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Rui Peres Jorge - Jornalista rpjorge@negocios.pt 19 de Setembro de 2017 às 10:00

Standard & Poor's: a surpresa que já chega tarde

A decisão de tirar Portugal do “lixo” já era defensável desde o final do programa de ajustamento em 2014. As agências de “rating”, mais do que definidoras de uma tendência, são antes seguidoras dos sinais que vão emanando dos mercados.

Diz-se que um crítico mostra sempre muito mais de si do que da obra que aprecia e no caso das agências de "rating" não é diferente. A surpreendente decisão da Standard & Poor’s (S&P) sobre Portugal diz mais sobre a empresa e uma indústria conservadora, com responsabilidades na crise financeira e desconfiada da periferia da União Europeia, do que sobre a situação económica nacional.

A decisão agora anunciada de tirar Portugal do "lixo" já era defensável pelo menos desde o final do programa de ajustamento em 2014, e tornou-se mais que justificada desde 2016, quando António Costa e Mário Centeno mostraram que o controlo orçamental e a reestruturação do sistema financeiro eram para levar a sério pelo novo governo de esquerda em Portugal.

A hesitação das agências vem confirmar que, ao contrário do que se possa julgar, as opiniões da S&P e os seus pares Moody’s e Fitch não sinalizam ao mercado o risco de incumprimento de uma empresa ou de um país, são antes reflexos, atrasados, do risco que os próprios investidores já estão a atribuir a um produto financeiro, empresa ou soberano. Mais do que definidoras de uma tendência, como se esperaria, são antes seguidoras dos sinais que vão emanando dos mercados.

Isso foi assustadoramente evidente no início da crise financeira de 2007 e 2008, uma altura em que atribuíam classificações máximas a produtos financeiros titularizados duas e três vezes. E também ficou claro quando contribuíram para o agravamento da crise europeia em 2011, decidindo cortes abruptos de "rating", sem apelo nem agravo – a este propósito, lembremo-nos, por exemplo, do "murro no estômago" que a Moody’s deu a Passos Coelho, não lhe dando sequer tempo de mostrar o que valia ao leme de um governo alinhado a 100% com as prioridades europeias e que sempre recusou qualquer reestruturação de dívida.

Tão ou mais grave do que falharem a sua missão fundamental em alturas críticas, está ainda o facto de as agências de "rating" registarem um enviesamento negativo persistente relativamente aos países periféricos. Há sobeja literatura sobre o tema: em 2015, um estudo publicado no "think-tank" alemão DIW defendia que, considerando os fundamentais da economia (crescimento, emprego, contas públicas e externas, e enquadramento político e institucional) e o histórico de decisões da S&P, Portugal já deveria ter tido acesso em 2013 ao grau de investimento que agora lhe foi atribuído. No ano passado, dois economistas do Mecanismo Europeu de Estabilidade, o fundo de resgate da Zona Euro, defenderam que Portugal estava penalizado em dois a três graus de avaliação. Ou seja, já merecia ser recomendado para investimento, o que a Fitch e a Moody’s ainda lhe recusam no final de 2017.
 
S&P, mestre no mercado da opinião

É à luz deste enquadramento que deve ser lida a decisão anunciada no final da semana passada. O enviesamento negativo da agência face aos países periféricos a par com um maior conservadorismo nas decisões de subidas de "rating" do que nas descidas – como que uma tentativa de compensarem os seus excessos de optimismo prévios à crise – justifica a surpresa generalizada com a decisão da S&P de tirar a dívida portuguesa da classificação de "lixo".

A expectativa entre analistas e no Governo apontava para que a S&P, antes de dar este passo, fizesse uma espécie de pré-aviso – isso significaria que, à semelhança do que fizeram a Fitch (Junho de 2017) e a Moody’s (Setembro de 2016), atribuísse por agora apenas uma "perspectiva" positiva à dívida nacional, sinalizando uma provável subida de "rating" em 2018.

O que se passou então para que este passo intermédio tenha sido dispensado? Mais do que em qualquer tipo de acto de contrição face a erros passados, a resposta pode parcialmente encontrar-se numa dimensão menos evidente do mundo dos "ratings": a da concorrência entre as três grandes agências num mercado de opiniões global que vale milhões.

Perante uma subida que já era dada como certa nos próximos meses, face aos bons resultados orçamentais, à qualidade da gestão do IGCP e garantias do novo Governo, e ao bom momento europeu e nacional, a equipa de Moritz Kraemer, o responsável máximo dos "ratings" soberanos da S&P resolveu jogar por antecipação e destacar-se como líder do movimento.

Não é aliás a primeira vez que a S&P procura destacar-se na crise europeia. Em Janeiro de 2012, quando ganhou a alcunha de Sr. Mãos de Tesoura por cortar os "ratings" de nove países da Zona Euro (Itália e França incluídas e colocando Portugal no lixo), fê-lo justificando-se com os sinais de incapacidade de resposta institucional na Zona Euro à crise – uma avaliação hoje consensual.

Embora polémica na altura, a visão integrada de Kraemer e o compasso de espera em colocar Portugal em "lixo", valeu-lhe pontos neste mercado de opiniões.

A porta entreaberta a um novo mundo de investidores

A decisão da S&P é uma muito boa notícia para Portugal: ajuda a reduzir os juros da dívida pública, e por arrasto os custos de financiamento da economia, num momento em que se antecipa uma redução dos estímulos do BCE; sinaliza mais confiança internacional no país; e permite que Portugal deixe de estar nas mãos da pequena agência DBRS que era a única com a classificação de grau de investimento que permitia o acesso de Portugal ao financiamento do BCE (visto que o banco central exige que o país tenha pelo menos uma notação acima de lixo entre as notas da DBRS, S&P, Moody’s e Fitch).

Os impactos imediatos da decisão não devem, contudo, ser exagerados. Trata-se de começar a abrir a porta a um novo mundo de potenciais investidores em dívida pública nacional que, por regras internas de gestão de risco, só podem investir em títulos classificados com nível de investimento pelas três principais agências de "rating". São os casos da maioria dos fundos de pensões, mas não só. Há muitos investidores institucionais que se regem pelo mesmo tipo de limitações.

Só que na maioria destes casos não basta um título estar fora do lixo por uma das três grandes agências. Para ser elegível é preciso que duas ou até as três agências assim o considerem. E só aí Portugal terá saído verdadeiramente do "lixo". A Fitch voltará a analisar Portugal a 15 de Dezembro, já com o Orçamento do Estado para 2018 aprovado e a Moody’s toma novas decisões em 2018, assim como a S&P.

Mas se a decisão da S&P chega tarde e tem pouco risco para a empresa, não deixa ainda assim de traduzir um voto de confiança em Portugal e na Europa. Na frente externa, a confiança de que a relação entre França e Alemanha poderá impulsionar um novo dinamismo à União Europeia, apesar das negociações de saída do Reino Unido e da incerteza em Itália; e, internamente, a confiança de que se manterão políticas que reduzam a dívida pública, recuperem o sistema financeiro, e promovam o crescimento da economia sem acumulação de endividamento externo.

A Portugal resta continuar a trabalhar na sua recuperação económica e financeira, sem ingenuidades sobre como funcionam estas poderosas empresas de opinião.

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