Outros sites Medialivre
Notícias em Destaque
Opinião

Portugal deveria ser mais como a Irlanda

A incapacidade do Governo em conciliar os compromissos assumidos com a troika com a defesa de objectivos concretos que melhorem a relação de forças entre devedor e credores é um dos principais erros políticos na gestão do programa de ajustamento. Dada a estratégia assumida de tentar associar Portugal à Irlanda como exemplos de sucesso, aqui está uma área em que Lisboa faz mal em não seguir mais de perto o exemplo que chega de Dublin.

  • 4
  • ...


Há uns meses defendi aqui que Portugal não era evidentemente a Irlanda no plano económico e político, e que se encontrava numa situação mais desfavorável para enfrentar o pós-troika. A um mês e meio do final do programa de ajustamento vale a pena regressar ao tema, a propósito da recente visita de um responsável irlandês e da aparente desorientação política que parece ter tomado São Bento nas últimas semanas.

Numa conferência recente organizada pelo Negócios, Brian Hayes, o número dois do Ministério das Finanças irlandês para a reforma do Estado e para a relação com os credores, congratulou-se pelas políticas que o seu governo implementou entre 2010 e 2013, valorizou a importância do consenso social e político no País (governado por bloco central), e elogiou o esforço e os resultados portugueses.

Mas com a mesma naturalidade com que defendeu o seu programa de ajustamento, Hayes afirmou também que nem tudo é perfeito, ou pelo menos, que nem tudo está como Dublin gostaria, escolhendo dois objectivos concretos que pretende manter na agenda desta relação com a troika que se prolongará por muitos anos.

Por um lado, defendeu que as economias do Norte da Europa, com capacidade orçamental e competitiva, deveriam estimular as suas economias, para acelerarem a recuperação do bloco e ajudarem as exportações dos países sob ajustamento. Por outro lado, relembrou que a Irlanda mantém aspirações a reestruturar 64 mil milhões de euros da sua dívida pública, através de uma recapitalização directa retroactiva dos seus bancos pelos mecanismos europeus entretanto criados. Para os irlandeses o resgate bancário de 2010 sem imposição de perdas aos credores (seguindo orientações europeias) foi um preço que o país pagou para tentar estabilizar a Zona Euro. Como se adivinha, nenhum destes objectivos é especialmente bem visto na Alemanha.

O governo irlandês não se inibe de assumir objectivos conflituosos com os interesses dos credores pela simples razão de que os países têm, necessariamente, interesses diferentes. A negociação faz parte de naturais relações políticas entre os Estados e a afirmação de objectivos nacionais é saudável e alivia a inevitável carga negativa que recai sobre qualquer governo que tem de conduzir o país por um ajustamento doloroso.

A aparente inabilidade política portuguesa, moldada à imagem do anterior ministro das Finanças – que acabou de assinar um contrato de trabalho com o FMI que lhe garante o pleno como funcionário das três instituições que compõem a troika – é prejudicial para Portugal e para o próprio Executivo. Já que quer seguir a Irlanda, por que não se comporta como a Irlanda?


Jornalista

Visto por dentro é um espaço de opinião de jornalistas do Negócios

Ver comentários
Mais artigos de Opinião
Ver mais
Outras Notícias
Publicidade
C•Studio