Notícia
Vídeo-árbitro vem aí mas não vai resolver tudo
Depois da estreia na final da Taça de Portugal, o vídeo-árbitro vai começar a ser utilizado de forma regular no campeonato português a partir de domingo. O objectivo é acabar com os erros grosseiros... mas o melhor é gerir as expectativas, aconselha o ex-árbitro Duarte Gomes.
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Golos
O protocolo do vídeo-árbitro define que todos os golos vão ser passados a pente fino antes de serem validados, o que vai acrescentar um grau de incerteza sempre que a bola fizer balançar as redes. Se, por exemplo, se detectar que existiu uma falta no início da jogada que dá o golo, ou se o marcador do golo estiver em fora-de-jogo, o vídeo-árbitro dará essa indicação ao árbitro principal, que assim decidirá validar ou não o lance.
Penáltis
O vídeo-árbitro também pode intervir em lances de pontapé de penálti. O objectivo é verificar se a grande penalidade foi bem marcada - "se for uma simulação clara, a decisão de penálti será revogada", explicou o ex-árbitro José Ferreira em Maio. O vídeo-árbitro também pode intervir se tiver existido falta para pontapé de penálti que não tenha sido assinalado ou caso a falta tenha ocorrido fora da grande área, tendo o árbitro apontado para os nove metros - e vice-versa.
Cartões vermelhos
Os cartões vermelhos também estarão sob escrutínio do vídeo-árbitro, mas apenas os directos - vermelhos por acumulação não. Terá de informar o árbitro principal caso um vermelho directo tenha sido mal exibido, caso tenha ocorrido uma falta para expulsão sem que o árbitro a tenha visto - como uma agressão - ou em qualquer outra situação merecedora de vermelho directo. Caso real: a agressão de Samaris (Benfica) a Diego Ivo (Moreirense).
Identidades trocadas
Finalmente, o vídeo-árbitro pode interferir no jogo para avisar o árbitro quando este identificar um jogador de forma errada, para que o juiz corrija o erro. Por exemplo, caso o árbitro se engane a mostrar um cartão amarelo ou caso assinale uma infracção que não ocorreu. Um exemplo: na final do Euro 2016, Portugal beneficiou de um livre perigoso por mão na bola de um defesa francês - mas a bola foi à mão de Eder. O vídeo-árbitro teria dado essa indicação ao juiz.
Depois de uma temporada futebolística em que as arbitragens estiveram no centro do debate em Portugal - em especial devido aos erros que beneficiaram o campeão Benfica, a Federação Portuguesa de Futebol (FPF) decidiu não perder tempo e antecipou a implementação do sistema de vídeo-árbitro nos 306 jogos da temporada 2017/2018 da Primeira Liga de futebol. Trata-se de um sistema que ainda está em teste - vai agora cumprir-se o segundo de dois anos de experiências, até se decidir se a tecnologia será implementada - e que já foi utilizado, com resultados não totalmente satisfatórios, na Taça das Confederações.
Os golos passarão a ser analisados desde o início da jogada que lhes dá origem. E serão anulados caso haja faltas.
Numa formação para jornalistas sobre esta nova tecnologia, igualmente em Maio, o ex-árbitro João Ferreira assumiu que o objectivo do vídeo-árbitro é apenas acabar com os erros grosseiros, mas não com todos os erros. "Os erros de interpretação não vão acabar", até porque "situações de dúvida não são erros claros". "Não poderemos pensar que vamos acabar com os erros", assinalou. Por isso, o vídeo-árbitro só poderá intervir no jogo quando houver golos, quando forem exibidos cartões vermelhos directos, quando houver penáltis ou se o árbitro se enganar em algum jogador.
Em entrevista ao Record, publicada esta quinta-feira, o director técnico da International Football Association Board (IFAB), David Elleray, que é responsável pela implementação desta tecnologia, vai um pouco mais além e diz que "o maior desafio" será "definir o que é um erro claro". "Um erro claro é quando pelo menos 90% das pessoas concordam que foi um erro. Se a dúvida é de 50-50, de 60-40 ou 70-30, não é um erro claro." O que deixa um grande conjunto de lances "em zonas cinzentas" fora do âmbito do vídeo-árbitro.
