Opinião
O BCE virou keynesiano?
Mario Draghi fez um discurso notável na sexta-feira. Chegou com dois anos de atraso, mas quando está em causa um desastre como o que vivemos na Zona Euro, mais vale tarde do que nunca.
O aviso é claro: os políticos não se devem inebriar pelas baixas taxas de juro dos últimos meses, nem delas vender uma ilusão de sucesso. A verdade é que sete anos depois do início da crise, a recessão na Zona Euro continua e o elevado desemprego está a destruir o potencial de crescimento e a corroer perigosamente a confiança dos europeus na moeda única. Mais grave para o BCE é que até já os mercados duvidam que consiga garantir a inflação de 2% para que está mandatado.
As palavras do presidente do BCE não são importantes apenas pela clareza de um duro diagnóstico. É que desse diagnóstico nasce uma prescrição de políticas urgente. É preciso actuar, com ponderação, mas também com rapidez e determinação. Não está em causa a importância de reformas estruturais. Mas no curto prazo não há forma de relançar a economia sem mais investimento e consumo. E dada a fragilidade do sector privado, cabe ao BCE, mas também à política orçamental dar uma ajuda: é urgente avançar com um plano europeu de investimento público e flexibilizar metas de défice onde for possível. A Europa precisa de menos austeridade.
Mas o discurso de Draghi (no Massa Monetária pode ler sobre as passagens mais interessantes) é importante por uma última razão, que é assumida de forma tímida. É que o texto desautoriza uma boa parte do discurso radical pró-austeridade enquanto bálsamo redentor. Por um lado, assume que as políticas de austeridade que estão a deixar a Zona Euro de joelhos dependem da escolha e da falta de imaginação dos actuais líderes europeus para construírem outras alternativas. Por outro, assume, preto no branco, que a crise de dívida soberana europeia resultou, em primeira linha, da inexistência na Europa de um banco central que possa garantir a dívida dos respectivos países, ao contrário do que aconteceu nos EUA ou na Japão. Notável.
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