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Guerra civil síria - Por que haveria Assad de usar armas químicas agora?

À medida que os dias passam, cada vez parece fazer menos sentido a opção do governo sírio de executar um ataque com armas químicas, que terá matado mais de mil pessoas, a 21 de Agosto.

30 de Agosto de 2013 às 10:17
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À medida que os dias passam, cada vez parece fazer menos sentido a opção do governo sírio de executar um ataque com armas químicas, que terá matado mais de mil pessoas, a 21 de Agosto. Numa altura em que está a vencer a guerra, com inspectores das Nações Unidas às portas de Damasco e depois de Barack Obama ter desenhado essa linha na areia, por que haveria Bashar al-Assad de arriscar tanto agora?


Aquilo que começou como um sussurro foi ganhando dimensão, nos últimos dias, como um cenário a considerar: poderão ter sido os rebeldes sírios, e não o governo, a lançar o ataque, precipitando uma intervenção militar externa no país?


"Não sou defensor de teorias da conspiração, mas a probabilidade de terem sido os rebeldes a utilizar as armas químicas não pode ser colocada de parte. O conflito tem provado que a oposição apresenta comportamentos tão repreensíveis como o regime", traça, ao Negócios, Paulo Gorjão, director do Instituto Português de Relações Internacionais e Segurança (IPRIS).


De facto, e de uma perspectiva teórica, o "timing" do ataque parece não fazer sentido para o presidente sírio. Porquê abanar o ninho de vespas? Mark Almond, da Universidade de Oxford, lembrava à televisão russa "RT" que "o governo sírio, além de bárbaro, teria de ser muito estúpido para fazer isto numa altura em que os inspectores de armas químicas da ONU estavam próximos de Damasco". "Não é impossível que alguém tenha encenado isto."


Os Estados Unidos não têm dúvidas: Assad é o responsável pelo ataque. A certeza parece ser tanta que Washington nem parece disponível para esperar pelo resultado da avaliação das Nações Unidas para iniciar o bombardeamento de alvos estratégicos na Síria. "Não acreditamos que, com o sistema de ataque, que utilizou rockets, a oposição tenha sido capaz de realizar estes ataques. Concluímos que o governo sírio os executou", afirmou Obama na quarta-feira. "Se é assim, tem de haver consequências internacionais."


Miguel Monjardino, do Instituto de Estudos Políticos da Católica, admite que "este 'sprint' para o ataque é duvidoso do ponto de vista político". "Quando são usadas armas químicas, é muito difícil provar que foi o actor A ou B. Neste caso, as circunstâncias de 2003 [invasão do Iraque] minam completamente a argumentação de que a culpa é de Assad."


Rússia, China e Irão já questionaram a autoria do ataque, acusando os rebeldes. Os três aliados de Assad têm tentado capitalizar no "fantasma iraquiano", lembrando que em 2003 os EUA convenceram o mundo de que Saddam Hussein tinha armas de destruição massiva. Poderemos estar a caminhar no mesmo sentido? A utilização de armas químicas não seria novidade para os rebeldes. Recorde-se que, em Maio, a ONU lhes atribuiu a responsabilidade por um ataque com gás sarin executado um mês antes. "Existem fortes e concretas suspeitas, embora ainda não provas irrefutáveis, de utilização de gás sarin", afirmou Carla Del Ponte, uma das investigadoras. "Foi usado pela oposição, pelos rebeldes, não pelo governo."


Existem algumas circunstâncias suspeitas. Alguns especialistas notam que os agentes químicos utilizados no ataque da semana passada foram lançados a partir de armas mais improvisadas e de unidades mais pequenas. Além disso, perto do local do ataque, terão sido encontrados três soldados do Hezbollah que também apresentavam sintomas de um ataque com gás sarin. Hezbollah apoia Assad. Não faria sentido terem sido avisados?


Apesar dos pontos de interrogação, é possível encontrar justificações para a responsabilização do governo. Este tipo de ataque raramente tem objectivos puramente militares. Contribui para aterrorizar a oposição e projecta a imagem de um regime confiante e desafiante face à comunidade internacional. E não é como se atacar civis seja estranho para Assad, que tem utilizado mísseis Scud, bombardeamento de artilharia e ataques aéreos em bairros civis. O ataque pode também ter sido motivado por uma sensação de impunidade (na Síria, mas também com o exemplo da repressão no Egipto) ou ter sido mal calculado na sua dimensão. "Não podemos fazer um julgamento com base nos nossos padrões de racionalidade", nota Monjardino. "Sabemos que o uso de armas químicas é complexo e que o número de mortos aponta para uma utilização intensiva. E os sírios sabem da relutância dos EUA em intervir militarmente."


Monjardino alerta, também, para a falta de informação que existe em relação ao processo de decisão na Síria. Até que ponto, depois de dois anos de guerra, o governo mantém controlo absoluto sobre as acções dos militares no terreno? Tem, por isso, emergido uma possibilidade alternativa: a de o ataque ter sido ordenado por um agente militar a agir por conta própria. Leia-se, sem a autorização de Assad.


A revista "Foreign Policy" noticiou que, perto da hora do ataque, os serviços secretos norte-americanos terão interceptado uma conversa telefónica entre um quadro do Ministério da Defesa sírio que, em pânico, pedia explicações pelo ataque ao responsável pela unidade de armas químicas. As certezas norte-americanas podem basear-se nesta conversa. Mas a conversa pode gerar mais dúvidas que certezas se for interpretada como indício de que a cúpula de poder próxima de Assad não autorizou o ataque. Segundo a Bloomberg, o desaparecido irmão do presidente sírio, Maher al-Assad - que controla a Guarda Republicana e a 4ª divisão blindada - é um dos principais suspeitos. A Administração Obama já esclareceu que, independentemente de quem deu a ordem, a responsabilidade recai sobre Assad.

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