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Devemos chorar pela Argentina?

No momento em que estas linhas forem publicadas estaremos a poucas horas de saber se a Argentina pagará cerca de 800 milhões de dólares em juros sobre as obrigações que reestruturou em 2005 e 2010 envolvendo 93% da sua dívida pública. Em princípio este pagamento não acontecerá, não por falta de dinheiro, mas por decisão dos tribunais norte-americanos.

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A justiça dos EUA determinou a meio de Junho que se a Argentina não pagar na totalidade aos credores que recusaram as operações de reestruturação, então não poderá continuar a honrar os pagamentos dos restantes 93%. A Argentina diz não ter condições para satisfazer a decisão. Em parte porque prometeu aos investidores que aceitaram reestruturar a dívida em 2005 e 2010 que não ofereceria melhores condições aos restantes.  Se o fizer, então deverá tratar todos por igual, o que significa gastar não 15 mil milhões de dólares (valor aproximado reclamado pelos 7% protegidos pela decisão do Tribunal dos EUA), mas mais de 120 mil milhões de dólares.

 

O problema é que se não pagar o cupão que vence dia 30 de Junho, o País entrará num período de graça de mais trinta dias que culminará no quarto incumprimento em pouco mais de trinta anos. Um cenário de regresso aos mercados ficará ainda mais difícil.

 

A decisão da justiça norte-americana – que também forçou as instituições financeiras a revelar aos credores os activos do Estado argentino pelo mundo para que estes os possam penhorar – coloca o País ficou a um mês e meio  e escassa margem negocial para chegar a acordo com os credores litigantes, que são liderados por dois fundos de investimento especializados em fazer dinheiro com incumprimentos soberanos – razão pela qual são apelidados de abutres.

 

A sentença é dura e evidencia que os tribunais norte-americanos perderam a paciência com a Argentina que, ao longo dos últimos anos, não terá feito qualquer esforço por entrar numa negociação séria e consequente com os credores que recusaram, dentro dos seus direitos, as condições da reestruturação em 2005 e 2010. Perante este comportamento, os defensores da decisão, consideram que foi feita justiça. Ninguém deve chorar pela Argentina, avaliou ao Negócios Rodrigo Olivares-Caminal,  um jurista especializado em reestruturações de dívida.

 

Talvez sim, talvez tenha a Argentina tenha esticado demasiado as cordas de um sistema financeiro e legal cujas regras aceitou, e esteja mesmo a merecer um puxão de orelhas. Mas a decisão norte-americana vai muito para lá de trazer a Argentina para dentro das regras do jogo.

 

Ao forçar ao pagamento completo da dívida aos 7% que recusaram a reestruturação (ficando em vantagem perante os 93% que aceitaram uma operação que se veio a revelar benéfica para a economia), ao determinar que um acordo seja conseguido em poucas semanas sob pena de um novo incumprimento, e ao transformar dos EUA em câmara de penhoras para os activos de um Estado soberano, a decisão mais que justa parece justiceira. E o pior é que as suas ondas de choque vão muito para lá da situação argentina.

 

A decisão judicial implica que no futuro os credores por todo o mundo se sentirão mais confiantes em recusar propostas dos governos e em procurar pagamentos completos nos Tribunais – pelo menos nos tribunais norte-americanos que regem grande parte das emissões de dívida pública. Tal dificultará as reestruturações que devem ser tão expeditas quanto possível.

 

O caso argentino, como aliás a recente posição do FMI a admitir que renegociações de dívida em Portugal ou Irlanda poderiam ter sido vantajosas, evidenciam a importância de se criar um regulador internacional de reestruturações de dívida pública. Até pode ser que a Argentina não mereça que se verta qualquer lágrima, mas deixar estas decisões soberanas ao livre arbítrio dos jogos de forças durante crises ou entregar os diferendos ao sistema judicial norte-americano não é uma solução aceitável para decisões com implicações directas na vida de milhões de pessoas.

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