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Somos todos Sepp Blatter?

É urgente encontrar novas formas de regulação assentes num esforço inter-governamental que garanta transparência e responsabilização na FIFA, UEFA e das Federações nacionais. Se nada fizermos, poderemos acabar todos cúmplices de Sepp Blatter e da perpetuação da corrupção no desporto mais bem sucedido da história. O futebol é demasiado importante para ser deixado a si próprio.

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Um bom amigo conhecedor das lides futebolistas mundiais alerta-me: se os Estados Unidos têm ganho a organização do campeonato do Mundo ao Qatar, o escândalo não rebentava. "Ou achas que tudo isto acontece porque as operações ilegais ocorreram pelo menos parcialmente em solo norte-americano?"

 

Um dos dados mais interessantes da investigação conduzida pelas autoridades norte-americanas (à parte, tal como com qualquer boa história mafiosa, o informador principal ter sido apanhado essencialmente por fugir ao fisco, um crime paralelo) é que ela diz respeito a práticas de corrupção que já recuam até aos anos 1990, envolvendo direitos de transmissão e compra de votos para a escolha do local de realização dos mundiais.

 

De facto, a FIFA está envolta em escândalos de corrupção desde muito antes de Sepp Blatter chegar ao topo da organização em 1998 (é conhecido por exemplo o envolvimento de João Havelange no escândalo com a ISL, uma empresa parceira da FIFA que negociava direitos de transmissão na última década do século passado) e há mais de dez anos que os seus dirigentes prometem resolver o problema. Evidentemente sem sucesso.

 

A questão é relativamente simples de formular: há corrupção endémica porque, como costuma argumentar a Justiça norte-america, se juntam motivos, meios, e oportunidade para o crime.

 

Os mundiais de futebol transformaram-se num dos maiores eventos desportivos do mundo. Por exemplo, o campeonato do Brasil gerou 4,5 mil milhões de euros em receitas à FIFA e 2,4 mil milhões de lucro – todos os custos de construção dos estádios ficaram com os contribuintes brasileiros, muitos deles são elefantes brancos [Motivo]. São organizados por uma pequena entidade multimilionária "sem fins lucrativos" dominada por um pequeno grupo de pessoas sem qualquer mecanismo relevante de controlo externo [Oportunidade]. E dependem de um esquema de votos secretos que assenta num regime de um voto por cada país sentado à mesa do comité executivo de cerca de 25 pessoas que incluem desde os EUA às Ilhas Caimão [Meios].

 

E aqui voltamos ao início: não fossem as decisões da FIFA, em 2010, de entregar o Mundial de 2022 ao Qatar (vencendo os EUA para fúria de Bill Clinton, promotor da candidatura norte-americana) e o de 2018 à Rússia (para exaspero do Reino Unido – sem surpresa, David Cameron foi dos primeiros a pedir a cabeça de Blatter e Vladimir Putin, um dos únicos a defendê-lo) teria a justiça norte-americana assumido o papel de polícia global? Talvez não.

 

A corrupção na FIFA arrasta-se há décadas e foi em parte permitida pela conivência dos governos para com a evidente degradação ética no perigoso triângulo entre organizadores, patrocinadores e televisões, e construtores. Sempre zelosos das suas boas relações com o negócios do futebol, as autoridades públicas preferiram confiar na auto-regulação. Fizeram mal.

 

Dados recentes da Transparência Internacional mostram como a FIFA, incapaz de se regenerar, está de costas voltadas para os adeptos:

 

- Um inquérito junto de 35 mil adeptos em 30 países mostra que 83% é contra a continuação de Blatter; 70% não confia na FIFA; e 67,8% votaria nos dois candidatos que desistiram, com grande destaque para Luís Figo (59,1%).

 

- Quatro em cada cinco preferiria que Estados Unidos ou Austrália organizassem o campeonato de 2022, contra 2,2% para o Qatar.

 

- Apesar de mais de uma década envolta em polémicas, entre os quatro candidatos originais à liderança (Sepp Blatter, Luís Figo, Prince Ali bin Al Hussein and Michael van Praag), apenas o holandês van Praag (que entretanto desistiu da corrida) apresentou um plano detalhado para lidar com a corrupção.

 

A prevalência de corrupção afasta os fãs do futebol e das suas estruturas organizativas, retira legitimidade às várias federações para lidarem com problemas como o racismo, a combinação de resultados que cresce a galope ou os direitos humanos (No Qatar já terão morrido mais de mil trabalhadores na construção dos estádios). Estes são desenvolvimentos que prejudicarão o desporto por muitos anos (veja-se o caso do ciclismo).

 

É por isso urgente encontrar novas formas de regulação assentes num esforço inter-governamental que garanta transparência e responsabilização na FIFA, UEFA e das federações nacionais. Se não fizermos nada, poderemos muito bem acabar todos cúmplices de Sepp Blatter e da perpetuação da corrupção no desporto mais bem sucedido da história. O futebol é demasiado importante para ser deixado a si próprio.

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