Opinião
Seis vírgula oitenta e três por cento
Começou muitíssimo bem, a pedagogia que o doutor Vítor Constâncio pediu, na mobilização de todos para ultrapassar a fase crítica em que o país se encontra. Regressado ao estilo «quem se mete com o PS leva», o dr. Jorge Coelho revelou-se chocado e responsa
O «novo» PSD reagiu imperturbável, garantindo que o novo valor do défice não surpreende. É, afinal, a consequência do descalabro das finanças públicas provocado pelo engenheiro Guterres.
E os outros partidos, desde o PCP ao CDS, passando pelo doutor Louçã, não perderam tempo para ajudar à festa – que ninguém conte com eles para aprovar um aumento de impostos.
Esta gente não aprende. E é por causa destes comportamentos que chegámos a este ponto. As finanças públicas são um assunto demasiado sério para se transformarem num campeonato do disparate. Mas a classe política insiste.
Os partidos que se alternam no poder seguem a pedagogia dos medíocres: só querem provar quem fez pior. Os outros seguem a demagogia dos irresponsáveis. Temos de conviver com eles, porque a mudança não se faz sem eles. Por isso, esta longa marcha que a pátria deve iniciar, tem este ponto prévio absolutamente determinante: não se pode pensar que a sociedade está disposta a enfrentar a realidade, enquanto os seus dirigentes não mudarem radicalmente a forma de actuar.
Ainda ontem Vítor Constâncio recorreu a um estudo do FMI aos ajustamentos orçamentais violentos que, nos últimos trinta anos, tiveram de ser feitos por 165 países.
Os casos bem sucedidos deram-se em apenas duas situações: em ditaduras e em democracias que enfrentaram o problema e mobilizaram as populações nos desafios.
Felizmente que os nossos ditadores foram erradicados para sempre. Mas os idiotas não. E, por mais conferências que Constâncio faça, por mais alertas que lance, por mais pedagogia que promova, continuam a confundir o futuro do país com um Sporting-Benfica.
O que está em causa é a salvaguarda do Estado-social, é a defesa do essencial das políticas públicas de saúde, de educação e de protecção na velhice.
Pensávamos que a realidade era muito clara. Pensávamos que, há muito, os diagnósticos estavam feitos. Temos de voltar, pelos vistos, ao capítulo anterior.
Fazer com que esta gente entenda, de uma vez por todas, que para o país reencontrar o caminho do progresso não basta mudar de Governos. Começa por mudar de vida.
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O agravamento de impostos é incontornável. E é um bom ponto partida para a tal pedagogia. Dizer, claramente, que ele não resolve nenhuma questão de fundo das finanças públicas.
Que o recurso a este expediente, indesejável dada a debilidade do crescimento da nossa economia, é somente isso: um expediente. Para trazer o défice abaixo dos 6% no fim do ano.
Isso é fundamental para várias coisas: recuperar a credibilidade na política económica, recuperar credibilidade externa, ter alguma legitimidade para pedir mais fundos estruturais.
Mas, repito, nada resolve nas finanças públicas. Como nada resolveram os apertos impostos pela «Dama de ferro». Ferreira Leite teve a capacidade de conter a hemorragia, mas não sarou a ferida.
Pedagogia é assumir que, por mais sacrifícios que voltem a ser pedidos, por mais impostos que subam, o desequilíbrio continuará a agravar-se, até chegar à despesa «intocável» do Estado.
É esta despesa que mais cresce. É a mais complicada de mudar. Porque é a que mais atinge os alicerces da nossa forma de vida.
O que o dr. Coelho e a senhora que foi secretária de Estado do dr. Tavares deveriam ter dito resume-se a um simples quadro. O quadro número 2.7, na página dezoito, do Relatório Constâncio: na despesa corrente primária (sem juros), aquela que depende do ministro das Finanças, 87% não depende afinal de ministro algum. É despesa rígida.
A redução estrutural da despesa depende só das reformas. É um assunto de regime. E a terapia de choque não está no Governo, mas no Parlamento.
Haverá, pois, alguém que um dia terá a coragem de abandonar as vagas preocupações e apoiar no concreto:
a) reduzir a função pública que está a mais;
b) a refundação do sistema público de Saúde, desde o financiamento ao dogma da igualdade;
c) a revisão da lei da Segurança Social, de forma a, também aqui, o Estado deixar de tratar de maneira igual aquilo que é diferente;
d) o fim do regime de previdência dos funcionários do Estado. Aqui, ao contrário, deve-se tornar igual o que não pode ser diferente: idade de reforma, assistência na doença, cálculo das pensões.
Esse alguém não pode ser o governador. Mas o Presidente da República, talvez o maior responsável deste triste último capítulo da novela do défice.