Vamos a erros claros. Na Taça das Confederações, dois lances saltam à vista. No jogo entre Portugal e o Chile, já no final do prolongamento, José Fonte pisa o pé de Vargas dentro da grande área. É um lance em que não há dúvidas: tem de ser marcado pontapé de penálti. Outro, talvez ainda mais clamoroso: o chileno Gonzalo Jara dá uma cotovelada no alemão Werner. Depois de alertado pelo vídeo-árbitro, e de rever o lance no monitor junto ao relvado, o árbitro mostra um cartão amarelo ao chileno. Depois deste lance, o ex-jogador inglês Alan Shearer tweetou sobre o vídeo-árbitro: "Por outras palavras, é uma merda?"
Estes lances descredibilizam a tecnologia? O ex-árbitro Duarte Gomes acha que não. "Na Taça das Confederações tivemos nove lances em que interveio o vídeo-árbitro, seis bem decididos e três mal ajuizados, mas só olhamos para o que correu mal", começa por dizer. "Os erros que lá aconteceram são resultado de imaturidade face a esta tecnologia", e são erros "humanos, porque a tecnologia funcionou", garante.
Na época passada, em Portugal, "tivemos exemplos de golos em fora-de-jogo e de agressões nas costas do árbitro que agora não se vão passar". Ainda assim, "o que se pede às pessoas é que tenham muita tolerância quanto às suas expectativas. Têm de perceber que o vídeo-árbitro não vai poder intervir em todos os lances." E dá como exemplo os dois lances do dérbi Benfica-Sporting do ano passado - aparentes mãos na bola de Pizzi e Nélson Semedo - como lances de dúvida, nos quais o vídeo-árbitro não deve intervir. "Há meses que se pede às pessoas que não esperem milagres" com este sistema, que precisa de "muito treino" e de uma utilização "a doer" para começar a funcionar sem problemas. Duarte Gomes está convencido de que este sistema vai "fazer decrescer muito o ruído" e reitera que o "erro grosseiro visível para todos vai deixar de existir". "Os de dúvida continuarão."
E agora, como se festejam os golos?
Recentemente, num jogo amigável de pré-época entre o Sporting e o Mónaco (ganho pelos leões), o jogador Rony Lopes, do conjunto monegasco, marcou um golo, que festejou, e que foi posteriormente anulado pelo juiz, por fora-de-jogo de um colega. No final, Daniel Podence, jogador do Sporting, comentou: "É um bocado estranho, acabamos por não poder festejar bem os golos porque não sabemos o que vai acontecer segundos depois."
Esse risco existe, porque todos os golos são revistos pelo vídeo-árbitro. Fica em causa a essência do futebol? "Sim. O jogo vai perder alguma beleza. Mas os jogadores têm de encarar isso com naturalidade. Podem festejar na mesma e perceber que, se o golo for anulado, é porque foi mesmo falta. Esse talvez seja um dos contras do vídeo-árbitro", reconhece o ex-árbitro Cosme Machado, que hoje é assessor para a arbitragem do Sporting de Braga. Ainda assim, "o mais importante é que exista verdade desportiva".
O vídeo-árbitro pode indicar ao árbitro que este tomou uma má decisão, mas o juiz principal é que tem a última palavra.
Joaquim Evangelista, presidente do Sindicato dos Jogadores Profissionais de Futebol, tem uma "posição de princípio a favor do vídeo-árbitro, que tem mais coisas a favor do que contra". O impacto na fluidez do jogo não deverá ser um problema. "O recurso ao vídeo-árbitro será pontual, a essência do jogo vai manter-se." David Elleray confirma-o ao Record: "Será uma decisão alterada a cada quatro ou cinco jogos."
"O que é que é melhor, festejar um golo que não é legal ou ver a verdade desportiva ser respeitada?", questiona Evangelista. É que "quem perde devendo ter ganho sofre consequências, também de ordem económico-financeira".
A temporada desportiva nacional arranca este sábado com a final da Supertaça, já com participação do vídeo-árbitro. Pelo que já se viu do sistema, a polémica na arbitragem não deverá acabar. Resta perceber se vai perder volume.
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