, das finanças e da economia. E estas políticas devem ser diferentes daquelas praticadas pela chanceler [Merkel], que deixa muitas coisas por dizer e que fecha acordos à porta fechada em Bruxelas a meio da noite", criticou Olaf Scholz numa entrevista ao jornal Die Welt, publicada em Dezembro. O jurista detalhou ainda que a Alemanha precisa de ser "mais audaz" e tem de "afirmar claramente o que [está] a planear fazer no plano das políticas europeias".